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Qual histórico da aliança PT e PDT no Ceará e como especialistas avaliam o cenário de racha em 2022

A menos de três meses das eleições, analistas avaliam que o racha provocará um rearranjo de forças no Estado e deve favorecer a oposição

Escrito por Igor Cavalcante , igor.cavalcante@svm.com.br
Luizianne Lins, os irmãos Ciro e Cid Gomes, Eunício Oliveira em apoio a campanha presidencial de Dilma em 2010, quando eram todos aliados políticos
Legenda: Luizianne Lins, os irmãos Ciro e Cid Gomes, Eunício Oliveira em apoio a campanha presidencial de Dilma em 2010, quando eram todos aliados políticos
Foto: Kid Jr

Iniciada há 16 anos, a aliança entre o PT e o grupo liderado pelos irmãos Ciro e Cid Gomes (PDT) no Ceará chegou ao seu momento mais crítico nesta semana. A parceria entre petistas e a família Ferreira Gomes teve, inclusive, o rompimento atestado por lideranças do PT Ceará na terça-feira (19).

A menos de três meses das eleições, analistas políticos avaliam que o racha provocará um rearranjo de forças no Estado e deve favorecer a oposição, liderada pelo deputado federal e pré-candidato a governador Capitão Wagner (União Brasil).

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O marco inicial da aliança entre petistas e os irmãos Ferreira Gomes, à época no PSB, ocorreu no pleito de 2006, com a eleição de Cid Gomes como governador do Ceará. A partir daí, constrói-se no Ceará uma das lideranças mais longevas de um mesmo grupo político.

“Em 2006, você tem o encerramento da hegemonia tucana que vinha controlando o Ceará desde 1990. Encerra-se ali com a vitória de Cid Gomes, do PSB, então faz mais sentido pensar nessa aliança entre PT e Ferreira Gomes, dissociada inicialmente do PDT, e depois entender como se constituem essas duas forças políticas”
Jonael Pontes
Sociólogo

“Você tem ali um período de renovação em que a própria esquerda avança dentro do campo político nacional com a primeira eleição de Lula (PT), isso refletiu também no cenário estadual com a vitória do Cid Gomes”, acrescenta.

Era Ferreira Gomes

Além de ser reeleito quatro anos depois, Cid conseguiu emplacar o seu ex-secretário das Cidades, Camilo Santana (PT), como governador em 2014. O petista ainda se reelegeu em 2018, deixando o cargo em abril deste ano para a vice-governadora, a pedetista Izolda Cela, para disputar vaga no Senado Federal.

Camilo foi eleito pela primeira vez em 2014 com uma ampla base. Ele teve o apoio de Cid, Ciro e do então prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio
Legenda: Camilo foi eleito pela primeira vez em 2014 com uma ampla base. Ele teve o apoio de Cid, Ciro e do então prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio
Foto: Fabiane de Paula

A mudança no comando do Governo do Ceará foi um dos elementos que acirrou os ânimos entre petistas e pedetistas. O impasse surgiu porque o PDT lançou quatro pré-candidatos ao Governo do Ceará, mas a disputa ficou polarizada entre a governadora Izolda Cela e o ex-prefeito de Fortaleza Roberto Cláudio. Além deles, a sigla lançou o deputado federal Mauro Filho e o presidente da Assembleia Legislativa do Ceará, Evandro Leitão.

A cúpula do PDT fez indicativos de apoio a Roberto, enquanto petistas, sob aval de Camilo Santana, passaram a defender o nome de Izolda. Na última segunda-feira (18), a executiva do PDT Ceará votou pela indicação do ex-prefeito como candidato governista, o que foi interpretado pelo PT Ceará como uma sinalização de rompimento “tácito” e “unilateral” da aliança.

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Para reforçar o distanciamento entre petistas e pedetistas, Camilo Santana reuniu integrantes de seis partidos na última terça-feira (19) para avaliar a possibilidade de lançar uma candidatura própria desse grupo em oposição ao candidato oposicionista Capitão Wagner e ao governista Roberto Cláudio.

Início da aliança

Conforme ressaltou Jonael Pontes, em 2006, a conjuntura política nacional favorecia o avanço do campo progressista. No Ceará não foi diferente. A então prefeita de Fortaleza Luizianne Lins despontava como uma liderança política influente após vencer a eleição de 2004.

