Há risco de faltar diesel no Ceará? Especialistas explicam
A Petrobras alertou para a escassez global no fornecimento do combustível. Para analistas, falta do produto deve se refletir nos preços
Na semana passada, a Petrobras emitiu um comunicado ao governo federal informando sobre o risco de falta de diesel no segundo semestre do ano.
O alerta é global, considerando a maior demanda sazonal na segunda metade do ano e a menor produção do combustível em razão da guerra na Ucrânia. A expectativa é que o diesel fique mais disputado no mercado internacional a partir do terceiro trimestre do ano.
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A alta demanda e baixa oferta devem pressionar os preços do combustível, ao mesmo tempo que o governo tenta evitar o repasse para os consumidores nas bombas em meio a um ano eleitoral.
Para especialistas, só deve haver desabastecimento do combustível no Brasil e no Ceará se forem realizadas manobras para segurar o preço do diesel para o consumidor apesar do cenário internacional. O mais provável, contudo, é que o impacto de toda essa situação chegue no bolso, com preços mais altos.
Alta demanda e baixa oferta
A produção de diesel no mercado internacional tem estado abaixo da média nos últimos dois anos, em razão da desarticulação causada pela pandemia.
Quando tudo parou, a demanda por combustíveis caiu drasticamente, levando a uma redução na atividade das refinarias. Essa cadeia ainda está sendo retomada e a produtividade ainda não voltou aos níveis pré-pandemia.
Somada a essa situação, a guerra entre Rússia e Ucrânia impactou diretamente na oferta global de petróleo. Uma das principais produtoras mundiais do insumo, a Rússia tem sofrido sanções do mundo ocidental, o que afeta a disponibilidade do combustível russo no mercado.
A menor oferta do diesel no mercado internacional se complica no segundo semestre, quando os países do norte têm uma maior demanda devido ao inverno. No Brasil, o combustível também é especialmente importante nesse período para o escoamento das colheitas de soja e milho.
Para o doutor em economia e professor da FACC-UFRJ Joseph Vasconcelos, um desabastecimento do diesel teria efeitos graves para a economia brasileira, principalmente nesse período do ano.
O desabastecimento de diesel acabaria travando a estrutura logística do País, principalmente em um momento que a demanda cresce, tem um efeito sazonal. A produção de bens e serviços, principalmente os bens agrícolas, é intensa a partir do segundo semestre de todo ano. A falta do abastecimento desse combustível nesse momento específico ocasionaria uma paralisação do serviço logístico, o que causaria um impacto imenso na produção do País
Na última sexta-feira (27), o Ministério de Minas e Energia divulgou nota informando que o país possuía estoque para o abastecimento normal por 38 dias sem novas importações. Nessa segunda-feira (30), o presidente Jair Bolsonaro disse que o Brasil tem estoque garantido de diesel por 40 dias.
Queda de braço
Enquanto há uma pressão no mercado internacional para um aumento dos combustíveis, no Brasil, há uma pressão interna para uma redução nos preços, que já se encontram em patamares recordes.
O consultor na área de gás e petróleo Bruno Iughetti destaca que cerca de 25% do combustível comercializado no Brasil é importado. Caso a Petrobras não consiga negociar nos preços do mercado, ¼ do diesel consumido no país ficaria comprometido.
Estamos entre a cruz e a espada. Se aumentarmos o preço do diesel, afeta toda a cadeia de transporte. Se não ajustarmos nivelando ao preço de paridade, temos o risco de não contarmos com o diesel para a cadeia de abastecimento
Joseph considera que o governo tem um papel central para que o diesel venha ou não a faltar no país. Uma mudança na política de preços da Petrobras, segundo ele, seria perigosa.
“Se ele altera a política da Petrobras, tira a possibilidade de a Petrobras dar ao mercado internacional um preço melhor. Isso levaria a uma compra menor, não teria acesso aos estoques de diesel no mercado internacional. Se o governo altera essa política de preço, a Petrobras vai com menos fôlego para buscar o estoque internacional”, diz.
Ele avalia que os exportadores devem ganhar essa queda de braço, sendo o resultado disso preços mais altos para o consumidor a partir do segundo semestre de 2022. Ao mesmo tempo, a pressão popular é um fator importante em um ano eleitoral.
“É ano eleitoral, tem uma pressão popular imensa, principalmente dos caminhoneiros. Do outro lado, tem uma pressão por conta do baixo estoque, que faz com que o preço suba. O governo fica nessa corda bamba tentando equilibrar um lado e o outro”, reforça.
Iughetti calcula que deve haver um aumento de pelo menos 10% para corrigir a defasagem entre os preços praticados no Brasil e no mercado internacional. O último reajuste no preço do diesel foi anunciado pela Petrobras no meio de maio.
Abastecimento no Ceará
De acordo com o assessor de assuntos econômicos do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Estado do Ceará (Sindipostos-CE), Antônio José, os postos de gasolina cearenses estão cientes da situação global e preparados.
“O setor sempre fica antenado no que acontece no mercado, principalmente quando a Petrobras dá um anúncio desses. Quando ela diz que tem essa dificuldade, não quer dizer que vai faltar. Fala para os postos estarem estocados. As faltas não devem provocar um blecaute”, garante.
Ele relembra que o último desabastecimento que o País passou foi na década de 1970 e, nessa época, os postos tinham um horário de funcionamento reduzido.
Nos últimos anos não tivemos qualquer histórico de falta de produto. O que pode se fazer está sendo feito, é manter os estoques abastecidos
José também afirma que não há ainda uma previsão para aumento nos preços em razão da competitividade local.