Legislativo Judiciário Executivo

Com fuga de eleitos e lideranças, PDT busca estratégias para resistir à cláusula de barreira em 2026

Para driblar a cláusula, membros do partido não descartam a possibilidade de uma federação ou até uma fusão

Escrito por
Beatriz Matos, de Brasília producaodiario@svm.com.br
(Atualizado às 11:53)
Carlos Lupi, presidente do PDT
Legenda: PDT Nacional é liderado pelo ex-ministro da Previdência, Carlos Lupi
Foto: Fabiane de Paula

O PDT corre contra o tempo para superar a cláusula de barreira nas eleições de 2026 e manter acesso aos recursos do fundo partidário e tempo de propaganda eleitoral. A legenda, que enfrenta um͏ processo de enfraquecimento, especialmente ͏no Ceará, tenta reorganizar as estratégias enquanto avalia possíveis federações com outras siglas.

A͏ cláusula de barreira é uma regra prevista na ͏͏ legislação eleitoral que limita o acesso dos partidos políticos a recursos públicos como͏ o fundo partidário e o tempo de propaganda gratuita no rádio e na TV se ͏eles não atingem um desempenho mínimo nas eleições. 

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Para 2026, os partidos precisarão eleger ao menos 11 deputados federais distribuídos em no mínimo 9 estados, ou obter 2% dos votos válidos nacionais para a Câmara, com votos em pelo menos 13 estados, sendo no mínimo 1% em cada um. 

As exigências da cláusula colocam o partido em uma situação de alerta devido ao histórico da legenda. Mesmo que ainda mantenha uma bancada razoável, com 17 deputados, o partido já perdeu 11 cadeiras entre 2018 e 20͏22. Com base nos dados do TSE, em 2006 foram eleitos 24 deputados; já em 2010, o partido perdeu 4 cadeiras, elegendo apenas 20.

A queda não sessou no ano seguinte da eleição, em 2014 foram eleitos 19. Após uma sucessão de perdas, o partido só ganhou fôlego em 2018, com 28 eleitos. No entanto, o respiro não perdurou até o ano de 2022, quando o PDT só conseguiu eleger 17 deputados federais, ficando na oitava posição entre os partidos com mais lugares na Câmara dos Deputados. 

A cientista política Graziella Testa, professora da FGV Brasília, explica que a cláusula — também chamada de cláusula de desempenho — tem o objetivo de reduzir a fragmentação partidária sem comprometer a representatividade.

“Os partidos que não atingirem o desempenho mínimo deixam de receber os recursos mais relevantes do fundo partidário e do fundo eleitoral”, explica. Ainda segundo a especialista, a tendência é que legendas sem base ideológica sólida desapareçam ou busquem sobreviver por meio de federações.

A especialista lembra que o fim das coligações proporcionais, somado à cláusula, alterou drasticamente a dinâmica eleitoral. “Hoje, cada partido é uma lista. Em 2022, o número de partidos disputando aumentou e mais de 25% das cadeiras foram definidas pelas sobras”, afirma Graziella.

A ascensão e a queda do PDT em uma década

Em 2015, quando os irmãos Ferreira Gomes entraram no PDT, a influência política que eles já tinham no Ceará fortaleceu muito o partido no estado. Essa força permitiu que o PDT construísse alianças com vários outros partidos, formando um bloco político muito amplo. 

"O PDT há muito é um partido organizado no Ceará, sempre trazendo deputados federais a Brasília. Mas, realmente o que deu o boom de crescimento foi a vinda do grupo de Ciro Gomes", afirmou o líder do partido na Câmara, deputado Mário Heringer (MG).

Esse fortalecimento permitiu ao PDT integrar um bloco com 16 partidos nas eleições de 2018 e disputar a Presidência da República com Ciro Gomes, que alcançou mais de 13 milhões de votos naquele ano. O desempenho consolidou o partido como um ator relevante e ganhando capilaridade não só no Ceará, mas também, no cenário nacional. 

O crescimento do PDT é visível ao comparar sua bancada na Câmara Federal ao longo das últimas legislaturas. Em 2014, o partido elegeu quatro deputados federais pelo Ceará; em 2018, saltou para oito parlamentares — um crescimento expressivo.

