FTL quer devolver 3 mil km de malha no Nordeste para manter ferrovia entre Fortaleza e São Luís

O Diário do Nordeste fez uma entrevista exclusiva com o presidente da empresa responsável pelo trecho

Escrito por
Luciano Rodrigues luciano.rodrigues@svm.com.br
Foto que contém locomotiva antiga da FTL, nas cores amarela e grená
Legenda: FTL tem mais de 4 mil km de ferrovias no Nordeste, mas só opera menos de 30% do total
Foto: Thiago Gadelha

A Ferrovia Transnordestina Logística (FTL), responsável pelos 1.237 quilômetros (km) de linha férrea que ligam Fortaleza a São Luís (MA) — atualmente em operação normal —, está no último estágio de análise de renovação da concessão desse trecho. Para isso, contudo, a empresa propõe devolver 3 mil km da chamada "malha não operacional", que abrange ferrovias abandonadas em cinco estados do Nordeste.

Essa é uma das ações requisitadas pela FTL durante as negociações com a União. Em contrapartida, o governo federal exige que a empresa aplique recursos na linha férrea a curto prazo, além de desenvolver dois sistemas de Veículos Leves sobre Trilhos (VLTs) em Campina Grande (PB) e Arapiraca (AL).

Caso o contrato seja renovado, o investimento no trecho Fortaleza–São Luís ultrapassará R$ 3 bilhões, conforme informou Tufi Daher Filho, presidente da FTL, em entrevista ao Diário do Nordeste. A novidade relacionada no caso é o avanço do processo no Tribunal de Contas da União (TCU), com o objetivo de finalizá-lo ainda neste ano.

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Tufi reforça que a FTL está "na última etapa". No cronograma, estão inclusas reuniões técnicas entre a companhia e o TCU, e o acordo firmado com o Governo Federal prevê o desenvolvimento da malha ferroviária de passageiros nas maiores cidades do interior de Alagoas e Paraíba, respectivamente.

"No acordo que a gente tem com o governo, devemos prover dois VLTs, um em Campina Grande, outro em Arapiraca. Isso está no acordo que o TCU está avaliando, ainda não tem o parecer. Na contrapartida de mobilidade urbana, a gente teria essas e outras obrigações", explica. 

"Os VLTs seriam parte das contrapartidas das devoluções, além do investimento que vamos fazer na remodelação", completa Tufi Daher.

Investimento passará dos R$ 3 bi e incluirá ramais para passageiros

Boa parte dos desafios elencados pelo TCU já estão praticamente resolvidos, segundo Tufi Daher Filho. Se a FTL renovar a concessão da malha não operacional por 35 anos e devolver os trechos abandonados, o investimento a ser feito nos 1.237 km em 20 anos deve ultrapassar a casa dos R$ 3 bilhões.

"Queremos modernizar essa linha entre São Luís e Fortaleza. Evidentemente a gente compra material rodante novo, moderniza frota, elimina passagens de nível, melhora a parte urbana por onde passa. O compromisso que a gente tem junto hoje ao TCU, Ministério de Transporte e ANTT, é, se renovado por mais 30 anos, vamos reinvestir nesse trecho mais de R$ 3 bilhões", esclarece o presidente da FTL.

As discussões da FTL com a União podem viabilizar a criação de dois sistemas de ferrovias para transportar pessoas. No Nordeste, são atualmente dez em operação em sete estados. Somente o Ceará tem VLTs no interior, na região do Cariri (Crato e Juazeiro do Norte) e de Sobral.

Foto que contém duas linhas férreas. Ao lado esquerdo, ela encontra-se abandonada e sem uso; do lado direito, revitalizada e com uso quase que diário
Legenda: Contraste ferroviário nas proximidades da estação Alto Alegre, em Maracanaú, da Linha Sul do Metrofor: à esquerda, o início da malha não operacional da FTL, em situação de abandono; à direita, o trilho do Metrofor, com uso quase que diário entre Fortaleza e Pacatuba.
Foto: Ismael Soares

Com as contrapartidas contratuais para a concessão da FTL, Alagoas e Paraíba podem ganhar dois novos sistemas de transportes de passageiros. Arapiraca tem mais de 200 mil habitantes, mas não conta com ramais ferroviários ativos, mesma situação de Campina Grande, que reúne mais de 400 mil moradores. Ambas as cidades, no passado, tinham linhas férreas funcionando.

