Livro inclusivo marca primeiro lançamento na Biblioteca Estadual do Ceará reformada

“Liz e seus amigos: o poder da inclusão” é especialmente voltado a pessoas com deficiência visual e auditiva

Escrito por Roberta Souza , roberta.souza@svm.com.br
Criança com deficiência visual tateia o livro
Legenda: O livro "Liz e seus amigos: o poder da inclusão" foi distribuído gratuitamente em diferentes municípios cearenses

“Não tem livros assim em muitas escolas e bibliotecas”, aponta a cearense Adrielly Beserra, de 17 anos, em referência à obra infanto-juvenil “Liz e seus amigos: o poder da inclusão”, em braille e acompanhada de um CD com audiodescrição. Cega de um olho e com baixa visão no outro, a adolescente representa pelo menos 3,5% da população brasileira, segundo o último Censo do IBGE (2010) e a Pesquisa Nacional de Saúde (2013), que dependem de acesso a estruturas de apoio visual adequadas para tocar a vida.

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Atento a isso, Afrânio Rocha, coordenador geral da ACB Esporte e Cultura, uma organização sem fins lucrativos fundada em 2013 no município de Maracanaú (CE), resolveu agir. Convidou o artista Daniel Brandão para coordenar uma produção editorial inclusiva, e o resultado foi a obra apreciada por Adrielly, que será lançada oficialmente nesta sexta-feira (17), às 10h, no espaço Leitura Acessível da Biblioteca Pública Estadual do Ceará (Bece).

“O livro é um caminho para as pessoas compreenderem melhor o que se passa com pessoas deficientes e como elas podem ser incluídas na sociedade”, resume a estudante, que teve o primeiro contato com a história de Liz e seus amigos dias atrás, no Instituto dos Cegos.

O local recebeu 300 dos mil exemplares confeccionados com recursos provenientes da Lei Aldir Blanc. Outros 100 foram entregues à Secult-CE, que deve distribuir a obra nos equipamentos culturais sob sua responsabilidade, como a Biblioteca Pública. 

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Mais 70 exemplares foram para a Associação de Pais e Amigos de Excepcionais (Apae) de Guaiúba. Maracanaú, Aracoiaba, Baturité, Maranguape, São Gonçalo do Amarante, além de instituições situadas em Fortaleza, também estão incluídas na distribuição gratuita.

“A demanda só faz crescer. Infelizmente, não podemos atender a todos, devido à quantidade limitada de livros produzidos para o projeto. Isso demonstra como a carência desses materiais é grande. O ganho de projetos como o nosso, que ainda são poucos, é tentar suprir essa demanda enorme”, avalia.
Afrânio Rocha
Coordenador geral da ACB

Desafios da acessibilidade

Em diálogo com as observações do coordenador geral da ACB, vale ressaltar que a Região Nordeste representa um terço da população de cegos e pessoas com baixa visão no País, segundo o Censo de 2010. De acordo com a pesquisa Cenários da Leitura Acessível (2019), o maior contato dessas pessoas com a leitura em braille é nos momentos em que frequentam instituições para cegos. 

Homem adulto folheia o livro
Legenda: Apesar do foco infanto-juvenil, a obra "Liz e seus amigos" atende aos interesses de um público de todas as idades

O mesmo estudo aponta que o audiolivro é considerado o recurso mais valorizado por 66% dos entrevistados, ainda que seja o menos encontrado nos acervos de livros acessíveis. Já em relação ao braille, os entrevistados reconhecem que é o sistema mais eficaz para a alfabetização da pessoa com deficiência visual.

Outro dado desta pesquisa que precisa ser analisado criticamente é que os livros de literatura infantil são os mais disponíveis e, ainda assim, representam o segundo gênero com maior carência de demanda.

Com “Liz e seus amigos: o poder da inclusão”, dá-se, portanto, mais um passo no enfrentamento dessas dificuldades.

