Projeto do Governo Federal prevê trem de passageiros entre Fortaleza e Sobral

Linha já existiu no passado, mas entrou em desuso com desenvolvimento do modal rodoviário

Escrito por Luciano Rodrigues , luciano.rodrigues@svm.com.br
Transporte ferroviário de passageiros
Legenda: Trajeto entre Fortaleza e Sobral pode ser feito de trem em futuro próximo, como já acontece em outras partes do Brasil
Foto: ANTT/Divulgação

O Governo Federal estuda conceder seis trechos de linhas férreas — em projetos que incluem construção e operação de ferrovias exclusivas para o transporte de passageiros. Dentre elas, está a linha Fortaleza x Sobral, a maior em análise pelo Poder Executivo. O assunto foi tratado em coletiva do ministro dos Transportes, Renan Filho na quarta-feira (10).

“A gente está para divulgar um novo plano nacional para o desenvolvimento ferroviário. Já pactuei isso com o presidente Lula, tem vários investimentos, mas depende da disponibilidade financeira. O País não precisa mais de plano do que precisa ser feito sem apresentar o dinheiro”, disse.

Já existe uma linha férrea entre Fortaleza e Sobral, mas operada atualmente apenas com o transporte de cargas. O ramal hoje pertence à empresa Ferrovia Transnordestina Logística (FTL), que também opera ramais que ligam Sobral, no Ceará, a São Luís, no Maranhão.

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Ainda não está claro se a infraestrutura que poderá ser utilizada na futura ferrovia entre Fortaleza e Sobral será a mesma que hoje é destinada à locomoção de cargas. Atualmente, o Brasil conta com apenas duas linhas férreas para transporte regular de pessoas, ambas administradas pela empresa Vale, segundo informações disponibilizadas no site do Ministério dos Transportes: 

  • Vitória x Minas: linha que interliga a cidade de Cariacica (ES), na Região Metropolitana de Vitória (ES), à cidade de Belo Horizonte (MG). Tem 664 km de extensão em trajeto que pode ser feito em até 13 horas de viagem às margens do Rio Doce. Há 28 pontos de parada entre os municípios capixaba e mineiro. A operação é diária;
  • Carajás: linha que interliga São Luís (MA) a Parauapebas (PA). Tem 892 km de extensão e compartilha o trajeto de transporte de passageiros com cargas, principalmente minério de ferro. Há 15 pontos de parada entre Maranhão e Pará em percurso realizado em até 14 horas. A locomoção humana é feita em trens que partem três vezes por semana em cada destino. 

Novos ramais

O projeto de transporte de passageiros inclui, além da linha entre Fortaleza e Sobral, outros cinco trechos analisados pelo Ministério dos Transportes para concessão, em diversas regiões do País.

  1. Pelotas (RS) × Rio Grande (RS);

  2. Londrina (PR) X Maringá (PR);

  3. Brasília (DF) X Luziânia (GO);

  4. Salvador (BA) × Feira de Santana (BA);

  5. São Luis (MA) x Itapecuru (MA).

“O Ministério dos Transportes estuda a possibilidade de implantação de seis trechos dedicados ao transporte de pessoas sobre trilhos — não havendo ainda confirmação de quais poderão ser de fato implantados”, declara a pasta por meio de nota.

“Não há, no momento, definição prévia de modelo único de negócio para futuros empreendimentos, uma vez que cada situação pode exigir um modelo diferente. O Governo Federal está trabalhando na definição de uma carteira de projetos no País, para aprofundar estudos já considerando as principais diretrizes da minuta da PNTFP (Política Nacional de Transporte Ferroviário de Passageiros)”, completa o ministério. 

A ferrovia de transporte de passageiros em projeto mais avançado é o Trem Intercidades (TIC), que vai interligar as cidades de São Paulo e Campinas, no estado de São Paulo, em trajeto que gira em torno dos 100 km de extensão. A linha férrea deve ser concedida ainda no primeiro trimestre de 2024 com outros ramais urbanos da capital paulista.