As respectivas capitais dos estados, Maceió e João Pessoa, contam com Sistema de Trens Urbanos, operados pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). Elas também utilizam infraestrutura similar ao do traçado da malha não operacional da FTL que passa pelos locais

Modernização da Malha Nordeste está no radar

Segundo o TCU, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) pediu uma Solicitação de Solução Consensual da FTL. Esse termo "busca ajustar condições do contrato para a Malha Nordeste de ferrovias da chamada Nova Transnordestina".

São 4.238 km de ferrovias da chamada Malha Nordeste, que passa pelos estados de Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. Porém, somente 29% (1.237 km) é considerado operacional pela FTL.

Foto que contém Tufi Daher Filho, presidente da FTL, apontando para mapa da cidade de Altos, no estado do Piauí
Legenda: Tufi Daher Filho, presidente da FTL, explica as melhorias a serem feitas na malha operacional da ferrovia caso a renovação se concretize
Foto: Kid Júnior

Oferta-se para o Brasil um investimento robusto que modernize a malha operacional e devolve, em troca, a malha não operacional obsoleta. Está sendo feita uma Nova Transnordestina, com custo de R$ 15 bilhões, porque a malha antiga é obsoleta. Ela é para trilhos de passageiros e não tem performance. A antiga Transnordestina é irrecuperável."
Tufi Daher Filho
Presidente da FTL e da TLSA

"Os traçados eram com curvas muito apertadas, ou seja, não podia pôr locomotivas grandes. A infraestrutura do passado tinha pontes estreitas e pequenas. Teria que refazer absolutamente tudo. Seria impagável para qualquer empresa do Brasil recuperar uma malha dessa para modernizá-la. Foi muito melhor construir uma nova", defende Tufi. 

Os pouco mais de 70% (3 mil km) seriam devolvidos para a União, que decidiria o que seria feito com a ferrovia. Essa malha não operacional inclui a antiga linha férrea que interligava Fortaleza ao Crato, bem como trechos urbanos que passam por capitais nordestinas, como João Pessoa e Recife.

Discussão envolve indenização e investimentos 

Atualmente, as mudanças são mínimas no transporte realizado pela FTL. As maiores novidades ficam por conta das contrapartidas e nos ajustes a serem feitos entre ambas as partes.

Comissão de Solução Consensual definida pelo TCU incluirá representantes do tribunal, do Ministério dos Transportes, da ANTT e da FTL. Conforme o órgão, o objetivo é entender a viabilidade do novo contrato e se as medidas estabelecidas de fato serão vantajosas durante o período da concessão.

"As discussões buscam analisar se as alterações no contrato podem ser feitas, e quais são as condições mais vantajosas para a população e que atendam ao interesse público. Nesse sentido, a construção de eventual solução prevê a avaliação de riscos e benefícios legais, técnicos e econômicos", complementa o TCU.

Nos próximos meses, serão debatidas "controvérsias", como definido pelo tribunal. Elas incluem:

  • Prorrogação antecipada da concessão por mais 35 anos (atual contrato vence em 2027. Objetivo da FTL é estender até 2062);
  • Devolução dos trechos não operacionais (3 mil km de ferrovias em cinco estados);
  • Definição de indenização pela devolução de trechos não operacionais;
  • Investimentos de VLTs em Arapiraca (AL) e Campina Grande (PB);
  • Aplicação de recursos na ferrovia a curto prazo;
  • Estudos sobre modernização do contrato para inclusão de avanços regulatórios.

