De Aonde É a Inspetor Alberto: qual o histórico do Conselho de Ética da Câmara de Fortaleza nos últimos 10 anos
Diário do Nordeste realizou um levantamento de casos levados ao colegiado e outros que, apesar de não serem transparecidos pela Casa, podem ter sido objeto de representações
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Casos de vereadores acusados de infringir o Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor) ganharam repercussão na última década e foram denunciados no colegiado responsável por examinar as condutas puníveis e propor as penalidades aplicáveis, o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar (Consetica).
Mesmo que se tenha um volume de denúncias — com ao menos quatro casos sendo alvo de representações e alguns deles indo parar na Justiça —, nenhum dos parlamentares foi, de fato, cassado pelo Legislativo municipal no período.
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'Aonde É'
Em maio de 2015, o vereador Antônio Farias de Sousa, conhecido como "Aonde É", renunciou o cargo que ocupava na Câmara de Fortaleza para escapar de um processo de cassação que corria no Consetica. O relatório que sugeria a punição, apresentado em abril daquele ano pelo então vereador Deodato Ramalho, seria votado no Plenário até o fim da primeira quinzena de maio.
Aonde É estava afastado temporariamente desde fevereiro de 2015. O ex-legislador foi preso em flagrante um ano antes, pelo crime de concussão, quando tentava receber o salário de um assessor.
Ele foi acusado pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) por contratar "assessores fantasmas" para o seu gabinete na Câmara Municipal e se apropriar da remuneração. Além disso, os assessores eram empregados como funcionários terceirizados da Câmara. O então vereador passou 41 dias preso.
Em 15 de outubro do mesmo ano, o Ministério Público apresentou denúncia contra o então vereador, o seu chefe de gabinete e outros 12 assessores. Segundo as investigações, cerca de R$ 800 mil teriam sido desviados pelo grupo.
Simultaneamente, o MP deu entrada em ação cível na Justiça Estadual, com pedido de perda do cargo de vereador, dos direitos políticos, a devolução dos valores desviados e pagamento de multa.
Em 2016, ele teve o registro de candidatura à Câmara Municipal de Fortaleza negado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-CE), com base na lei da ficha suja.
Ainda hoje, por força de uma apelação criminal ao processo em primeira instância, Aonde É responde a uma ação na 18ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza por corrupção.
Leonelzinho
Em junho de 2015, outro parlamentar alvo de uma representação no Conselho de Ética, Leonelzinho Alencar, também renunciou ao mandato na CMFor. Na época, ele estava afastado da cadeira por força de uma decisão judicial. O político era investigado pelo MPCE por desvio de recursos públicos.
Num documento lido pelo então presidente da Câmara, Salmito Filho, Leonelzinho afirmou que a decisão seria pessoal e com o intuito de preservar a imagem do Legislativo municipal. "Em respeito a esta honrosa instituição, sinto-me no dever de esclarecer que a minha decisão é estritamente pessoal visando preservar a imagem desta Casa Legislativa", frisou o texto.
A representação que o parlamentar foi alvo tramitou no órgão disciplinar antes da renúncia, em 2013. Naquela ocasião, a Comissão de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Ceará protocolou um pedido de cassação contra Leonelzinho, por corrupção, improbidade administrativa e quebra de decoro parlamentar.
A primeira denúncia citada pela OAB foi em relação a um post de Leonelzinho Alencar no Facebook. Na publicação, o vereador exibiu doações de latas de leite ao Instituto da Primeira Infância (Iprede). Entretanto, a doação não era de iniciativa própria, mas o cumprimento de uma pena determinada pela 6ª Unidade do Juizado Especial Cível e Criminal de Fortaleza.
A Comissão de Ética da OAB também apontou o acúmulo irregular de cargos do vereador, que, paralelo à vaga na Câmara, teria ocupado cargo comissionado no município de São Gonçalo do Amarante.