Exemplares de
Legenda: O livro inclusivo conta com ilustrações de Thiago Krening

“As pessoas envolvidas neste projeto são muito especiais e tiveram uma paciência e generosidade comigo que jamais vou esquecer. Tendo a ousadia de responder por todos nós, eu acho que o que pretendemos com este trabalho é plantar uma semente e inspirar para que mais autores e autoras pensem em obras inclusivas”, expõe Daniel Brandão.

Ele reconhece que, antes deste trabalho, sentia um vácuo incômodo em sua produção autoral.

“Nunca me senti apto a tratar do assunto com segurança. Eu acredito que o desafio é conhecer mais a fundo as pessoas com deficiência, ouvi-las, saber mais das suas dificuldades, conversar com pais e responsáveis a respeito do que precisamos aprender e a evoluir como pessoa e como sociedade para que a inclusão seja ampla e de qualidade”, aponta.
Daniel Brandão
Coordenador editorial do projeto Liz

Mais ações

Além do formato físico, o projeto contempla uma plataforma virtual com a versão do livro em formato digital, tradução em videolibras, vídeo lúdico com a contação de história, músicas e videoclipes ilustrados, além de materiais didáticos complementares, tendo em vista a dificuldade de acesso a esses materiais por parte de professores. Tudo com recursos de acessibilidade e sem restrição de acesso ao público. 

“Essa parceria, esse reforço com o projeto Liz e a possibilidade de ter uma plataforma virtual com materiais didáticos, é mais um subsídio para nos ajudar no desenvolvimento do trabalho pedagógico. Isso deve contribuir bastante na qualidade da educação e no desenvolvimento das crianças”, acredita a professora Claudia Coelho, de Baturité, que ministra aulas para mais de 20 pequenos com diferentes necessidades escolares.

Para reforçar a ação, Afrânio Rocha adianta que a ACB já está se organizando para angariar recursos, por meio de editais, patrocínios ou premiações, e assim produzir mais obras voltadas para o público PcD.

“Temos outros projetos com esta temática concorrendo em editais. Pretendemos também publicar uma obra voltada exclusivamente para o público adolescente com temas atuais e relevantes abordando a cultura do capacitismo, a importância da acessibilidade, do protagonismo juvenil, e do público LGBTQIA+”, prevê.
Afrânio Rocha
Coordenador geral da ACB

Adrielly e toda a comunidade PcD agradecem, seguindo atentos aos seus direitos. “Seria bom que mais gente pudesse ler e que toda escola tivesse um espaço de acessibilidade”. Por que ainda não?

Espaço Leitura Acessível da Bece

O acervo é composto por livros em braille e audiolivros em fontes ampliadas disponíveis para consulta local e retirada como empréstimo domiciliar. Dispõe de atendimento a escolas, instituições parceiras e interessados em geral na leitura e escrita em braille, bem como em outras temáticas no campo da acessibilidade.

O espaço conta com equipamentos e mobiliários acessíveis com computadores com leitores de tela e teclado ampliado, “dosvox”, NVDA, lupas, impressoras braille e scanner de conversão de texto em áudio.

Acervo acessível BECE
Legenda: No acervo da Bece, há livros como "Harry Potter", "Marley & Eu" e "Malala" em braille
Foto: Ivy Ariane

Números:

2.729 títulos disponíveis e aproximadamente 3.500 exemplares

Do total de títulos, 350 são infantis e 2.979 adultos

2.647 são em braille

82 são audiolivros

Serviço

Lançamento do livro “Liz e seus amigos: o poder da inclusão”
Quando: nesta sexta-feira (17), às 10h, na Biblioteca Pública Estadual do Ceará (Av. Presidente Castelo Branco, 255 - Centro)
Mais informações do projeto pelo telefone (85) 99628-4619 e nas redes sociais @acb.ngo e @lizeseusamigos

Obs: O agendamento de visita na Bece deve ser feito com antecedência no site da instituição

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