Mesmo com prejuízo, FTL quer renovar concessão de ferrovia entre Fortaleza e São Luís por 35 anos
Empresa é herdeira do contrato da antiga Rede Ferroviária Federal S.A., privatizada em 1997
Os 1.237 quilômetros (km) de trilhos que interligam Fortaleza a São Luís (MA) estão no centro da discussão pela Ferrovia Transnordestina Logística (FTL). A empresa, que já é concessionária do trecho, quer renovar o contrato que permite a utilização da linha férrea por mais 35 anos, mesmo sendo deficitária.
É o que garante Tufi Daher Filho, presidente da FTL e da Transnordestina Logística S.A. (TLSA), em entrevista exclusiva ao Diário do Nordeste. As duas empresas são subordinadas à Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), e detêm a responsabilidade do transporte de cargas em boa parte do Nordeste brasileiro.
A renovação da concessão da ferrovia, chamada pela FTL de "malha operacional", vem acompanhada do processo de devolução da maior parte dos trilhos no Nordeste. O contrato, herdado da antiga Companhia Ferroviária do Nordeste (CFN) após a privatização da extinta Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), em 1997, concedeu à empresa logística mais de 4 mil km de trilhos.
A concessão atual da FTL prevê que o contrato, firmado ainda durante a privatização da RFFSA, se encerre em 2027. Caso a renovação aconteça, a empresa ficará responsável por administrar o transporte de cargas pelo menos até 2062 entre São Luís e Fortaleza.
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Malha operacional x malha não operacional
Ocorre que a maioria desse percurso não é utilizada pela FTL atualmente, no trecho chamado de "malha não operacional". Isso inclui a antiga ferrovia que interligava Fortaleza ao Crato, bem como longos trajetos ferroviários nos estados de Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
O atual contrato de concessão da malha inclui as ferrovias que passam pelos sete estados (Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas) e é válido por 30 anos, com validade em 2027.
De acordo com o presidente da FTL, já estão em andamento tratativas com o Governo Federal, por meio da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), para devolver a malha não operacional.
Atrelada à devolução, está um processo de indenização a ser paga ao Poder Público. Segundo Tufi Daher, o objetivo é que o valor a ser arrecadado pelo Governo Federal seja destinado para o reinvestimento na malha ferroviária operacional, hoje voltada no Brasil sobretudo para o transporte de cargas, como o próprio trecho entre São Luís e Fortaleza.
Ato contínuo à devolução dos trechos, a nossa proposição é do reinvestimento na malha. Está aliado a uma extensão da concessão por mais 35 anos para a gente ter tempo de remodelar toda essa malha. Somente depois da metade desse tempo é que a gente pode ter algum resultado com a ferrovia. É um resultado de longuíssimo prazo".
"A FTL hoje ainda é uma empresa deficitária"
O assunto é tratado em grupo de trabalho (GT) composto por membros da FTL, do Dnit, da ANTT e do Ministério dos Transportes. Tufi Daher reforça que o investimento na malha operacional não tem características de ter uma lucratividade a curto prazo.
"Me perguntaram lá no GT assim: 'se esse negócio dá prejuízo, por que vocês querem renovar?'. É uma pergunta importante para responder. A CSN pensa em um futuro de longuíssimo prazo. Se fosse pensar em retorno de curto prazo, não faria nada. É um grupo que está se consolidando no Nordeste e pensando a longo prazo", pontua.
O prejuízo que entrou em discussão também foi destacado pelo presidente da FTL na entrevista. Ele pondera que, atualmente, a atuação da empresa ainda é "deficitária" no Nordeste brasileiro, questão causada pelo volume carregado pela ferrovia, "aquém do potencial" da região.
A FTL vive muito do direito de passagem que tem lá no Porto de Itaqui (São Luís). A grande receita vem disso, mas a gente deve melhorar com as remodelações que estamos fazendo, com a atratividade dos clientes que estamos negociando. Transportamos carga em geral, mas em um volume muito aquém do potencial que existe na região.
Os planos da companhia incluem ainda a conexão com o Porto do Pecém, que futuramente terá uma ferrovia em bitola mista, isto é, capaz de receber trens que trafegam em bitolas métrica (1000 mm, operados pela FTL) e larga (1600 mm, operados futuramente pela TLSA com a Transnordestina).