O pedido de cassação contra Leonel Alencar ainda foi substanciado por uma ação civil de improbidade administrativa encaminhada, neste ano, pelo Ministério Público contra o vereador por favorecimento próprio e de parentes através de recursos públicos municipais.
Entretanto, o colegiado arquivou o pedido da OAB. Foram 30 votos a favor do arquivamento contra 5. Antes dos membros do Conselho apreciarem a representação, a Coordenadoria Jurídica da CMFor havia solicitado o indeferimento da denúncia e sugeriu o arquivamento do processo.
Em 2018, o ex-vereador Leonelzinho Alencar foi condenado a 11 anos de prisão. Ao proferir a sentença, o juiz titular da 18ª Vara Criminal de Fortaleza, Ireylande Prudente Saraiva, entendeu que o ex-vereador cometeu crimes de peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro.
Segundo as investigações, as irregularidades se davam através da contratação de “assessores fantasmas” que praticavam também as “rachadinhas”. O então parlamentar, que está em liberdade, sempre negou a prática criminosa.
Ronivaldo Maia
O último caso efetivamente apreciado pelo Consetica foi o do ex-vereador Ronivaldo Maia, submetido a um processo de cassação, em junho de 2022, por uma acusação de tentativa de feminicídio contra uma mulher com quem teria uma relação extraconjugal, em novembro de 2021.
Pelo crime, ele foi preso em flagrante e solto em fevereiro de 2022. À época, o fato foi enquadrado como tentativa de feminicídio. Em maio de 2023, no entanto, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) determinou que o delito se enquadrava como lesão corporal, pelo qual o então vereador passou a responder. Ele negava que tinha intenção de matar a mulher.
O pleito, protocolado pela alegação de que o parlamentar ter praticado "irregularidades tipificadas como crimes no desempenho do mandato", foi arquivado após votação no Conselho de Ética.
O parecer pelo arquivamento foi apresentado pelo vereador Luciano Girão, relator do processo, que naquele momento disse ser "aconselhável aguardar o foro competente apurar a conduta [do parlamentar]", uma vez que ainda não havia sido dada sentença penal sobre o caso.
O presidente do Conselho, o vereador Danilo Lopes, ressaltou que a prudência se fazia necessária para que a Câmara não cometesse "nenhum tipo de injustiça, entendendo a gravidade do caso". Concordaram com o parecer do relator todos os integrantes homens do Conselho. O voto contrário foi dado pela vereadora Cláudia Gomes, a única mulher que compunha o colegiado.
Com o arquivamento, a bancada do Partido Socialismo e Liberdade (Psol), que havia ingressado com o pedido, alegou ter recebido com "indignação" a notícia e disse que iria recorrer contra a decisão.
Em junho de 2022, Ronivaldo Maia foi expulso do Partido dos Trabalhadores (PT), no qual militava durante o episódio. A medida foi tomada depois dele responder a um processo disciplinar interno.
O vereador seguiu no mandato até o fim do ano passado, quando encerrou a legislatura. Candidato na eleição municipal por outra agremiação, o Partido Social Democrático (PSD), ele não foi reeleito.
Enfermeira Ana Paula
No início de fevereiro do ano passado, na abertura dos trabalhos legislativos, outro fato movimentou a Câmara Municipal de Fortaleza, uma agressão da então vereadora Enfermeira Ana Paula contra a colega de plenário Cláudia Gomes e o suplente de vereador Júnior Aquino.
A sessão que marcou o início do ano legislativo foi interrompida no momento em que o então prefeito José Sarto (PDT) fazia sua fala. Ana Paula se aproximou da tribuna, houve um tumulto quando o ex-presidente da Câmara, Gardel Rolim, interviu e, no meio da confusão, a parlamentar agrediu a outra vereadora com um tapa seguido de um empurrão.
