Motoristas e entregadores de apps: precarização só piora e pressão por melhorias aumenta

Há mais de 60 projetos em tramitação no Congresso com objetivo de mudar regras para esta categoria. Só durante a pandemia, mais de 30 foram apresentados

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Outro dia digitei no Google “motorista de aplicativo” só para ver o que o buscador mostraria de pesquisas recomendadas. “Motorista aplicativo queimado” e “motorista aplicativo morto” surgiram no topo da lista do algoritmo, que prioriza pesquisas em alta e leva em conta a geolocalização e outros fatores.

Os casos de violência contra estes profissionais no Ceará e em outros lugares do país são o estopim a escancarar as múltiplas vulnerabilidades que os acompanham no trabalho.

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Trabalhadores protestaram em dezembro contra a insegurança que acomete a categoria, após a morte de José Hilker Assunção de Sousa, de 28 anos, que teve o corpo queimado por criminosos durante assalto em Caucaia. Este ato se soma a várias outras reivindicações que já foram realizadas.

Na semana passada, por exemplo, entregadores fizeram mobilização em Fortaleza pleiteando remuneração maior pelos serviços oferecidos. Os motociclistas alegam que algumas entregas não cobrem nem sequer o custo combustível. Ontem, houve outro protesto. Não é preciso ser dos mais observadores para perceber que os entregadores trabalham num compasso frenético para cumprir prazos e demandas. 

Em dezembro, o Diário do Nordeste veiculou matéria que mostrava a insatisfação dos clientes da Uber com o cancelamento excessivo de corridas. Segundo motoristas, a negativa maior para corridas se dá com o objetivo de selecionar serviços que garantam lucro, diante da baixa remuneração e dos elevados custos (manutenção, combustível, impostos).

Quando o bico vira a única fonte de renda

A chamada gig economy (algo como economia de bicos) surgiu anos atrás com uma aura descolada, algo que as empresas de tecnologia do Vale do Silício conseguem vender bem. Era uma boa chance, por exemplo, para jovens que tinham um carro fazer dinheiro extra. 

Mas o Brasil das intermináveis crises políticas e econômicas, um rolo compressor de empregos e diplomas, logo se encarregou de transformar o que deveria ser bico em uma única e imprescindível fonte de renda. Sem espaço em suas áreas de atuação, engenheiros, administradores, advogados, jornalistas, publicitários tornaram-se motoristas em tempo integral.

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É certo que este modelo é uma saída importante à ausência de renda. Sem a gig econonomy, é provável que um contingente muito maior de pessoas estivesse em total desalento. Mas episódios recentes mostram que é crucial o aprofundamento das discussões em torno deste complexo - e ainda recente - fenômeno econômico, pois a precarização do trabalho tem experimentado novos e perigosos limites.

O peso da necessidade

Por óbvio, ninguém obriga os cadastrados ao trabalho, mas muitos executam o serviço por influência das circunstâncias. Ou você acha que um motorista de app entraria de bom grado em uma zona conhecidamente dominada por facção criminosa não fosse o empurrão extremo da necessidade?

Há no Congresso dezenas de projetos - muitos dos quais surgiram na pandemia - para mudar as regras em torno do trabalho de motoristas e entregadores de aplicativos.

É crescente a pressão para que a atividade seja regulada. Para se ter dimensão, em 2020, a cada semana, um projeto foi apresentado sobre o tema, em média. Mais de 60 iniciativas em torno do assunto já foram elaboradas. Este é um desafio sobre o qual certamente Câmara e Senado precisarão se debruçar em 2021.