Nacionalmente, o número de deputados também aumentou: de 27 eleitos em 2014 para 21 em 2018. No entanto, em 2022, o PDT perdeu espaço e foi ao patamar de cinco cadeiras no Estado, sinalizando um desgaste interno e refletindo os desdobramentos da crise política enfrentada pela legenda.

Essa crise se agravou em 2022, quando a escolha do candidato ao Governo do Estado rachou o grupo político dos Ferreira Gomes. O nome defendido por Ciro, o do ex-prefeito de Fortaleza Roberto Cláudio, enfrentou resistência e provocou o rompimento com o PT, aliado histórico.

O resultado foi uma derrota inédita para o grupo pedetista no Ceará, onde Ciro também teve seu pior desempenho em eleições presidenciais no Estado que sempre foi seu reduto. A partir dali, o PDT começou a assistir à saída de prefeitos, deputados estaduais e lideranças históricas, inclusive a do próprio irmão de Ciro, o senador Cid Gomes. 

Com o racha dos irmãos, deu-se início a um processo de desfiliação em massa no PDT, onde 43 prefeitos saíram do partido. A legenda, que havia eleito 66 prefeitos em 2020, viu seu domínio se esvaziar rapidamente e chegou a 2024 com apenas cinco prefeituras.

O impacto se estende para além das eleições municipais: a perda de capital político no maior reduto eleitoral do partido compromete diretamente os planos da sigla para 2026, afetando tempo de TV, acesso ao Fundo Partidário e capacidade de articulação nacional.

A fé em uma federação para 2026

Para garantir o futuro do partido e cumprir com as exigências da cláusula de barreira, membros do partido já avaliam a possível federação. O deputado federal André Figueiredo, mesmo confiante na capacidade de o partido sobreviver, não descarta a possibilidade de formar uma federação com outras legendas como PSB, Solidariedade ou Cidadania, no entanto, essa possibilidade deve ser definida até outubro. 

O parlamentar também destacou que o PDT mantém quadros históricos e tem como meta eleger ao menos dois ou três deputados federais no estado em 2026, contribuindo para o cumprimento da cláusula de barreira.

Ele admitiu ainda o enfraquecimento da legenda no Ceará: “Perdemos força no Ceará? Perdemos. Isso é claro”, afirmou. Mas ele não relaciona esse enfraquecimento com o rompimento entre os irmãos.

Quando questionado sobre o rompimento dos irmãos ter tido parcela de culpa no enfraquecimento do partido, o deputado afirmou que a briga entre os irmãos Gomes, por si só, não foi o principal problema. Segundo ele, o maior prejuízo ao PDT veio do desgaste em torno da candidatura majoritária de 2022. 

“O que nós tivemos foi uma discussão. O PDT tinha a compreensão de que poderia indicar o candidato a governador, e que não necessariamente precisava ter, digamos assim, a indicação precípua”, afirmou. 

Apesar do deputado federal André Figueiredo minimizar a influência da rixa entre os irmãos Ferreira Gomes no enfraquecimento do PDT, foi justamente em 2022 — ano em que essa disputa se intensificou — que o partido enfrentou sua maior crise interna e desencadeou a série de perdas.

Curiosamente, Figueiredo reconhece que o PDT nunca foi um partido grande no Ceará e que seus momentos de maior força estiveram justamente vinculados à presença dos irmãos na legenda, o que reforça a ideia de que a disputa entre Cid e Ciro teve impacto direto no desempenho do partido.

Sem a união dos irmãos e com outros partidos que correm os mesmos riscos, legendas como o Cidadania e o PSB passaram a enxergar no PDT um possível parceiro estratégico para 2026. 

O presidente do Cidadania no Ceará, Alexandre Pereira, defende a formação de uma federação com o PDT, mas também revelou que as conversas com o PSB estão “muito avançadas” para uma possível aliança entre as legendas.

Já o PSB também demonstra otimismo: o prefeito do Recife e presidente nacional do partido, João Campos, afirmou publicamente que enxerga com “esperança” a construção de uma federação com o PDT, como forma de fortalecer o campo da centro-esquerda no Congresso.

O reflexo do Ceará nos planos nacionais

O líder do PDT na Câmara, deputado Mário Heringer (MG), reconhece que o partido tem perdido espaço no Ceará, principalmente para o PT, mas atrela o enfraquecimento aos problemas da aliança com o ex-governador Camilo Santana.