A vereadora Cláudia Gomes, após o fato, disse ter ficado abalada com o ocorrido. A vereadora Enfermeira Ana Paula se defendeu das acusações de agressão. Segundo ela, Gomes teria a empurrado primeiro e ela teria revidado. As imagens gravadas pela reportagem no momento não mostraram a agressão anterior de Gomes.
Ana Paula também foi acusada de ter agredido o suplente Júnior Aquino, no hall externo ao plenário. Imagens registraram a vereadora dando tapas no rosto do político, que acompanhava a solenidade. O celular dele ficou destruído depois da situação. Ao comentar o fato, Ana Paula contou que ele teria filmado suas roupas íntimas quando num momento em que caiu no chão da área.
Na época, a vereadora Cláudia Gomes, que presidia o Conselho de Ética, afirmou que iria ingressar com uma representação contra a colega pelo episódio. Não houve registros — nem mesmo no sistema de tramitação de processos da Câmara — sobre o andamento de tal procedimento, nem se ele passou pelo crivo dos membros do órgão.
No entanto, o assunto das agressões de Ana Paula foi incluído nas pautas de reuniões da Mesa Diretora e do Colégio de Líderes. Mas, segundo revelaram parlamentares que estiveram nos dois encontros, ouvidos pela reportagem naquele período, nenhum encaminhamento foi dado.
Nessa segunda-feira (7), a Enfermeira Ana Paula, ao ser questionada sobre possíveis esclarecimentos prestados por ela à Casa por conta do ocorrido, respondeu, por meio de sua assessoria, que "não houve abertura ou chamada no Conselho de Ética". "Conforme evidenciado nas imagens e relatos da época, fui a vítima na situação", sinalizou.
Casos atuais
Na última terça-feira (1º), o Consetica da CMFor se reuniu para a eleição dos partidários que irão presidir o colegiado ao longo deste mandato. Foram escolhidos como presidente e vice-presidente, respectivamente, o vereador Professor Enilson (Cidadania) e o vereador Luciano Girão (PDT). Em entrevista, Enilson indicou que, após tomar ciência das pautas do Conselho de Ética, irá montar ainda um cronograma para os legisladores apreciarem os assuntos.
A composição do Consetica foi designada pela Presidência da CMFor no início de fevereiro. Fazem parte dele sete membros titulares e dois suplentes. Além de Enilson e Girão, são titulares os parlamentares Julierme Sena (PL), Carla Ibiapina (DC), René Pessoa (União), Tia Francisca (PSD) e Ana Aracapé (Avante). Aglaylson (PT) e Pedro Matos (Avante) são suplentes.
Ao que informou o presidente do Consetica, ele irá fazer uma consulta à Procuradoria da Câmara Municipal para se inteirar dos trâmites legais relacionados com processos apresentados na última legislatura. “Através do procurador, nós vamos ver a questão legal, jurídica, se existe a possibilidade de discutirmos a legislatura passada ou somente novas pautas desta legislatura”, indicou o parlamentar do Cidadania.
Indagada sobre outras representações que estão aptas a serem submetidas ao crivo do Consetica, a Coordenadoria de Comunicação da Câmara Municipal declarou que só deve divulgar posteriormente a relação de processos, pois ainda necessitam ser analisados pelo novo Conselho.
Numa nota, a equipe de comunicação da Casa explicou o caminho percorrido por uma representação do tipo. De acordo com o comunicado, um procedimento para encaminhamento de supostas infrações disciplinares por parlamentares pode ser instaurado por partido político com assento na CMFor, pela Mesa Diretora ou por qualquer vereador.
O Parlamento municipal detalhou que outras pessoas também podem apresentar representações. "Cidadãos e entidades da sociedade civil podem apresentar denúncias, desde que sejam fundamentadas e estejam acompanhadas de provas que justifiquem a abertura do processo", acrescentou o texto.
O regramento da Câmara de Fortaleza estabelece que, depois da protocolização, há uma análise preliminar e, caso haja admissibilidade, é feito o processamento no Conselho de Ética. A nota reforçou que, no colegiado, são realizadas as apurações, "garantindo o direito à ampla defesa e ao contraditório ao representado".
