Cadeirantes, TDAH e autismo: livros infantis abordam inclusão social

Escritas por cearenses, obras alavancam importantes reflexões nos pequenos e em toda a família a partir de textos sensíveis e atuais

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Com “Cadê a criança que estava aqui?”, a linguista, publicitária e escritora Tânia Dourado narra o universo de um personagem autista
Foto: Jammya Figueiredo

Informar, entreter, divertir e, por que não, incluir. De caráter plural, livros infantis abraçam um sem número de possibilidades ao reunir muita criatividade, linguagem acessível e histórias cada vez mais sintonizadas com o hoje. É o que atestam empreitadas literárias assinadas por cearenses, sobretudo a partir de tramas que abordam personagens com necessidades especiais, em que se avolumam sensibilidades e reflexões.

“O menino de papel”, do autor e educador Fabiano Carneiro, se encaixa bem nesse panorama. A obra – lançada virtualmente na última quinta-feira (13) – conta o caso real de um garotinho com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Em virtude disso, ele não consegue se concentrar, mas seu professor percebeu que podia acalmá-lo toda vez que molhava a cabeça e os braços da criança.

Com a prática, o docente teve a ideia de criar um super-herói para ajudar o menino a acalmar a euforia interna, ficando mais fácil para ele aprender uma coisa de cada vez. De acordo com Fabiano, o livro começou a ser escrito a partir de observações e estudos dentro de sala de aula com estudantes que aparentavam apresentar questões inclusivas.

“Eu já trabalhava com musicalização infantil como ferramenta de inclusão. Nas inúmeras formações que recebemos ao longo destes anos, sempre tentei atrelá-las ao lúdico, que tem sido minha base ao longo dessa caminhada. Foi quando tive a experiência de receber um aluno com as características de TDAH”, conta. 

A partir das vivências com o pequeno, o educador aprofundou leituras sobre o transtorno e, para surpresa dele, algumas ações que já fazia iam lhe dando subsídios para o desenvolvimento cognitivo do estudante. “Então, o livro chegou pronto. Eu tinha o personagem; o ano que eu vivi em sala com ele; a família do aluno para aprovar o projeto; o ilustrador, que é um grande parceiro, Cauê Páscoa; e a editora, Cene. O desafio foi passar para o papel, de forma curta e compreensível, muitas informações que talvez dessem um artigo ou um estudo de caso”, dimensiona.

Legenda: O educador Fabiano Carneiro e seu “O menino de papel”: narrativa sobre TDAH
Foto: Divulgação

Consciência

Felizmente, a tarefa foi concluída com sucesso. Ao aliar um caso verídico com a liberdade poética do ato de escrever, o livro – disponível para compra no site da editora Cene e da Livraria Cultura – chega às mãos do público como um ótimo meio de otimizar reflexões acerca da importância da empatia e da compreensão desde tenra idade

“Cada pessoa carrega em si uma maneira, um jeito, um aspecto. A forma que achei para ajudar meu aluno foi transformá-lo num herói, algo que você só descobre lendo o livro. Porém, a obra carrega em si ferramentas para a vida diária, tais como alegria, ludicidade, paciência, calma, perseverança e, acima de tudo, esperança”, detalha Fabiano Carneiro.

Não à toa, o exemplar está longe de ser destinado apenas para crianças. Famílias e educadores também podem se utilizar dele para considerar de que maneira estão conduzindo as próprias trajetórias e, principalmente, a dos pimpolhos sob sua responsabilidade.

Estamos formando cidadãos conscientes de que as pessoas são únicas e todas merecem respeito? Que um atributo físico ou comportamental não é capaz de nos definir por inteiro, mas são partes de um todo? Que é preciso ir além do lugar-comum e enxergar os universos de cada indivíduo?

Magia

Essas questões também permeiam a leitura de “Os três porquinhos - Uma aventura sobre rodas”, de Sérgio Magalhães e Kátia Castelo Branco. Publicada de forma independente pelo selo Jardim Literário, idealizado pela dupla de educadores, a obra conta a história de uma família de porquinhos que possuem deficiências físicas.

Ao atingir a maioridade, o trio de animaizinhos resolve sair dos cuidados maternais para enfrentar o mundo desconhecido, entregue a toda sorte de dificuldades de locomoção – já que, para se movimentar, utilizam cadeiras de rodas. A partir daí, inserem-se na dura realidade social.

A intenção em retratar personagens com deficiências físicas, segundo Kátia, é enfatizar que essa característica não limita a mente nem a capacidade das crianças, e das pessoas de um modo geral, de alçar altos voos.

Legenda: Kátia Castelo Branco e Sérgio Magalhães abordam, em livro, a deficiência física
Foto: Inácio Fernandes

“Por convivermos parcialmente com cadeirantes, são perceptíveis suas lutas diárias, o enfrentamento de situações adversas às suas possibilidades de convivência no meio, em que empregam um esforço gigantesco para alcançar seus objetivos”, situa a autora.

