Trem de passageiros entre Fortaleza e Sobral avança; projeto prevê ferrovia compartilhada com cargas

Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental está em fase de contratação e terá investimento, somente para o trecho cearense, de R$2,3 milhões

Escrito por Luciano Rodrigues , luciano.rodrigues@svm.com.br
VLT Parangaba-Mucuripe
Legenda: Trem de passageiros entre Fortaleza e Sobral deve aproveitar infraestrutura já existente de cargas, que interligam os portos do Mucuripe e Pecém, no Ceará, até Itaqui, em São Luís do Maranhão
Foto: José Leomar/Arquivo DN

A operação do trem de passageiros entre Fortaleza e Sobral ganhou um novo capítulo no Ministério dos Transportes. Segundo informações da pasta, está em curso um edital para a elaboração de estudos técnicos de viabilidade para a ferrovia.

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Ainda de acordo com o ministério, trata-se do Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA), lançado pela Infra S.A., empresa pública vinculada à pasta. O edital para a contratação da empresa responsável pelo diagnóstico está "em fase final de contratação".

O estudo é necessário para "implantação e exploração de transporte de passageiros na malha indicada pela Secretaria Nacional de Transporte Ferroviário". As ferrovias, que além do trecho entre Fortaleza e Sobral, incluem outros cinco percursos, fazem parte da Política Nacional de Transporte Ferroviário de Passageiros (PNTFP), já discutida em audiência pública e em processo de envio para a Casa Civil

Para a realização do estudo, serão investidos mais de R$ 13,6 milhões. Para análise do trecho ferroviário no Ceará, o investimento previsto é R$ 2,3 milhões. O prazo total para a conclusão do EVTEA é de 33 meses a partir da assinatura da Ordem de Serviço (OS), o que deve ocorrer ainda neste ano.

Não há definição de quando iniciarão as obras e adequações viárias nas malhas, hoje administradas por concessionárias que fazem transportes de cargas no Brasil. No Ceará, a linha férrea é de responsabilidade da Ferrovia Transnordestina Logística S.A. (FTL), empresa subordinada à Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).

O trajeto em terras cearenses deve ter 234,6 km de extensão, o maior em análise pelo Governo Federal. Além dele, estão previstos para serem estudados outros cinco trechos conforme o Ministério dos Transportes.

Como serão as novas ferrovias de passageiros no Brasil?

Os detalhes dos seis trechos a serem explorados no País para o transporte ferroviário de pessoas pouco a pouco vão ganhando forma. No edital do EVTEA lançado pela Infra S.A., ficam registrados que os percursos já existem no Brasil.

Três empresas administram os trechos, sendo dois cada. Além da FTL, as demais concessionárias são a Ferrovia Centro-Atlântica S.A. (FCA) e a Rumo Malha Sul S.A. (RMS). Elas integram um grupo de 13 companhias que administram linhas férreas voltadas sobretudo para o transporte de cargas na cinco regiões do País.

234,6 km
Esse é o trajeto total em análise pelo Governo Federal para uma ferrovia de passageiros entre Fortaleza e Sobral.

No EVTEA a ser realizado, cada uma das seis ferrovias será dividida em lotes 1 (Nordeste) e 2 (Centro-Sul), seguindo a divisão regional do Brasil. Além disso, cada um dos lotes está separado por segmentos.

Os estudos serão realizados em ordem de lote e segmento. Os primeiros a serem iniciados serão na ferrovia entre Salvador e Feira de Santana, seguindo para São Luís e Itapecuru Mirim e, por fim, entre Fortaleza e Sobral.

Na sequência, começam as análises do segundo lote, seguindo a ordem dos segmentos: inicialmente o trajeto entre Brasília e Luziânia e, na sequência, entre Pelotas e Rio Grande. A última ferrovia a ser estudada será a que irá interligar Londrina a Maringá.

É importante ressaltar que o início dos estudos de viabilidade técnica não significam que os trens de passageiros entre cidades serão instalados, principalmente porque os seis ramais em análise já existem e são utilizados majoritariamente para o transporte de cargas. A necessidade do EVTEA é para evidenciar se é possível ou não o uso das linhas férreas para transporte de passageiros.

Obras no Metrô de Teresina
Legenda: Obras no Metrô de Teresina. Trajeto é todo de superfície e compartilha trechos com malha viária de cargas da FTL
Foto: Regis Falcão/Governo do Piauí

Atualmente a FTL tem a concessão de 1237 km em bitola métrica, interligando os portos do Mucuripe (Fortaleza-CE) e do Pecém (São Gonçalo do Amarante-CE) ao de Itaqui (São Luís-MA) com 105 locomotivas e 1377 vagões. Somente em 2023, foram transportadas, de acordo com a empresa, quase 3 milhões de toneladas úteis (TU) em cargas.

Pelo menos nos trechos administrados pela FTL, o compartilhamento entre cargas e passageiros já é uma realidade, mas em distâncias menores do que as que estão em estudo pelo Governo Federal. No Ceará, uma das duas linhas do VLT de Sobral, na Região Norte do Estado, utiliza a linha férrea por onde também passam trens cargueiros. O mesmo acontece com o Metrô de Teresina, no Piauí.

Em construção, Transnordestina no Ceará pode ser utilizada para passageiros

Há anos se arrastando em obras entre Piauí, Pernambuco e Ceará, a Ferrovia Transnordestina entrou também na mira do transporte ferroviário de passageiros pelo Governo Federal. O assunto foi tratado entre o governador cearense Elmano de Freitas (PT) e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Na última terça-feira (9), Elmano revelou que, durante uma visita ao canteiro de obras da linha férrea no Centro-Sul do Estado, o presidente Lula solicitou que fossem realizados estudos para que a Transnordestina pudesse ser compartilhada entre cargas e passageiros no trajeto entre Fortaleza e o Cariri cearense.

