"Não estamos conseguindo subsistir": Alta da gasolina destrói renda de motoristas de aplicativos
De acordo com um dos diretores da Associação dos Motoristas de Aplicativo do Ceará e outros trabalhadores, o lucro semanal dos motoristas caiu entre 60% e 80% entre janeiro e fevereiro de 2021 ante novembro e dezembro de 2020
Trabalhar como motorista em serviços por aplicativo em Fortaleza e na Região Metropolitana tem sido uma tarefa muito árdua. Com os recentes aumentos no preço da gasolina e a queda na demanda pelas restrições por conta da pandemia de Covid-19, os motoristas cearenses estão registrando quedas entre 60% e 80% nos rendimentos. E se a situação é precária para quem está ganhando menos, há casos em que as pessoas estão "pagando para trabalhar".
"Tem gente que não está conseguindo levar comida para a família, a situação está grave mesmo", disse o motorista Heldino Sani Gomes.
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De acordo com Rafael Keylon, diretor da Associação dos Motoristas de Aplicativo do Ceará (Amap-CE), a recomendação que vem sendo dada aos motoristas é de fazer uma parada após finalizar cada corrida. "Estamos recomendando que os motoristas não rodem sem passageiros. Deixou alguém, pare de rodar", disse.
A indicação se baseia nos impactos causados pelas consecutivas elevações de preço da gasolina pela Petrobras – em 2021, a estatal já aumentou o valor de revenda do combustível nas refinarias três vezes – e na redução no número de clientes que buscam as corridas.
Diante da situação precária, motoristas cearenses inclusive compuseram uma música que compila reclamações constantes da categoria. Ouça no áudio abaixo:
Queda drástica nos lucros
O diretor da Amap revelou os resultados financeiros dos motoristas em Fortaleza caíram muito desde o fim de dezembro, quando o Governo do Estado anunciou novas restrições às atividades econômicas por conta da alta estação e o período de férias. Segundo Keylon, os motoristas que lucravam R$ 1.200 em média por semana entre novembro e dezembro de 2020, passaram a ganhar cerca de R$ 250 por semana entre janeiro e fevereiro de 2021.
"Por conta de tudo isso, estamos recomendando o motorista a aceitar corridas que te levam para lugares onde teremos mais corridas, só que isso prejudica a área da periferia em Fortaleza e RMF. O motorista vai pensar duas vezes antes de sair da Aldeota para garantir que ele terá corridas", Afirmou Keylon.
Impactos econômicos
Além das recorrentes altas na gasolina e da queda da demanda, os motoristas se queixam que as tarifas pagas pelos aplicativos, como Uber e 99, tem, na verdade, sido reduzidas para oferecer melhores opções aos consumidores. Mas as mudanças, que podem ser vantajosas para os clientes, teriam impacto direto no trabalho dos motoristas.
"Tudo depende da gasolina, mas o problema maior é que as nossas taxas estão caindo. Em 2016, quando surgiram os apps a taxa mínima do Uber era R$ 6,75 e hoje é de R$ 3,90, acho que pela competição de mercado. Mas o litro da gasolina, em 2016, saia por R$ 3,81, e, hoje em dia, a gasolina sai por R$ 5. A conta não fecha", desabafa Heldino Gomes.
"A gente está trabalhando só para pagar a gasolina. Estamos passando necessidade e quem aluga carro está tendo de devolver os veículos por não conseguir arcar com os gastos", completou.
Gomes relatou que muitos motoristas com quem mantém contato usando grupos em aplicativos de mensagem confirmaram a alta de custos operacionais e, como consequência, os impactos negativos nas contas mensais.
"No grupo que eu administro, tem um motorista que contou que ele está faturando R$ 6 mil, mas R$ 4 mil é direcionado apenas para pagar os custos do carro, como gasolina e outras coisas. Sendo assim, tem sobrado R$ 2 mil para pessoa comer e pagar todas as contas. Mas esse é um caso. Tem gente que não tem essa sorte e está praticamente pagando para trabalhar", disse Heldino.