“A literatura é leve para abordar um assunto tão sério, que precisa ser tratado com respeito à pessoa com deficiência. E chega sem impor ou expor, envolvendo com magia. Mediante a inclusão de quem possui necessidades especiais, deseja-se que tenham livre acesso, com equidade, aos diversos locais que queiram frequentar. Isso porque ainda é tímida, em alguns lugares, a questão da acessibilidade no meio social”, completa Kátia.

Por sua vez, Sérgio Magalhães explica que a adaptação da famosa história dos três porquinhos, contemplando agora um aspecto tão caro da realidade – favorecido pelas ilustrações de Elane Oliveira e Eduardo Azevedo – faz com que tudo fique ainda mais interessante. 

“Esse clássico da literatura universal já é uma obra encantadora; imaginar os personagens cadeirantes causa impacto no leitor, gera uma curiosidade de como eles irão fugir do temível lobo mau. E, no desenrolar do enredo, é notável que as cadeiras de rodas muito facilitam a fuga. Cadeirantes vivem, brilham, são felizes, nos encantam. Assim, o que desejamos mesmo com o livro é um olhar de reflexão sobre a falta de acessibilidade”, reitera.

Neste momento de pandemia do novo coronavírus, o título – que ainda não ganhou lançamento oficial, apenas vivências por meio de oficinas em duas escolas onde foi adotado como paradidático, uma no município de Itapajé e outra em Viçosa do Ceará, interior do Estado – continuou reverberando por entre o público. Além de poder ser adquirido mediante contato com os autores, o exemplar teve a trama narrada por meio de vídeo nas mídias sociais, sempre com um positivo retorno.

“Apresentar para as crianças três porquinhos inteligentes e cadeirantes deu aquele calafrio. Ficamos com um pouco de medo de os pequenos perguntarem como os personagens teriam se tornado assim. A verdade é que não viemos apresentar a origem da deficiência, mas realmente refletir sobre a quantidade de pessoas que estão numa cadeira de rodas e muito desejam sair, passear e desfrutar da vida como qualquer cidadão”, afirma Sérgio.

Sensibilidade

Igualmente sintonizada com questões sobre literatura e inclusão social está a obra “Cadê a criança que estava aqui?”, da linguista, publicitária e escritora Tânia Dourado.

Considerado o primeiro livro infantil com um personagem autista, o exemplar foi lançado em 1998 e relançado em 2015 pela Premius Editora narrando, com muita sensibilidade, o universo de Pablo (Pabita) em seu contexto familiar.

Contada por uma criança, a história mostra a expectativa criada pelo irmão em torno da chegada de Pablo e o estranhamento inicial dos familiares diante do surgimento de comportamentos atípicos por parte da criança. Mal sabiam eles que o garotinho havia chegado para quebrar paradigmas e conferir novas perspectivas.

Legenda: Trecho de "Cadê a criança que estava aqui?", de Tânia Dourado: livro mergulha no universo dos autistas
Foto: Ilustração de Alexia Brasil

“Trabalhar com linguagem é necessariamente agir politicamente, com toda a responsabilidade ética que isso acarreta”, situa a autora, que se baseou no nome de um dos sobrinhos autistas para referenciar o protagonista do livro.

“O preconceito é uma construção social, de modo que as crianças que convivem com a diferença são radicalmente livres e, consequentemente, mais capazes de respeitar o outro no que ele tem de melhor, que é o seu caráter único”.

A obra – integrante da coleção “Criança é Diferente”, que trabalha a inclusão social – ainda contempla a intertextualidade ao referenciar o ofício de vários artistas, tais como Pablo Picasso (que também inspirou o nome do protagonista e está presente nas ilustrações de Alexia Brasil e camisetas usadas pelo personagem ao longo da narrativa), Heitor Villa-Lobos (utilizado como referência a um determinado aspecto da natureza de Pabita) e Claude Debussy (compositor, cuja canção, “Clair de Lune”, tem grande significado na vida da criança).

Traz também, em uma das páginas, de forma específica, uma bela reflexão.

“Ninguém nasce para realizar os sonhos dos outros. Todo mundo nasce diferente para aprender coisas novas e voltar melhor do que veio”.


O menino de papel
Fabiano Carneiro
Ilustrações de Cauê Páscoa

Cene Editora
2020, 32 páginas
R$ 29,90

Os três porquinhos - Uma aventura sobre rodas
Sérgio Magalhães e Kátia Castelo Branco
Ilustrações de Elane Oliveira e Eduardo Azevedo

Independente
2020, 24 páginas
R$ 30 (contato para compra: (85) 99427-4577)

Cadê a criança que estava aqui?
Tânia Dourado
Ilustrações de Alexia Brasil

Premius Editora
2015, 32 páginas
R$ 50/ R$ 30 (e-book)

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