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CGU indica risco de uso 'aleatório' de R$ 24,5 milhões em recursos para obras do Dnocs no Ceará

Auditorias apontam que licitações para serviços de pavimentação e passagens molhadas foram feitas sem critérios técnicos, como estudos de necessidades de contratação

Escrito por
Marcos Moreira marcos.moreira@svm.com.br
Açude Paulo Sarasate, conhecido como Araras, em Varjota-CE
Legenda: Açude Paulo Sarasate, conhecido como Araras, em Varjota-CE
Foto: Divulgação/Dnocs

A Controladoria-Geral da União (CGU) apontou o risco de uso “aleatório” e “sem atender a nenhum critério técnico” de recursos públicos voltados para obras do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), após realizar auditorias de duas licitações abertas pelo órgão para serviços em nove estados, incluindo o Ceará, onde o montante ultrapassa a marca de R$ 24,5 milhões. As análises são de dezembro de 2024, mas só foram tornadas públicas em 16 de abril deste ano.

Os dois processos de contratação foram abertos em setembro do ano passado e preveem investimentos em municípios cearenses e de outros estados que abrangem a área de atuação do Dnocs: Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. 

R$ 310 milhões
Montante total previsto para todos os estados contemplados nas duas licitações

Os recursos são voltados para a construção de “passagens molhadas” – passarelas para viabilizar o trânsito de estradas que são atravessadas por pequenos rios – e a recuperação de vias rurais não pavimentadas. No Ceará, o montante de mais de R$ 24,5 milhões é dividido da seguinte forma:

  • Serviços de revestimento primário (encascalhamento de estradas vicinais) = R$ 11.402.028,80
  • Serviços de execução de passagens molhadas - 30 unidades x R$ 437.200,62 (preço unitário) = R$ 13.116.018,60

Em retorno aos auditores da CGU, conforme manifestação anexada aos relatórios, o Dnocs explicou que os processos analisados eram destinados a “oferecer uma cesta de serviços e/ou equipamentos para que a bancada federal dos Estados na qual o DNOCS atua possa destinar recursos para as suas bases eleitorais diante de demandas cotidianas”. Ainda segundo os documentos, o Departamento apontou que a estimativa foi baseada nas consultas de parlamentares para aportes de emendas impositivas ou de comissão.

Diante disso, o monitoramento da Controladoria-Geral manifestou preocupação por entender que ficou “evidente” que o quantitativo teria se baseado “apenas no aporte orçamentário advindo de emendas parlamentares”, sem a realização de estudos de necessidades de contratação, previsão da demanda a ser contemplada, dentre outros critérios.

“Não é do melhor interesse público que os recursos da União sejam aplicados de forma aleatória, sem atender a nenhum critério técnico que potencialize os retornos sociais e econômicos dos investimentos realizados”
Análise da equipe de auditoria da CGU

PREVISÃO DE EMENDAS

Em nota ao PontoPoder, o órgão federal de controle explicou que a auditoria tratou da análise prévia de edital visando o registro de preços. Durante os trabalhos, realizados entre setembro e novembro de 2024, o pregão estava em andamento e, consequentemente, não havia contratos firmados. 

“Dessa forma, não se pode afirmar que serão utilizados recursos provenientes de emendas parlamentares. Nessa modalidade, poderão vir a ser firmados contratos, conforme disponibilidade orçamentária futura que poderá ser viabilizada mediante a destinação de emendas parlamentares ou não”
Nota da CGU

Em consulta ao portal de acesso à informação do Dnocs, é possível ver que os dois pregões tiveram a última atualização em janeiro deste ano. Em dezembro de 2024, por exemplo, alguns contratos com empresas de diversos estados chegaram a ser publicados. No entanto, não é possível definir se o processo de contratação já terminou, nem se a execução das obras está em andamento.

A reportagem acionou o Dnocs para entender o atual panorama das licitações, quais os municípios que devem ser contemplados com os recursos e os desdobramentos a partir das auditorias, mas não obteve resposta. Em caso de retorno, a matéria será atualizada. 

