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Vereadores no Ceará assumem vagas de deputado sem perder mandato; entenda a regra

Nesta semana, a vereadora de Iguatu Eliane Braz assumiu cadeira na Câmara dos Deputados, após licença de Célio Studart

Escrito por Luana Barros , luana.barros@svm.com.br
Vereadores e Deputados
Legenda: Quatro vereadores estão, atualmente, exercendo cargo como deputados, tanto federal como estadual
Foto: Câmara dos Deputados/Alece

Eleitos para a Câmara Municipal, três vereadores de Fortaleza e uma vereadora de Iguatu estão, no momento, exercendo o mandato como deputado, seja estadual ou federal. 

Na bancada cearense na Câmara dos Deputados, três vereadoras estão no exercício do cargo: Enfermeira Ana Paula (PDT), Priscila Costa (PL) e Eliane Braz (PSD) — esta última, titular na Câmara Municipal de Iguatu, assumiu na última terça-feira (22), no lugar do agora secretário estadual de Proteção Animal, Célio Studart (PSD). 

Já na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), Guilherme Sampaio (PT) assumiu a cadeira durante a licença de dois deputados estaduais, Fernando Santana (PT) — entre março e junho — e, agora, de Júlio César Filho (PT), desde o início de julho. 

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O entendimento que autoriza vereadores a assumirem, enquanto suplentes, cadeiras no Legislativo federal ou estadual é do Supremo Tribunal Federal (STF) em caso julgado em 2017, além de estar condicionado à previsão na Lei Orgânica do Município em que o parlamentar foi eleito e ser obrigatória o afastamento do cargo no Legislativo municipal. 

Exceção à regra constitucional

A Constituição Federal prevê, no artigo 54, que deputados federais e senadores não podem "ser titulares de mais de um cargo ou mandato público eletivo". 

O trecho teria sido usado, em 2015, como justificativa pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (MDB-RJ), para impedir a posse do suplente Átila A. Nunes (PSD-RJ), já que, na época, Nunes era titular de mandato na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. 

"O Eduardo Cunha, com base no artigo 54, negou a possibilidade de assumir, alegando que não podia acumular duas funções de mandatário. Não podia ser vereador e deputado", explica o presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Estado do Ceará (OAB-CE), Fernandes Neto. 

O impedimento foi levado por Átila A. Nunes ao Supremo Tribunal Federal (STF). Por meio de mandato de segurança, o então ministro Ricardo Lewandowski — que estava na presidência do Supremo à época — decidiu que a proibição da Constituição não se aplica àquele que "não é detentor do mandato", visto que o suplente assume "precariamente" a cadeira, limitado ao período de licença do titular. 

"O titular é o dono do mandato, aquele que o detém, mantendo durante toda a legislatura os poderes e prerrogativas inerentes à função exercida", explica Lewandowski na decisão. "O suplente, ao assumir temporariamente o mandato, (...) não passa a ser titular do mandato, haja vista que essa assunção seria precária, durando apenas o tempo necessário para o afastamento daquele que efetivamente o detém".

Os efeitos do artigo 54, portanto, não se aplicam aos suplentes. "A lei não permite a cumulação de mandatos, não permite. O ministro disse que essa exigência não pode ser estendida ao suplente, já ele não tem um segundo mandato, ele tem um exercício temporário de mandato", detalha Fernandes Neto. 

Apesar disso, a decisão do Supremo impõe como um dos condicionantes para a posse "o afastamento concedido pela Câmara Municipal local para que o impetrante possa, na condição de suplente eventual, assumir o mandato". 

"Caso a Lei Orgânica do município permita que o vereador se afaste para assumir outra função pública, no caso de deputado federal ou estadual, ele pode assumir aquele cargo desde que temporariamente. Agora, no caso, para assumir em definitivo, ele tem que renunciar o mandato".
Fernandes Neto
Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-CE
 

Maior protagonismo para os suplentes

Professora de Direito Eleitoral na Universidade Federal do Ceará, Raquel Machado aponta que é "natural da suplência" que um vereador possa — licenciado da câmara municipal — assumir como deputado. Ela destaca que a política está "vivendo um período de muita dinâmica" em que os vereadores passaram a ter "muito protagonismo". 

"Antes, o vereador ficava restrito ao capital político do Município. (...) Demorava para uma pessoa deixar de ser vereador para ser deputado estadual ou federal", diz. "Agora, tem uma amplitude maior, muito possibilitado pela internet. Mesmo não sendo eleito de imediato, são cargos de suplência e, quando uma pessoa que é suplente, está tendo muito protagonismo". 
Raquel Machado
Professora de Direito Eleitoral da UFC

Enfermeira Ana Paula também aponta esse "compromisso" da bancada do PDT Ceará na Câmara dos Deputados de dar maior protagonismo aos suplentes, que "ajudaram com toda força para que o partido tivesse cinco vagas (de deputado federal)", explica. 

Exercendo o mandato desde o início de junho, ela ressalta que chegou ao legislativo federal em um momento crucial para a enfermagem. "A gente estava na iminência de não ter repasse ou da lei não ser aplicada. No meu caso, vim para Brasília para trabalhar em cima desse cumprimento da legislação", ressalta. 

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Presidente do Conselho Regional de Enfermagem do Ceará, ela destaca a importância de estar na capital federal para participar das articulações, tanto no Congresso Nacional como com o Ministério da Saúde, para garantir os repasses federais para a categoria.

Com a possibilidade de voltar a assumir como deputada, a parlamentar admite que "a iminência das eleições municipais" deve fazê-la estar mais presente em Fortaleza, para facilitar as articulações na Capital cearense. 

Conciliar pautas municipais e estaduais

Guilherme Sampaio explica, ao assumir como deputado estadual, que "não há muita mudança em relação ao mandato de vereador", mantendo atribuições como a de fiscalizar o Poder Executivo e legislar. Uma das principais diferenças, continua, é a "base de representação". 

"Como vereador, você interage na cidade. Já como deputado, você interage com o estado todo. Amplia a base de representatividade, começa a ser procurador para tratar de outras questões, (...) de pautas que não são da Prefeitura, como a política de segurança pública. Existe uma ampliação das pautas e da base de representação". 
Guilherme Sampaio
Deputado estadual em exercício

Eleito vereador em 2020, Sampaio já havia assumido cadeira na Alece desde a legislatura anterior. Por ainda ser titular na Câmara Municipal, ele relata que há uma exigência de "atenção e esforço redobrado" para continuar acompanhando pautas municipais e manter uma relação com segmentos da sociedade que estão vinculadas ao Município. 

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Ele cita como exemplo as demandas de servidores municipais, como os professores da rede pública municipal. "Quem me elegeu vereador, precisa continuar contando comigo", diz. "Tem pautas que, como deputado, eu consigo continuar tocando e outras preciso me articular (com quem está no legislativo municipal)". Ele cita, por exemplo, o diálogo permanente que mantém com o vereador Dr. Vicente, também do PT,  e com o presidente da Câmara Municipal de Fortaleza, Gardel Rolim (PDT). 

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