Paralelamente, outra figura em ascensão no Estado era Cid Gomes, ainda sob a sombra do irmão mais conhecido, Ciro Gomes. Cid tinha no currículo dois mandatos como prefeito de Sobral e passagem pelo Legislativo estadual, onde comandou a Assembleia Legislativa aos 32 anos, sendo o mais jovem a ocupar o cargo. 

A aliança entre os dois durou aproximadamente 6 anos, entre 2006 e 2012
Legenda: A aliança entre os dois durou aproximadamente 6 anos, entre 2006 e 2012
Foto: Marília Camelo

Diante do alinhamento ideológico de Cid e Luizianne, em 2006, a prefeita passa a apoiar Cid na disputa pelo Governo do Ceará contra Lúcio Alcântara (PSDB). O tucano termina derrotado, e Cid é eleito em um pleito que marca a aliança entre PT e o grupo Ferreira Gomes. Em 2008, é a vez de Cid apoiar a reeleição da prefeita em uma parceria que se mostra novamente vencedora. 

Para a cientista política e professora da Universidade Estadual do Ceará, Monalisa Torres, na eleição de 2010, a aliança dá o sinal mais claro de consolidação com a aproximação de Cid com os petistas em meio a sua campanha para a reeleição. 

“A aliança se consolida de fato com a derrota de Tasso Jereissati para o Senado. Naquele momento, fica claro o esforço (de Cid) em alinhar-se ao Governo Federal. Antes disso, já havia um esforço para montar uma coalizão partidária, uma frente progressista com aliados de outros espectros, mas a consolidação se dá quando Ciro e Cid rifam um aliado histórico, o Tasso, em função de uma dobradinha para o Senado entre Eunício Oliveira, do MDB, e José Pimentel, do PT”
Monalisa Torres
Cientista política

“Esse alinhamento é um dos principais motivos para o fortalecimento desse grupo, porque eles fizeram uma rede de aliados para cima, com o Governo Federal, e para baixo, com prefeitos”, diz a professora.

Primeiro rompimento

Após seis anos caminhando juntos, Luizianne e Cid rompem para a eleição de 2012. À época, a prefeita lançou como sucessor o secretário de Educação, Elmano de Freitas, já o governador apoia a candidatura do então deputado estadual e presidente da Assembleia Legislativa, Roberto Cláudio, que sai vencedor da disputa.

A partir dali, ao menos na Capital, petistas e o grupo liderado por Cid Gomes passam a trocar críticas e, a cada eleição, tomam lados opostos. 

“Essa aliança sempre foi tensa, com uma série de conflitos entre nomes do PT e dos Ferreira Gomes. Vimos isso em várias eleições, então, quando falamos em rompimento, não podemos pensar só no agora, mas em um rompimento que foi construído ao longo do tempo”
Cleyton Monte
Cientista político

Tanto em 2016 quanto em 2020, a ex-prefeita Luizianne Lins enfrenta nomes lançados pelo pelo grupo Ferreira Gomes. Nas duas ocasiões a petista nem sequer conseguiu chegar ao segundo turno, sendo derrotada por Roberto Cláudio e por José Sarto (PDT).

Aliança estadual

Já a nível estadual, a aliança permanecia intacta, sob a liderança do então governador Camilo Santana, eleito em 2014 e reeleito em 2018, sempre sob aval de Cid Gomes. Para Monalisa Torres, a forma como a relação entre os dois políticos se construiu não dava indícios de que um rompimento poderia ocorrer neste ano.

“Era difícil imaginar porque Cid integrou o Governo Dilma (PT). No impeachment, Ciro sai em defesa dela. Antes de 2014, Ciro sai do PSB e vai para o Pros porque, naquele momento, um dos principais quadros do PSB, Eduardo Campos, rompe com o PT. Ou seja, ele muda de legenda para continuar aliado”, relembra a professora. 

Cid fez campanha por Dilma
Legenda: Cid fez campanha por Dilma
Foto: Roberto Stuckert

Para o cientista político Josênio Parente, os primeiros elementos que vão resultar no rompimento começam a surgir na eleição de 2018. 

“Desde 2018, esse desejo do Ciro de ser presidente fica ainda mais aflorado. Ele entende que, na última eleição, isso não se deu porque o PT escolheu como candidato Fernando Haddad, isso foi um arranhão muito forte. Na realidade, a eleição de 2018 criou em Ciro a perspectiva de que ele tinha chance, com Lula preso e todo o potencial que ele mostrou naquela época”, aponta.