Conexão com Transnordestina
Atualmente avançando nas obras em direção ao Sertão Central cearense, a Ferrovia Transnordestina, construída pela TLSA, vai se conectar com a FTL nas proximidades do Porto do Pecém.
A integração entre ambas as linhas férreas é vista como "salutar" por Tufi Daher, principalmente pelas características complementares das cargas a serem transportadas pelas duas ferrovias.
Além disso, o presidente da FTL vislumbra um desenvolvimento ainda maior do Porto do Pecém com a chegada de mais cargas oriundas do Maranhão pela sobrecarga em São Luís.
O tipo de carga é diferente, a FTL atende muito mais carga geral. Ela tem um potencial, desde que recuperada. Só de minério, que a gente não transporta nada hoje, tem cerca de quatro milhões de toneladas que a gente pode capturar quando essa linha tiver remodelada por ano".
O volume destacado por Tufi Daher é 38% superior ao que atualmente é transportado pela FTL. Em 2023, a empresa movimentou pela ferrovia entre São Luís e Fortaleza 2,9 milhões de toneladas úteis. Desse total, o destaque fica para celulose (1,6 milhão de toneladas).
"O Porto do Itaqui está completamente sobrecarregado já para as grandes trades, imagina para o pequeno produtor. O cara fica até 70 dias com a sua carga parada lá sem poder escoar por não ter opção, ou de berço, ou de atracação de navio, ou de fila para descarga. O produtor prefere pagar um pouquinho a mais na tarifa para trazer isso no futuro para o Pecém andando uma distância um pouco maior, mas carregar em um, dois dias", completa.
Com a conclusão desse trecho, Tufi Daher projeta que a FTL poderá dar melhores resultados operacionais, principalmente por desafogar o Porto de Itaqui, que já recebe outras conexões ferroviárias da Estrada de Ferro Carajás (EFC), que traz cargas do interior do Pará, e da Ferrovia Norte-Sul, que se conecta à EFC no Maranhão.
O Porto de Itaqui está sobrecarregado, principalmente para os pequenos produtores. O pequeno produtor que quer sair do Maranhão não consegue vir para Itaqui, mesmo a distância sendo pequena, então a opção logística vai ser o Pecém. Vamos trazer carga pela FTL dessa região do Maranhão, onde a gente já está fazendo transporte de grãos, para o Pecém muito em breve. (…) Tão logo a gente tenha segurança operacional para trazer para o Porto do Pecém, tenho certeza que tem potencial.
Remodelação da linha férrea São Luís — Fortaleza
A malha operacional da FTL atualmente está em remodelação no trecho entre São Luís e Teresina. De acordo com Tufi Daher, o objetivo é modernizar o percurso, que ainda conta com muitos trechos com linha férrea com dormentes (materiais geralmente retangulares que ficam embaixo dos trilhos e fazem a sustentação da ferrovia) de madeira, com vários locais em processo avançado de deterioração.
"Já começamos o processo de remodelação no que a gente chama de linha direta entre São Luís e Teresina. É um trecho que a gente transporta produtos perigosos, combustíveis principalmente. A gente já tem mais de 160 km totalmente remodelados, continuamos com a remodelação, e como temos uma fábrica de dormente de concreto em Salgueiro (PE), adaptamos uma das pistas e estamos produzindo dormente de bitola métrica também", diz.
Um desses locais é o trecho que passa por dentro da cidade de Nova Russas, no Sertão de Crateús, no Ceará. Na cidade, o presidente da FTL explica que estão sendo substituídos os dormentes de madeira por concreto, assim como já acontece na construção da Transnordestina.
Nova Russas era um trecho em que os dormentes de madeira já estavam bastante apodrecidos, o índice de acidentes estava muito alto. Isso já é o início do plano de remodelar toda essa linha e vamos continuar. Se a gente renovar realmente a concessão, a ideia é trazer não só uma pista, mas trazer três pistas para algum ponto entre São Luís e Fortaleza e montar a fábrica de dormente de concreto na beirada da linha porque isso facilita muito a produtividade e o transporte logístico.