O PontoPoder acionou novamente o vereador Professor Enilson, para buscar informações do presidente do Consetica sobre os processos que devem entrar na pauta do colegiado. Não houve resposta para as sucessivas tentativas de contato. O espaço segue aberto para eventuais manifestações.
Inspetor Alberto
Embora não tenham sido mencionadas pela Câmara ao ser contatada pelo reportagem, ao menos duas representações foram ingressadas no Conselho de Ética e se tornaram públicas no fim da legislatura passada. Elas pedem a cassação do vereador Inspetor Alberto (PL). Na época, no fim de outubro de 2024, a Casa Legislativa foi demandada por conta de uma acusação contra o político por maus-tratos a um porco.
À época da denúncia, o liberal gravou um vídeo puxando um porco pelas orelhas e fazendo movimentos bruscos enquanto afirmava que o animal iria para a panela. A gravação foi uma provocação dele ao então oponente do seu partido na corrida eleitoral pela Prefeitura de Fortaleza, Evandro Leitão (PT), por conta do sobrenome do petista.
Uma das representações foi assinada pelos vereadores Gabriel Biologia (Psol), Adriana Gerônimo (Psol), Adriana Almeida (PT), 42 entidades da sociedade civil e pelos deputados estaduais Renato Roseno (Psol), Larissa Gaspar (PT), Agenor Neto (MDB), Marta Brandão (Cidadania), Jô Farias (PT) e De Assis Diniz (PT). Além deles, o deputado federal Célio Studart (PSD) protocolou uma representação individualmente.
Procurada, a defesa do Inspetor Alberto informou que ele “ainda não foi notificado oficialmente sobre a abertura ou existência de procedimento instaurado pelo Conselho de Ética na Câmara” e declarou que o político, ao ser ouvido pelas autoridades policiais, reforçou sua "ausência de intenção de maus-tratos" ao bicho.
Na esfera judicial, em decorrência da situação com o porco, Alberto responde a um indiciamento por maus-tratos a animal e injúria eleitoral, apontado num inquérito da Polícia Civil que foi remetido ao Poder Judiciário.
Luiz Paupina
Um episódio ocorrido no início do ano pode parar no Conselho, desta vez envolvendo o vereador Luiz Paupina, por ter sido detido por porte ilegal de arma de fogo, na madrugada do dia 11 de janeiro, no bairro Coaçu, em Fortaleza. A situação pode ser enquadrada pelo cometimento de crime no exercício do mandato, previsto no artigo 5º. do Código de Ética e Decoro Parlamentar.
Na época da ocorrência, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS-CE) detalhou o caso. Foi encontrada com Paupina uma pistola Taurus 838C, calibre .380, carregada com 15 munições, além de dois carregadores adicionais com 15 munições cada, totalizando 45 munições intactas, além de um porta-carregador.
Conduzido pela Polícia Militar ao 34º Distrito Policial, foi conformado pela autoridade o entendimento de porte ilegal de arma de fogo, determinando o pagamento de fiança pelo político, que foi solto em seguida. Um inquérito foi instaurado pela Polícia Civil.
O parlamentar utilizou as redes sociais para se defender da denúncia, afirmando que seria atirador esportivo autorizado e que teria uma guia de transporte da arma encontrada pela guarnição.
O PontoPoder procurou a equipe de Luiz Paupina para que pudesse se manifestar sobre a investigação policial e que discorresse se houve algum tipo de explicação sobre a investigação policial à instância competente da Câmara Municipal de Fortaleza. Não houve retorno até a publicação desta matéria.
Contatada, a Polícia Civil confirmou, nesta terça-feira (8), a abertura do inquérito que, segundo a força de segurança, investigou "porte ilegal de arma de fogo" pelo vereador. "Com a conclusão do inquérito, o suspeito foi indiciado e colocado à disposição da Justiça", completou.
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