Em Fortaleza, sapatarias artesanais oferecem outras possibilidades de consumo

Borandá, Fridíssima e Criôla são algumas marcas locais que investem no "feito à mão"

Borandá. Título da música de Edu Lobo é convite à caminhada e, justamente por isso, acabou virando o nome da marca criada pela oceanógrafa Olga Moara em parceria com uma amiga de faculdade. O projeto, que começou a ser traçado quando ambas ainda eram estudantes, acabou tomando proporções maiores. Hoje, o caminho é trilhado solo, e Olga desenha e produz, de próprio punho, cada um dos calçados que vai vestir os pés dos clientes.

Entrar na casa-ateliê da criadora é uma experiência que quebra paradigmas desde o início. Antes de pisar no solo onde se fabricam os sapatos é preciso deixar os pés nus. Os calçados de quem visita o espaço têm um cantinho os esperando à porta. "É preciso deixar a rua lá fora", explica Olga.

Mais que um ofício, o fazer artesanal é algo em que Olga acredita como forma de tornar o mundo melhor. Para ela, que se define, hoje, como artesã, o ideal é que houvesse uma sapateira a cada quarteirão, que as pessoas se preocupassem mais com a origem do que consomem e que esse consumo fosse feito de forma cada vez mais local. "A produção artesanal é uma solução no sentido que a massificação das formas de produção acaba gerando impactos ambientais massificados também. A produção artesanal também gera impactos, é claro, mas a natureza é diversa e, se cada pessoa produz um pouquinho, os impactos serão diferentes. Então, teremos mínimos problemas que serão mais fáceis de solucionar".

Atenta ao universo que a palavra "sustentabilidade" abrange, Olga deixa claro que não pode classificar o produto feito por ela dessa forma, mesmo com toda a preocupação ambiental que tem. Isso porque a pequena estrutura da marca não possibilita o rastreio completo do material utilizado. "Tem uma pecinha de metal que vai no meio do sapato e eu não faço a menor ideia de onde é extraído o metal, de quem extraiu o metal, de quem planta o algodão do tecido e se usa agrotóxico ou não no algodão".

O processo criativo que culmina nos sapatos é muito livre e as referências utilizadas são fruto das diferentes experiências que leva consigo. "Eu acho que a gente é muito carregada de informação, não tenho uma fonte única. Sento e começo a desenhar e pensar...". Comumente acontece de os calçados irem se transformando ao longo do processo de feitio. Os solados podem ser compostos de borracha ou de pneu reciclado. No restante da composição, entram tecidos de roupas e bolsas que não serão mais usadas, além de tecidos novos e lona de algodão para dar sustentação à estrutura. Leva, em média, uma semana para confeccionar um par.

Por mês, são produzidos de 10 a 12 e os exemplares podem variar de R$150 a R$250. Adquirir matéria-prima é um desafio. Como a marca é vegana e tem como um dos pilares a preocupação com os impactos ambientais, a artesã precisa tomar cuidado ao escolher os produtos que irão compor os pisantes. Um dos desafios a ultrapassar é que nem sempre é fácil para quem produz em pequenas quantidades achar um bom material base.

Percalços

A dificuldade de encontrar os insumos necessários para produzir sapatos artesanalmente não é exclusiva de Olga. Lígia Nântua, criadora da marca de sapatos Fridíssima, passa por "perrengues", de vez em quando, em busca de tecidos, solados e outros elementos de que necessita para confeccionar as sandálias: "os fornecedores que não são de Fortaleza (geralmente do Sul) atrasam muito as entregas e não vendem em menores quantidades". Além disso, o mercado da sapataria artesanal apresenta outros obstáculos, dentre eles a mão de obra qualificada. "A confecção das sandálias é muito minuciosa e exige delicadeza, tempo e capricho. Os sapateiros em geral estão preparados para um produto mais bruto", conta Lígia, que produz cerca de 100 pares por mês. Nenhuma dessas questões, no entanto, ofusca o gostinho de "missão cumprida" com a finalização de cada peça.

E isso desde a época em que Lígia começou a se aventurar no segmento, ainda na faculdade de design de moda, fazendo à mão calçados para uso próprio. "Meu negócio é 'mão na massa', fazer as sandálias, uma a uma, era como trazer um filho ao mundo. Tinha minha total dedicação e era essa importância que eu queria que fosse reconhecida".

A marca Fridíssima vende os calçados, prioritariamente, pela internet. No entanto, também é possível encontrar algumas peças espalhadas em lojas físicas, até mesmo fora do Estado. Os calçados podem custar entre R$90 e R$180. Para acompanhar a faixa de preço do grande mercado, é preciso correr atrás. "Nem todos os modelos têm uma boa margem de lucro, mas o mercado é competitivo e a gente tem que acompanhar se não quiser ser pisoteado. Então, acabo fazendo uma compensação de valores entre os pares disponíveis para venda", explica Lígia.

O painel de inspirações da criadora é atualizado constantemente. "As referências ainda se misturam muito com meu gosto pessoal. As ideias vêm da arte, da música, das texturas e cores dos lugares por onde viajo, das pessoas que acompanho nas redes sociais".

Tramas para os pés

Bordar calçados artesanais foi ideia que surgiu quando Sabrina Albuquerque começou a conhecer a fundo a técnica do macramê. "Me interessei por sandália quando vi que o macramê ficaria lindo no pé e que não existia sandália nesse estilo por aqui", explica. Os pares compõem a marca "Criôla - feito à mão" e custam entre R$80 e R$160.

A designer trabalha sozinha na criação e no desenvolvimento dos artigos, fazendo todo o macramê que constitui a parte de cima dos calçados. A montagem do solado é terceirizada, executada por um sapateiro. Como Sabrina tem outro trabalho, a produção é, na maior parte, sob encomenda dos clientes.

Tendo como matéria-prima principal o cordão de algodão, a proposta da marca "Criôla - feito à mão" é apresentar, de forma autoral, um produto que foque na sustentabilidade e dialogue com um público alternativo. Segundo Sabrina, as feiras que acontecem em Fortaleza são espaço essencial para que as marcas alcancem esses consumidores. A internet também é forte aliada de quem produz em pequena escala. "O Instagram é gratuito, o Facebook também e existem vários sites com preços mais acessíveis que todo o custo necessário para ter uma loja física. Porém, hoje, existem lojas colaborativas que são superimportantes pra pequenas marcas terem um lugar físico próprio", relata.