Lei da Reciprocidade contra tarifaço pode afetar indústria do aço no Ceará se mal aplicada

O carvão é um produto que, se taxado, geraria muitos prejuízos ao Brasil

Escrito por
Paloma Vargas paloma.vargas@svm.com.br
(Atualizado às 16:03, em 22 de Julho de 2025)
Caminhão carregando produção em mina de carvão mineral
Legenda: Tipo de carvão mineral utilizado na indústria é o principal produto importado pelo Ceará dos Estados Unidos
Foto: Parilov/Shutterstock

A aplicação da Lei da Reciprocidade, sancionada pelo governo Lula para enfrentar medidas protecionistas, como o aumento tarifário de 50% anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pode gerar efeitos negativos em setores estratégicos da economia brasileira, especialmente no Ceará.

Segundo fontes especializadas, se o Brasil decidir taxar a importação de carvão como medida de retaliação aos EUA, com base nessa lei, há o risco de aumento nos custos desse insumo essencial para alguns negócios locais.

O Ceará seria diretamente afetado porque depende da hulha betuminosa, um tipo de carvão amplamente importado do mercado norte-americano e utilizado na indústria siderúrgica e nas usinas termelétricas.

Para se ter uma ideia, o Estado importou US$ 160,34 milhões (valor FOB) entre janeiro e junho deste ano. Em todo o ano de 2024, o montante chegou a US$ 280,27 milhões, segundo dados da Comexstat, plataforma do Governo Federal.

Ou seja, neste caso, o uso da Lei da Reciprocidade seria semelhante ao efeito reverso que ocorrerá com o café nos Estados Unidos: a tarifa de Trump fará com que os norte-americanos paguem mais caro pelo grão, pois é um produto importado do Brasil e de outros países.

Tal cenário econômico expõe a necessidade de cautela no uso da lei. No entanto, o governo federal já demonstrou interesse em dialogar para reverter o tarifaço e afirmou que adotará sanções exclusivamente com base em critérios técnicos, após a análise dos ministérios, incluindo os da Fazenda e das Relações Exteriores.

Importações também podem diminuir 

A economista Carla Beni, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV), observa que o Brasil importa, em média, US$ 1 bilhão por ano em carvão para a produção do aço destinado à exportação para os Estados Unidos. 

No entanto, ela pondera que, caso as vendas de aço para o país norte-americano sejam impactadas pela elevação da alíquota de importação para 50%, anunciada por Donald Trump, a demanda por carvão também será reduzida. Consequentemente, o volume de importações tende a diminuir.

Outra consideração da economista é a baixa probabilidade de imposição de uma tarifa de 50%. "Trump volta atrás, e a justiça americana está sendo ativada para evitar essas elevações descabidas de tarifas de importação', avalia. 

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Qual seria o impacto para a indústria do Ceará 

De acordo com Eldair Melo, mestre em Economia e integrante do Conselho Regional de Economia Ceará (Corecon-CE), o carvão pode ser incluído na lista de produtos norte-americanos que receberiam a retaliação de impostos. Porém, na sua avaliação, isso seria “estrategicamente um erro”. 

“O carvão importado nos Estados Unidos é essencial para a manutenção da cadeia siderúrgica no Ceará. Se o governo federal decidir taxar o carvão como retaliação, isso pode provocar um efeito colateral direto sobre o nosso parque industrial, como aumento de custos, possível redução de produção e até risco de desemprego local”, analisa. 
Eldair Melo
Mestre em Economia e membro do Corecon-CE

Por isso, ele reforça que o mineral deve ficar de fora da lista de medidas, “sob risco de causar mais dano ao Brasil do que aos Estados Unidos”.

Como usar a Lei da Reciprocidade sem prejudicar o Brasil

O economista Eldair Melo defende uma política de “não reciprocidade”, já que, no caso do carvão, a reciprocidade “encareceria os produtos e serviços demandados por ambas as economias".