Apesar das movimentações, ele informou que o partido está atento ao movimento de troca de legendas antes da janela partidária e avalia estratégias para cumprir a cláusula de barreira nas eleições de 2026. A possibilidade de formar uma federação com outras siglas não está descartada.

“Essa é uma preocupação de todos os partidos. Estamos focados nos movimentos pré-migratórios dos deputados, tanto os que devem sair quanto os que podem chegar”, disse o político.

Segundo ele, o PDT vai aguardar uma análise sobre o cumprimento da cláusula de desempenho.Caso haja risco de não atingi-la, a legenda pode considerar uma federação ou até uma fusão. O prazo limite para essa articulação é entre outubro e novembro.

Sobre o futuro de principal nome do partido, Ciro Gomes, o deputado disse não ver sinalizações de saída. “Até onde sei, Ciro continua conosco. Tenho estado com ele ultimamente e não vi nenhuma manifestação nesse sentido. Torço para que permaneça. Mas tudo pode acontecer”, declarou. Para o líder pedetista, as articulações do partido no Congresso dependem de diversos fatores e não estão centradas em apenas um nome.

Possível saída de Ciro Gomes

Apesar das declarações de Mário Heringer, a saída de Ciro Gomes do PDT para o PSDB tem sido cada vez mais tratada como uma possibilidade concreta nos bastidores políticos.

Recentemente, Roberto Cláudio, ex-prefeito de Fortaleza e aliado histórico de Ciro, oficializou sua desfiliação do partido, motivado por “circunstâncias complexas”, segundo ele, na política local. 

Roberto Cláudio tem articulado sua filiação ao União Brasil, marcando o início de nova debandada do grupo político ligado a Ciro dentro do PDT no Ceará. Embora Ciro ainda não tenha anunciado oficialmente sua saída, a aproximação com legendas da oposição ao PT, como o PSDB, e o distanciamento do grupo pedetista no Estado indicam um reposicionamento estratégico. 

Isso pode resultar não só no enfraquecimento do partido em seu maior reduto eleitoral, como também representar um desafio para sua sobrevivência e relevância política nas eleições nacionais de 2026.

Ciro Gomes
Legenda: Permanência de Ciro Gomes é uma dúvida entre os partidários

Mesmo com os discursos positivos, os dados expressam o encolhimento da legenda de forma consistente nas últimas eleições. Atualmente, o PDT conta com cinco deputados federais eleitos pelo Ceará: André Figueiredo, Mauro Benevides Filho, Robério Monteiro, Eduardo Bismarck (licenciado) e Idilvan Alencar (licenciado)— sendo os dois últimos licenciados. 

Desde o início deste ano, o deputado André Figueiredo já havia se posicionado sobre as movimentações internas e afirmou que a saída de parlamentares era algo esperado. Mesmo com a debandada de 12 deputados estaduais — entre titulares e suplentes —, ele avalia que o partido “não está minguando”. 

O PontoPoder procurou os deputados Leônidas Cristino e Mauro Benevides Filho para confirmar se pretendem permanecer no partido ou apoiar uma eventual federação, mas não obteve retorno e o espaço segue aberto.

Riscos para o futuro

A cientista política e especialista em Legislativo Letícia Mendes, reforça a trajetória histórica do PDT e o racha interno que enfraqueceu sua atuação na região. Ela ressalta que, sem um reposicionamento e recomposição da bancada para 2026, o partido corre o risco de perder espaço no Congresso Nacional.

“A bancada cearense tem tradição e já contou com líderes de destaque, como Eunício Oliveira, que desempenhou papel relevante nas articulações nacionais. Contudo, o fortalecimento de outras legendas e a polarização política, com o crescimento de figuras como André Fernandes e o protagonismo de partidos como MDB e PP, têm dificultado a recuperação do PDT,” explica Letícia.

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Ela também chama atenção para as recentes mudanças no cenário partidário, como a formação da federação entre PP e União Brasil, que representam novas coalizões capazes de reduzir ainda mais o espaço do PDT no estado. Além disso, o PSDB, partido com histórico forte no Ceará, também tem enfrentado perdas e tenta se reestruturar para não ser “enxugado” no cenário local.

Por fim, Letícia enfatiza que o resultado das alianças e apoios políticos em 2026, especialmente em meio à polarização entre PDT, PT e PL, será fundamental para definir o futuro do PDT e sua capacidade de manter cadeiras no Congresso Nacional.

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