Solução da crise econômica passaria por rearranjo da política fiscal, apontam especialistas
Secretários do Ceará e membro da IFI do Senado discutiram a falta de impacto que a nova alta da Selic pode trazer à economia nacional e apontaram estratégias alternativas
A estratégia aplicada atualmente pelo Governo Federal e pelo Banco Central podem estar equivocadas para conter o cenário inflacionário e de baixa atividade econômica observado durante a segunda onda da pandemia do novo coronavírus, avaliam especialistas em políticas fiscais.
A perspectiva sobre a última elevação da taxa básica de juros (Selic) e outras medidas da União para contornar a crise, foram analisadas durante o webinar "Desafio fiscal da União e dos estados brasileiros", promovido pelo Governo do Estado do Ceará na manhã desta sexta-feira (5).
O evento contou com a participação de Mauro Benevides Filho, deputado federal e secretário de Planejamento e Gestão do Estado; Fernanda Pacobahyba, secretária da Fazenda do Estado; Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal; e de Maurício Benegas, vice-coordenador e professor do programa de pós-graduação em economia da Universidade Federal do Ceará (UFC).
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Salto comentou que para garantir a recuperação econômica e evitar impactos maiores em relação à dívida pública, que já passa dos 90% em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) nacional, o Governo Federal precisará assumir o problema revertendo e "rearranjando" a política fiscal.
Ele comentou que a nova alta dos juros não deverá solucionar o problema do Brasil durante a recuperação econômica, pois a "raiz do problema" é fiscal e política.
Com o aumento dos juros, o País deverá aumentar a pressão sobre a dívida pública a partir dos títulos federais, fazendo com que, segundo o diretor da IFI, haja um risco da criação de um círculo vicioso em que as medidas de política monetária percam o efeito no futuro.
"A raiz do problema é fiscal e política. Vamos aumentando o custo do endividamento e isso vai pressionando a despesa, que vai afetar a inflação e aumentar o risco. Vamos entrar em um círculo vicioso em que os instrumentos de política monetária perdem o valor", disse.
"Precisamos de um rearranjo das políticas fiscais, mas eu estou preocupado porque não estamos fazendo isso. E se o Governo Federal não tomar uma iniciativa, o Congresso terá de tomar a frente", completou.
Possíveis medidas
A perspectiva foi corroborada pelo secretário Mauro Benevides Filho, que comentou a importância da revisão das projeções de investimentos e do teto de gasto no País. Além disso, o deputado também criticou as decisões do Governo Federal para organizar os projetos orçamentários, focando as queixas no trabalho que vem sendo feito em 2021.
Benevides afirmou que o Governo Federal precisa repensar os gastos financeiros no orçamento para não prejudicar ou reduzir os investimentos no País, o que poderia ajudar a movimentar recursos nos estados e gerar renda para a população.
Além disso, o secretário do Estado defendeu a importância do auxílio emergencial.
"Para aumentar o auxílio emergencial houve uma grande discussão, mas para aumentar o valor da dívida em mais de 200 bilhões por aumentar a taxa Selic, não há. E não há discussão porque só se fala em despesa primária e as pessoas não sabem que orçamento da União não é R$ 1,5 trilhão, e sim de R$ 4,2 trilhões, porque estamos tratando de despesas financeiras. Temos R$ 280 bi de amortização da dívida", disse.
Ele também enalteceu o modelo aplicado pelo Governo do Estado, que relaciona os gastos com investimentos à receita corrente líquida.
"Segundo o TCU, 18% dos investimentos não têm impacto maior ou têm problemas. Mas podemos dizer que são ineficientes, mesmo com esse investimento gerando empregos e renda? Se há problemas em definir em investimentos, que o façamos, como o Ceará fez e faz a partir da liderança do secretário Flávio Ataliba. Que a União copie o Ceará em vez do mercado financeiro ficar ditando regras sobre investimentos", explicou.
"O correto é ter o teto de gasto sobre despesas primárias correntes e o investimento fica atrelado ao crescimento da receita corrente líquida, como acontece no Ceará".
Situação fiscal
Durante o evento, a secretária da Fazenda do Estado reforçou a importância da reforma tributária como uma ferramenta para equalizar as contas públicas do País e reduzir o impacto da pandemia no planejamento financeiro dos estados, ajudando a melhorar a arrecadação.
Ela ponderou, contudo, que, apesar de necessária, a reforma é uma medida de médio ou longo prazo.
Fernanda Pacobahyba também criticou algumas decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) relacionadas aos sistemas de arrecadação estadual no momento em que a pauta da reforma tributária não tem seguimento no Congresso Nacional.
"Na emenda 109, é a relação de receita e despesas, uma das mais importantes, que foi totalmente vilipendiada, que parece convergir para um sentido de austeridade, mas que é ilusória. É uma regra totalmente falaciosa", disse.
"Outra crítica que faço é em relação aos benefícios fiscais da União, que deixa de fora algumas deformidades, como o Simples Nacional, que se transformou em uma deformidade. Hoje, uma grande parte dos problemas que gera informalidade e sonegação estão focados no Simples Nacional. O Simples virou um ente fora dos entes e ninguém consegue organizar", completou.
Auxílio aos Estados
Pacobahyba também criticou o modelo usado pelo Governo Federal para definir montantes para suporte financeiro aos entes federativos durante a pandemia.
Segundo ela, a equação montada não levou em consideração os diferentes impactos em cada estado, o que pode ter prejudicado o Ceará, um dos mais afetados pela crise do novo coronavírus.
"O auxílio aos estados traz um patamar único, mas quando se olham os dados, o Ceará foi o que teve a maior variação negativa do Brasil, e nós tivemos algumas unidades da Federação cujas receitas tributárias ficaram positivas, mas que receberam o apoio da União com a mesma fórmula que Ceará e Bahia. E isso cria uma regra burra e injusta que não se justifica", avaliou.