Essa análise é reforçada por Monalisa Torres. “Esse rompimento começa em 2018, com a possibilidade de indicação do PT e o desgaste que o partido vivia na época. Em 2018, o partido teve uma estratégia arriscada, mas que deu sobrevida, que foi manter o Lula como candidato, mesmo ele estando preso, e Haddad entrando na reta final. No caso do Ciro, quando ele percebe que não teria apoio mesmo diante do desgaste do PT, com quem foi fiel, ele sentiu uma espécie de puxada de tapete”
Monalisa Torres
Cientista política

Com PT e PDT em lados opostos em Fortaleza desde 2012, a relação entre as duas siglas passa, em 2018, por uma “virada de chave” sob o comando de Ciro a nível nacional. O pedetista torna Lula um de seus principais alvos, com ataques constantes ao ex-presidente e à sigla.

“Essa estratégia do Ciro é uma aposta alta, uma avaliação de que ele pode navegar sozinho e assim vencer, mas ele subestimou o potencial de Lula. Agora, chegou um momento em que ficou difícil não romper”, aponta Josênio Parente.

Rompimento estadual

Nesta semana, a aliança que já havia sido extinta em Fortaleza e acumulou uma longa lista de ataques nacionalmente passa por uma turbulência que pode ser definitiva no Ceará em direção ao rompimento. Desde abril, quando Izolda Cela tomou posse como governadora e o nome dela passou a ganhar força, pedetistas mais próximos a Ciro Gomes – inclusive o próprio ex-ministro – passaram a engrossar o tom diante das ameaças do PT de romper a aliança caso o nome escolhido pela sigla não fosse o da mandatária. 

Em junho, durante evento do PDT em Fortaleza, Ciro ironizou sobre a possibilidade de rompimento. “Que seja muito feliz”, desejou ao deputado federal José Guimarães, vice-presidente do PT e um dos principais articuladores no Estado.

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Na última terça-feira (19), menos de 24 horas após o diretório local do PDT escolher Roberto Cláudio como candidato, o PT Ceará lançou nota alegando que o PDT “fez a opção de decidir de forma unilateral. Não houve oportunidade para o diálogo e essa decisão deles representa, tácito e unilateralmente, um impedimento da aliança, um final da aliança”.

"O PDT se fechou em copas. Tratou todas as tentativas de diálogo prévio à sua escolha como intromissão indevida. Ignorou inclusive as manifestações públicas de preferência de partidos aliados, lideranças, inclusive do ex-governador Camilo Santana pelo nome de sua filiada e atual governadora Izolda Cela", diz nota do diretório.

Com o rompimento anunciado pelo diretório, o PT agora articula o lançamento de uma chapa própria para bater de frente com Capitão Wagner e Roberto Cláudio. Conforme Guimarães, a composição terá um petista como cabeça de chapa e um nome de algum partido aliado como vice.

Camilo Santana reuniu lideranças de seis partidos políticos
Legenda: Camilo Santana reuniu lideranças de seis partidos políticos
Foto: Divulgação

Rompimento

Conforme Monalisa Torres, o fim da aliança terá impactos positivos e negativos para ambos os grupos.

“A primeira consequência são palanques mais fiéis às candidaturas nacionais. Aquela história do Camilo estar uma hora com o PT e outra com o PDT deu certo em outros momento, agora o cenário é outro, as pesquisas indicam que Ciro está perdendo até aqui no Ceará, isso simbolicamente é muito ruim. Ele também tem construído uma ideia antipetista, então fica complicado dividir palanque com Lula no próprio Estado”
Monalisa Torres
Cientista política

Por outro lado, os cientistas políticos são unânimes em apontar que o principal nome da oposição, Capitão Wagner, pode sair fortalecido da fragmentação governista. 

“Ele está viajando, com o carro na rua há muito tempo, tem recall, o voto nele é consolidado, então ele tem uma possibilidade clara de se tornar mais competitivo. O atual ciclo político dá sinais de esgotamento com essa fragmentação, diante disso, optar por romper uma aliança de anos é problemático. Do ponto de vista da racionalidade política, pode ter sido um tiro no pé para o PDT”, avalia Monalisa Torres.

“O rompimento cria um componente de imprevisibilidade muito forte numa competição que já está maior do que se previa. Chegamos a um nível de estremecimento nas relações entre PT e PDT que até Camilo, que não tem perfil de ataque, é mais conciliador, se envolveu. Não tem como prever o resultado porque mesmo os bombeiros que agiam para apaziguar, não existem mais”
Cleyton Monte
Cientista político

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