Exemplo de passagem molhada construída pelo Dnocs na comunidade de Timbaúba, em Rafael Godeiro-RN
Legenda: Exemplo de passagem molhada construída pelo Dnocs na comunidade de Timbaúba, em Rafael Godeiro-RN
Foto: Divulgação/Dnocs

INCONSISTÊNCIAS NA MIRA

As auditorias da Controladoria-Geral da União também ressaltaram que os dois pregões chegaram a ser suspensos pelo Dnocs, pela necessidade de correção de planilhas orçamentárias, com repercussão na elaboração das propostas comerciais. No edital voltado para passagens molhadas, a análise apontou, ainda, que o processo teria sido interrompido em “decorrência de erros verificados por esta CGU-Regional/CE, nas memórias de cálculos das planilhas de orçamento.”

Posteriormente, os dois processos foram republicados no Diário Oficial da União – ambos em setembro –, mas com valores menores do que os publicados na primeira versão dos editais:

  • Serviços de revestimento primário (encascalhamento de estradas vicinais) - preço estimado total passou de R$ 205.107.178,55 para R$ 199.688.468,52;
  • Serviços de execução de passagens molhadas - preço estimado total passou de R$ 111.984.507,38 para R$ 109.875.040,16.

Além disso, o relatório acerca das obras de pavimentação ponderou uma disparidade entre os valores previstos para os estados, em que se destaca o caso de Alagoas, que foi contemplado com dois lotes de serviços da ordem de mais de R$ 50 milhões cada, enquanto Sergipe receberia apenas R$ 11 milhões, por exemplo. Segundo o documento, o Dnocs justificou o caso alegando que “a bancada de Alagoas se destacou com um aporte expressivo, elevando a demanda desse Estado em comparação com os demais onde o Dnocs atua.”

Outro ponto abordado pela análise trata-se da dificuldade de gerenciamento. A CGU alega que questionou se a autarquia teria alguma ferramenta de controle para verificar os locais e serviços já executados, com coordenadas geográficas, registros fotográficos, dentre outros mecanismos, para evitar a sobreposição de serviços. 

No entanto, o Dnocs teria respondido que não teria tal dispositivo e que o monitoramento seria realizado pelas próprias comissões de fiscalização dos serviços e pelas documentações apresentadas.

“A ausência de dados e informações mínimas necessários para um bom planejamento das contratações, em consonância com esse novo arranjo no processo de orçamentação da LOA, que tornou o Parlamento protagonista principal na distribuição dos recursos de investimentos, sem critérios claros que levem em consideração o combate à desigualdade social e regional, e ainda, uma estrutura de pessoal e operacional deficitária, podem trazer sérios riscos para a melhoria dos indicadores sociais e econômicos dos beneficiários das políticas públicas do Dnocs, trazendo ineficiência ao processo de planejamento e orçamento”
Análise da equipe de auditoria da CGU

Em paralelo, o órgão federal de controle reconhece que o Dnocs está com o “quadro de pessoal deficitário”, principalmente na área técnica de fiscalização, mesmo diante do crescimento na execução de serviços por meio de emendas parlamentares.

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POSSÍVEIS DESDOBRAMENTOS

A partir dos dois processos auditados, a CGU enviou a seguinte recomendação ao Dnocs:

“Elaborar cadastro de necessidades de obras e da aquisição de equipamentos e máquinas pesadas, cujas informações estejam adequadamente estruturadas, hierarquizadas (quanto ao aspecto de prioridade/eficiência alocativa) e divulgadas de maneira a permitir ao Parlamento compatibilizar os interesses mais urgentes da população a um planejamento setorial tecnicamente estruturado.”

Acerca da orientação, de acordo com a manifestação anexada aos relatórios, o Dnocs informou que, “mesmo não tendo atribuição regimental para efetuar alguma concordância na recomendação sugerida pela CGU, essa proposta tem coerência, mas é importante destacar que seria necessário a criação de um setor específico para esse fim.”

Ao PontoPoder, a Controladoria explicou que, no momento, a recomendação está sendo monitorada, até que o Departamento comprove a implementação das medidas necessárias. 

“O acompanhamento ocorre mediante um processo contínuo e sistemático de todas as recomendações emitidas ao Órgão. No momento, o DNOCS dispõe de prazo para implementar a recomendação, não tendo se manifestado até esta data [29 de abril]”, finaliza a nota da CGU. 

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