A ferrovia ainda está em construção em território cearense e tem previsão de ser concluída entre o fim de 2026 e o início de 2027. Três trechos no Ceará já estão concluídos, que interligam atualmente as cidades de Missão Velha, na divisa com Pernambuco, e Acopiara, já no Centro-Sul do Estado.

Ferrovia Transnordestina avança
Legenda: Construção da Ferrovia Transnordestina se aproxima do Sertão Central
Foto: João Lavor/TLSA

A concessionária da linha férrea, a Transnordestina Logística S.A. (TLSA), também subordinada à CSN, informa por meio de nota que "não existe previsão de uso da ferrovia para trem de passageiros", mas que "nada impede que seja firmado um acordo entre a concessionária e o Governo do Ceará para operacionalizar esta alternativa quando a ferrovia estiver concluída".

Não há detalhes, no entanto, de como se daria esse transporte. Isso porque o traçado atual da Transnordestina em construção prevê que a linha férrea chegue ao Porto do Pecém passando por Caucaia, sem entrar em Fortaleza.

Ao contrário da futura ferrovia de passageiros entre a capital cearense e Sobral, cujo EVTEA está próximo de ser iniciado, a análise do compartilhamento entre cargas e passageiros na Transnordestina ainda não foi formalizada.

Passo importante, mas ainda tímido

Para além dos trens, VLTs e metrôs urbanos, que fazem importantes ligações entre cidades de diversas regiões metropolitanas do Brasil, a retomada de trajetos ferroviários de passageiros entre municípios mais distantes, ainda que em geral dentro do mesmo estado, significa o início de uma política importante, mas que precisa de passos mais ousados, conforme explica Rafael Calabria, especialista em mobilidade urbana.

Segundo o coordenador de Mobilidade Urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o esforço é reconhecido, mas "incipiente" para um País de dimensões continentais, sobretudo em um contexto de melhor aproveitamento do transporte de massa em detrimento dos individuais.

"A tendência de tornar mais eficiente o deslocamento e reduzir o impacto ambiental do uso de carros é muito pouca perto do que se precisa, perto do que o Brasil já teve no passado de redes ferroviárias. É uma representatividade muito pequena", lamenta.

Em paralelo, a gente vê o Ministério dos Transportes anunciando um monte de obra rodoviária, que na verdade tem uma questão que acaba estimulando o uso do carro e piorando as emissões poluentes. É um passo muito pequeno. É bom estar começando, mas ainda é muito aquém do que precisa.
Rafael Calábria
Especialista em mobilidade urbana

Ferrovia de passageiros Vitória-Minas
Legenda: Ferrovia de passageiros Vitória-Minas é a única que opera diariamente no transporte de pessoas no Brasil entre estados
Foto: Luiz Santana/Assembleia Legislativa de Minas Gerais

O especialista ainda é enfático em criticar o compartilhamento de vias entre cargas e passageiros. Para ele, a coexistência entre os dois tipos de composições ferroviárias acaba prejudicando o modal de transporte de pessoas, uma vez que a frequência das viagens fica abaixo da necessária para a demanda.

"Todos os pilotos estão saindo com esse modelo. Acaba prejudicando o teste que quer se fazer porque a gente deveria testar o trem com uma certa qualidade e ver se a população adere. A população vai ver que a frequência vai ser baixa, já vai ter menos interesse na viagem. É ruim já nascer com esse limitador. A gente estava planejando uma rede dedicada para passageiros, e isso mostra como o passo ainda é muito tímido", pontua.

Adequações necessárias

O surgimento das ferrovias regionais no Brasil como planejando integram a PNTFP, pendente de maior estruturação para se tornar um plano federal de longo alcance. O especialista ressalta que as seis em análise até retomam o que já ocorreu no passado, com interligações entre cidades distantes por linha férrea, mas ainda aquém do ideal e com o limitador do compartilhamento.

Ter um sistema nacional é muito importante para permitir viagens regionais, que antes era muito comum no Brasil, e torná-las mais acessíveis. Vai estimular muito a circulação entre cidades. O impacto sócio-econômico na sociedade é muito importante. Além disso, se a União abraçasse com mais dedicação esse tema, teria também impacto tecnológico, para desenvolver tecnologia para isso.
Rafael Calabria
Especialista em mobilidade urbana

Para Rafael Calabria, "o potencial é muito grande, mas do formato como está pensado, não vai chegar nesse ponto. O formato pensado hoje vai agilizar algumas conexões entre essas poucas cidades, com uma capacidade ainda baixa por ter que dividir trilho com carga".

Malha operacional FTL
Legenda: Malha operacional da FTL. Trajeto entre Fortaleza e Sobral e entre São Luís e Itapecuru Mirim seria compartilhado com a linha de cargas
Foto: FTL/Reprodução

A futura linha férrea entre Fortaleza e Cariri (no caso do uso da Transnordestina para cargas e passageiros) — que inicialmente não integra as ferrovias analisadas pelo Governo Federal e divulgadas —, aponta Calabria, já precisaria nascer maior do que o planejado para comportar um uso mais frequente da ferrovia.

"No caso de Fortaleza para o Cariri, o ideal seria que eles fizessem pelo menos com três pistas para conseguir ter algum manejo maior de frequência. Já nascer falando que vai dividir bitola, já nasce tímido. Como tem esse planejamento, já poderia dar uma dedicação um pouco a mais para conseguir ter todas as circulações necessárias de carga e de passageiros sem precisar ficar atrapalhando um ao outro", avalia.

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