Até 18 horas de trabalho por dia
Por conta da pressão financeira, muitos motoristas estão tendo de trabalhar mais de 12 horas por dia para arcar com gastos mensais, considerando períodos dedicados a todos os aplicativos.
A motorista Daniele Moraes contou que, mesmo dedicando tempo a mais de um serviço de transporte por aplicativo, muitos profissionais chegam a trabalhar entre 16 e 18 horas por dia.
"Temos que tirar os recursos para pagar o dono do carro, os postos e os donos dos aplicativos. Temos uma grande maioria de motoristas que roda com veículo alugado e o preço do aluguel também aumentou muito. A plataforma tirou muita gente do desemprego, e isso é positivo. Chegar em casa para os filhos e não ter como pagar a comida deles é muito complicado, mas, hoje, não estamos conseguindo recursos para subsistir", contou Daniele.
Ela também apontou que, como há restrições de funcionamento de serviços não essenciais em Fortaleza depois das 20h, como bares e restaurantes, a demanda por corridas tem se concentrado durante o dia. Essa dinâmica está fazendo com que um número maior de motoristas dispute as corridas, reduzindo as margens de lucro.
"Dava para dividir essas pessoas em turnos, mas com a redução de horários de entretenimento e movimentações, e eu entendo os cuidados com a pandemia, as pessoas que dependem desses horários estão concentradas. Uma corrida que era disputada por cinco motoristas, hoje é disputada por dez", disse Daniele.
"Nosso lucro caiu para menos da metade. É uma queda de 60% a 80% em muitos casos, ou até maior em outros", completou.
Tarifa mínima
Segundo Heldino Gomes, os motoristas estão tentando se unir para fazer novas demandas aos deputados cearenses, requisitando suporte aos motoristas de aplicativos. O objetivo, segundo ele, é conseguir criar uma lei que regulamente uma tarifa mínima no Ceará, garantindo um rendimento aos trabalhadores.
"Vamos tentar contato com deputados, mas estamos lutando para unir o pessoal. Chamamos uma manifestação e já sentimos uns resultados, e o que podemos fazer é ir atrás para termos uma lei para conseguirmos sobreviver. Queremos que haja uma tarifa mínima. Se as empresas quiserem oferecer um valor menor ao cliente, ela precisa arcar com a diferença", disse Gomes.
Resposta dos aplicativos
Consultada sobre a aplicação de uma tarifa mínima e as reduções aplicadas nos valores repassados aos motoristas ouvidos pela reportagem, a Uber respondeu, em nota, que "opera um sistema dinâmico e flexível que busca equilibrar as necessidades de motoristas parceiros à realidade dos usuários que utilizam a plataforma todos os dias".
"O Uber Promo foi criado durante a pandemia da Covid-19 para gerar mais viagens para os parceiros em horários de baixo movimento. Portanto, o Uber Promo só aparece em alguns horários, oferecendo viagens a valores menores do que os do Uber X. O Uber Promo está cumprindo um papel importante ao atender pessoas que, neste momento, tem preferido evitar o transporte público", diz a empresa.
"O motorista parceiro da Uber é totalmente livre para decidir se aceita ou não uma viagem e, da mesma forma, ele é totalmente livre para decidir se quer trabalhar ou não com o Uber Promo", afirma a nota.
A 99 afirmou que está sempre aberta para um contato direto com os motoristas para "contribuir com a melhoria da renda dos parceiros da plataforma".
"Sobre a demanda de aumento nas tarifas repassadas, a empresa esclarece que o repasse é feito por duas variáveis: distância percorrida e tempo de deslocamento. No período mais crítico da pandemia da Covid-19, a empresa focou em ações para garantir a geração de renda dos motoristas-parceiros e investiu em lançamentos de novos produtos", disse a empresa em nota.
"Além disso, a empresa conta com o SOMOS99, programa de relacionamento do motorista parceiros da 99 que oferece incentivos financeiros, descontos e vantagens exclusivas direcionadas ao motorista parceiro e seus familiares", completou a empresa.