Na previsão do Ministério dos Transportes para 2024, estão no planejamento a promoção de um novo pipeline de projetos ferroviários, com lançamento ainda no primeiro semestre, incluindo programas para o setor de transporte ferroviário de passageiros.

O ministro Renan Filho também frisou que o Governo Federal poderá, pela primeira vez, fazer aporte de dinheiro público em projetos privados na área de transportes: “[Isso é] para viabilizar projetos da área de transporte privados que não sejam viáveis apenas com recursos privados. A União nunca fez isso, e especialmente para transporte ferroviário de pessoas é fundamental”.

Início de rede estruturada

Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste, os estudos do Governo Federal visam atender a uma demanda reprimida para transporte de passageiros, primeiramente no nível regional.

Segundo Bruno Bertoncini, professor do departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), o Brasil já teve rotas mais consolidadas no transporte ferroviário de passageiros, mas ainda na primeira metade do século XX, o modal ficou, aos poucos, subutilizado.

“O Brasil teve durante um bom tempo a presença de uma malha muito abrangente para o movimento de pessoas. Com o passar das décadas, você começa a ter algumas mudanças na política de transportes onde você começa a observar uma expansão do setor rodoviário”, relembra o docente.

Ferrovia de passageiros Vitória-Minas
Legenda: Ferrovia de passageiros Vitória-Minas é a única que opera diariamente no transporte de pessoas no Brasil entre estados
Foto: Luiz Santana/Assembleia Legislativa de Minas Gerais

Algumas dessas linhas, como o trecho entre Fortaleza e Sobral, já apresentam infraestrutura férrea, atualmente ou utilizada para o transporte de cargas ou até mesmo sem uso. Para Bruno Bertoncini, isso pode facilitar o desenvolvimento do setor da locomoção humana no País, ainda que com uma tecnologia distante da ideal.

“Uma das características que se observa é de que alguns trechos já têm malha ferroviária, algumas ociosas. Isso facilita algumas questões, particularmente as que envolvem desapropriação e o próprio terreno. Algumas dessas vias que já estão edificadas não teriam condições de receber o transporte de passageiros, por uma questão de bitola, projeto geométrico e industrial”, avalia.

O professor da UFC também pondera que o transporte ferroviário de passageiros pode suprir a demanda pouco atendida através da aviação regional, e pode fomentar o desenvolvimento de polos regionais ao longo do percurso da via.

(Os trens) podem trazer passageiros que gostariam de usufruir de um transporte um pouco mais rápido do que o rodoviário. Parece que, nesse aspecto, você tem um acerto nessa escolha até certo ponto. Vai ser importante todo um estudo de demanda, ter um olhar para esses locais que estão sendo ventilados para identificar qual vai ser o perfil da demanda, se a modalidade de operação vai ser diária, qual vai ser a frequência de expedição dos trens, tudo isso vai ser importante.
Bruno Bertoncini
Professor de Engenharia de Transportes da UFC

A visão do professor da UFC é parecida com a de Rafael Calabria, coordenador de Mobilidade Urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que acredita que os seis projetos em estudo indicam uma tentativa de planejamento de uma rede estruturada de trens de passageiros em todo o País.

“Ter esses pilotos iniciando é muito importante, porque a gente precisa reverter esse cenário do Brasil não ter uma rede de trens nacional. Governos dos anos 1990 acabaram desmontando a rede e isso não foi retomado. É um passo essencial para estabilidade da mobilidade, para o impacto social e econômico que isso gera ao nível, territorial, do desenvolvimento regional”, explica.

Com o Brasil ainda engatinhando no transporte ferroviário, atualmente concentrada e pouco distribuída no território nacional, Rafael Calabria projeta que as rotas regionais destacam que o projeto futuro pode prever a interligação entre as principais cidades do País.

“As rotas são regionais, vão atender demandas interligando cidades com conexões importantes, mas é necessário a gente caminhar para ter uma rede maior, interligando Salvador e Fortaleza, São Paulo a Brasília, toda a costa do Nordeste. As regionais são o começo disso, já vão atender a uma população desse tipo de deslocamento com preço mais acessível, é um passo importante”, pontua o coordenador de mobilidade do Idec.

 

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