Após críticas de racismo, editora tira de circulação livro infantil “Abecê da liberdade”; entenda
Nas redes sociais, Companhia das Letrinhas assumiu o erro e se comprometeu a ter todo o catálogo lido por profissionais dedicados à análise sensível
A Companhia das Letrinhas, selo infantil do Grupo Editorial Companhia das Letras, retirou do catálogo o livro “Abecê da liberdade”, de José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta. A decisão ocorreu após críticas de leitores que apontam racismo na obra. Segundo o público, o título estaria romantizando a escravidão ao contar a biografia do pensador brasileiro Luís Gama (1830-1882).
Em resumo, “Abecê da Liberdade” é ambientado na cidade de Salvador (BA) no início do século XIX, e traz a história de Luizinho. Na sinopse do livro, consta que a narrativa apresenta a mãe do garoto, Luiza Mahin – africana que chegou ao Brasil como escrava – e segue a caminhada do menino até ele se tornar o famoso escritor, advogado e abolicionista Luiz Gama, responsável pela libertação de centenas de escravizados.
Em algumas passagens do exemplar, contudo, é possível acompanhar crianças negras no porão de um navio negreiro pulando corda com correntes e brincando de escravos de Jó durante uma viagem rumo à escravidão, o que movimentou a reação de pais, professores e intelectuais. As críticas foram direcionadas não apenas ao texto, mas também às ilustrações do material, responsáveis por reforçar a ideia apresentada em palavras.
O livro não é editado pela Companhia das Letrinhas – foi publicado originalmente em 2015 pelo selo Alfaguara Infantil, da editora Objetiva – mas teve uma reimpressão por ela. A empresa alegou que não revisou a publicação.
Em pronunciamento divulgado nas redes sociais, a editora assumiu o erro e afirmou: “Considerando as críticas positivas e oportunas, imediatamente bloqueamos a venda do título para livrarias e distribuidores desde o dia 03/09/2021. Solicitamos a devolução imediata dos exemplares que se encontravam nas livrarias físicas e online. O título está fora de catálogo e não voltará a ser comercializado pela editora”.
Além disso, alegou que está encaminhando um projeto para que todo o catálogo infantojuvenil da casa seja lido por grupos de profissionais dedicados à análise sensível. “Também estamos reforçando nossas ações de compromisso com a pauta antirracista e analisando novas iniciativas que possam ser incorporadas ao Grupo Companhia das Letras”, complementou.
Desligamento de projetos
Mesmo com o posicionamento da empresa, alguns profissionais negros afirmaram estar deixando de participar de ações envolvendo o Grupo Companhia das Letras devido ao caso. Um exemplo é a professora e pesquisadora Fernanda Sousa, da Universidade de São Paulo.
Em uma postagem no Twitter, ela comunicou que estava se desligando do projeto “Por uma escola afirmativa: construindo comunidades antirracistas”, coordenado pela Companhia.
Acabo de me desligar oficialmente do projeto Por uma escola afirmativa: construindo comunidades antirracistas, coordenado pela Companhia das Letras, após a publicação do livro ABECÊ da Liberdade: A história de Luiz Gama, que naturaliza e reproduz a violência da escravidão 1/
— Fernanda (@FernandaSousa_8) September 13, 2021
“Trata-se de um livro na contramão do projeto de educação antirracista do qual escrevi uma parte junto com mais duas pesquisadoras negras e que esperávamos que fosse nortear as ações da editora”, justificou, ao referenciar o título em questão.
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Confira abaixo, na íntegra, a nota da Companhia das Letrinhas sobre o caso envolvendo o livro “Abecê da liberdade”:
“Recebemos recentemente críticas importantes ao conteúdo do livro Abecê da liberdade, de José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta, publicado originalmente pelo selo Alfaguara Infantil, da editora Objetiva, e incorporado, na reimpressão, ao selo Companhia das Letrinhas.
Lamentamos profundamente que esse ou qualquer conteúdo publicado pela editora tenha causado dor e/ou constrangimento aos leitores ou leitoras. Assumimos nossa falha no processo de reimpressão do livro, que foi feito automaticamente e sem uma releitura interna, e estamos em conversa com os autores para a necessária e ampla revisão. De toda maneira, como consideramos a crítica correta e oportuna, imediatamente disparamos o processo de recolhimento dos livros do mercado e interrompemos o fornecimento de nosso estoque atual. Esta edição agora está fora de mercado e não voltará a ser comercializada.
Aproveitamos para reforçar que estamos atentos aos processos de mudança em nossa sociedade e temos buscado formas de reler, a partir de uma perspectiva mais democrática e inclusiva, as obras infantis da Companhia, que são publicadas desde 1992, quando a Companhia das Letrinhas foi fundada. Há também um compromisso com os novos títulos: eles devem estar alinhados com as diretrizes de pluralidade e inclusão que vêm regendo o Grupo como um todo.
Reconhecemos nosso erro e pedimos, mais uma vez, desculpas aos leitores. Estamos dispostos e abertos para aprender com esse processo, para dele sairmos, todos nós, muito melhores.”