"O principal prejudicado, neste caso, seria o consumidor”, frisa. Vale destacar que a Lei da Reciprocidade visa aplicar medidas equivalentes contra países que impõem barreiras comerciais injustas aos produtos brasileiros.

“Na prática, isso significa que o Brasil pode e deve responder de forma proporcional, seletiva e estratégica. Assim, acredito que os produtos americanos que podem ser taxados são aqueles com peso simbólico, político e comercial”, diz Melo.

Ele cita como exemplos as carnes suína e bovina, o trigo, o milho transgênico, peças automotivas, produtos químicos e até bebidas alcoólicas, como o uísque americano.

“São itens que geram impacto lá fora, mas que têm substituição viável aqui dentro, seja por produção nacional ou pela importação de outros países parceiros”, reforça.

Setor busca alternativas e se prepara para explorar novos mercados

Questionado sobre um possível prejuízo para as siderúrgicas, caso o carvão norte-americano seja taxado com base na Lei da Reciprocidade, o presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico no Estado (Simec/CE), Cesar Barros, afirmou que “ainda é cedo para comentar”.

Ainda assim, ele ressalta que, se o carvão for incluído, “os custos (da indústria) serão afetados diretamente”.

Barros relatou que, na última segunda-feira (14), participou de uma reunião com representantes de diversos setores da indústria e do agronegócio, junto ao governador Elmano de Freitas, para apresentar o cenário atual e discutir possíveis soluções.

“Com isso, devemos levar ao governo federal nossa posição e preocupação, buscando a melhor saída para nossas exportações e contando com a articulação e negociação para reduzir as taxas impostas pelos EUA.”

Ele ainda destaca que todos os setores já estão se mobilizando em busca de novos mercados. “No que diz respeito à posição do Simec, estamos alinhados com a Fiec e com os demais sindicatos da indústria cearense, pois essa taxação descabida afetará todos os setores da economia, especialmente o aço e os produtos do nosso setor destinados à exportação", afirma. 

Nesta terça-feira (15), o governador Elmano de Freitas (PT) afirmou que está articulando um encontro com empresários cearenses e o governo federal para buscar uma solução para o problema, com a participação de representantes dos setores de aço, agronegócio e de peças e pás eólicas.

Em resposta aos questionamentos do Diário do Nordeste sobre a possível taxação do carvão norte-americano, a Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), por meio de sua assessoria de imprensa, informou que "por enquanto, a Fiec ainda está avaliando esses impactos". Já o Instituto Aço Brasil não retornou até a publicação desta matéria. O espaço está aberto para manifestações.

Entenda a Lei da Reciprocidade 

Na noite da segunda-feira (14), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a "Lei da Reciprocidade Econômica", cujo objetivo é proteger o país e minimizar os impactos das tarifas anunciadas pelos Estados Unidos. As principais medidas são:

  • Restrição às importações de bens e serviços do país ou bloco econômico que adotar medidas unilaterais;
  • Suspensão de concessões comerciais, de investimentos e de obrigações relativas a direitos de propriedade intelectual;
  • Suspensão de outras obrigações previstas em qualquer acordo comercial do qual o Brasil faça parte;
  • Suspensão de concessões ou de outras obrigações do País relativas a direitos de propriedade intelectual, que pode ser utilizada em caráter excepcional quando as demais contramedidas forem consideradas inadequadas para reverter ações unilaterais.

Estas contramedidas podem ser aplicadas em resposta a ações, políticas ou práticas que:

  • Interfiram nas escolhas legítimas e soberanas do Brasil, buscando impedir ou modificar atos, ou práticas no país por meio da aplicação, ou ameaça, de medidas comerciais, financeiras ou de investimentos unilaterais;
  • Violem ou sejam inconsistentes com disposições de acordos comerciais, ou de alguma forma neguem, anulem ou prejudiquem benefícios ao Brasil sob qualquer acordo comercial;
  • Configurem medidas unilaterais baseadas em requisitos ambientais que sejam mais onerosos do que os parâmetros e padrões de proteção ambiental adotados pelo Brasil.

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