FTL alega prejuízo, mas quer renovar concessão

A atual ligação da malha operacional vai do Porto do Mucuripe, contando com uma pequena conexão no Pecém, até chegar ao Porto de Itaqui. Dados de 2024 da empresa apontam que foram transportados pela FTL aproximadamente 3 milhões de toneladas de cargas. Mais da metade (1,6 milhão de toneladas) foi de celulose.

Entre São Luís e Teresina, a ferrovia está em processo de remodelação, além de trechos no Ceará nas proximidades de Nova Russas. Segundo Tufi Daher Filho, o pedido de renovação leva em conta ainda o balanço financeiro deficitário causado pela operação da linha férrea, não preparada para grandes cargas, que dariam algum lucro.

"Infelizmente são 28 anos até aqui de prejuízo. Não é uma ferrovia para grandes cargas. Quando a gente fala que a gente vai investir mais de R$ 3 bilhões, vamos passar de 3 milhões para 10 milhões de toneladas. Se fizer uma conta quanto que as outras concessionárias estão ofertando para poder renovar as suas concessões e quanto que a FTL está ofertando, proporcionalmente o da FTL é o maior de todos os investimentos", afirma. 

Foto que contém mapa da FTL com explicação de Tufi Daher Filho sobre traçado da ferrovia
Legenda: Embora dê prejuízo, segundo a própria FTL, ligação ferroviária entre Fortaleza e São Luís é importante ramal na porção norte da região Nordeste
Foto: Kid Júnior

Para efeitos comparativos, a Transnordestina, quando estiver pronta, poderá transportar entre o interior do Piauí e o Porto do Pecém mais de 33 milhões de toneladas de cargas, volume que pode ser duplicado com readequações operacionais. 

A remodelação em andamento prevê a substituição gradual dos dormentes - estruturas que ficam sob os trilhos e suportam o peso das locomotivas -, de madeira para concreto. O presidente da FTL afirma que 160 km deles já foram trocados entre São Luís e Teresina, e há uma fábrica própria da companhia em Salgueiro (PE) para produção desses materiais.

"É claro que o custo disso ainda não é muito adequado por causa da logística, mas a gente está trazendo esse dormente de Salgueiro e aplicando em Nova Russas. Estamos trocando dormente de madeira por concreto em Nova Russas. Se for renovada a concessão, a ideia é fazer o trecho todo em dormente de concreto", projeta Tufi.

Ligação com o Pecém está interrompida

Com as obras de infraestrutura do lote 11 da Nova Transnordestina, de 26 km entre Caucaia e Porto do Pecém, o ramal que interliga a malha operacional da FTL até o porto está com operações suspensas. O funcionamento entre Fortaleza e São Luís, no entanto, segue normalmente. 

"O braço do Pecém que está interrompido para montarmos uma superestrutura nova. Volta a funcionar até o Porto do Pecém (no ano que vem). Era dormente de madeira, vai ser tudo dormente de concreto. É simplesmente uma um aparelho de mudança de via que chama de bitola mista. Ele permite que o trem de bitola métrica pegue naturalmente a linha métrica", explana o presidente da empresa.

Foto que contém locomotiva da FTL em oficina mecânica
Legenda: Trens de carga da FTL, temporariamente, não vão mais até o Porto do Pecém. Ideia é colocar uma bitola mista, que misture as modalidades larga e métrica, para comportar o transporte de cargas de ambas as ferrovias operadas pela FTL e TLSA na região do Pecém.
Foto: Thiago Gadelha

Assim como em outras ocasiões, Tufi Daher foi questionado sobre o uso da malha operacional da FTL - e futuramente da TLSA - para o transporte de passageiros. Ele, por sua vez, garante que não é de interesse de nenhuma das duas empresas, subordinadas à Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), fazê-lo, até em virtude do contrato de concessão.

"Nossa concessão hoje é apenas para transporte de carga. Pode ser feito algum convênio, como existe para os VLTs em Sobral e Teresina. Pode haver um convênio operacional para se utilizar a infraestrutura da TLSA e da FTL, mas não somos nós quem iremos operar, não temos concessão para isso, e cederíamos o direito de passagem, em determinados horários, em tantos pares de trens por dia para isso", arremata.

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