Por que bons profissionais podem fracassar na liderança?

É comum vermos profissionais brilhantes, altamente comprometidos e tecnicamente excepcionais sendo promovidos a cargos de liderança. O raciocínio parece simples: se ele entrega mais, destaca-se e domina o que faz, por que não liderar a equipe? Será que isso realmente funciona?
Veja também
O declínio de Anelory
Ane, como era carinhosamente chamada pelos colegas, sempre foi referência de entrega e determinação. Cumpria todas as metas — por mais desafiadoras que fossem — e era presença constante entre os campeões de vendas. Sua garra, carisma e capacidade de se conectar com os clientes chamavam a atenção da liderança.
Ingressou na empresa como assistente comercial e, com o tempo, conquistou seu espaço, tornando-se um nome forte dentro do time. Quando sua supervisora pediu demissão, a empresa precisava agir rápido. Em reunião, o nome mais óbvio surgiu sem resistência: Ane. Apesar de relutar no início, acabou sendo convencida a aceitar o novo desafio.
Ao assumir a supervisão, foi bem recebida pela equipe, mas não demorou para perceber que a nova função exigia habilidades bem diferentes daquelas que a tornaram destaque em vendas. Gestão de pessoas, planejamento, mediação de conflitos, alinhamento com outras áreas…, nada disso fazia parte da sua zona de domínio — e tampouco lhe trazia satisfação.
Aos poucos, Ane foi perdendo o brilho. A energia que antes a movia deu lugar à exaustão, e o entusiasmo cedeu espaço à frustração. Após seis meses, pediu demissão. O que deu errado?
A história de Ane não é uma exceção, isso acontece o tempo todo dentro das organizações. Essa lógica, embora bem-intencionada, costuma falhar na prática. É comum ver empresas perdendo talentos por tomadas de decisão precipitadas. Nem sempre o melhor colaborador em sua função é a indicação mais adequada para um cargo de liderança.
A liderança exige um conjunto de habilidades completamente diferentes da performance técnica. Saber entregar resultados não é o mesmo que saber inspirar, desenvolver, ouvir, negociar, tomar decisões difíceis ou sustentar uma visão coletiva. Além disso, a vontade do colaborador deve ser levada em consideração. Ane, provavelmente, cedeu porque ficou com receio de como seria vista pelos seus superiores caso recusasse a proposta.
Problemas mais comuns ao contratar alguém sem perfil para liderança
Quando promovemos alguém com alta performance, mas sem perfil ou preparo para liderar, os impactos são sentidos rapidamente — por ele, pela equipe e pela organização. Entre os problemas mais comuns, podemos destacar:
- Perda de talentos, pois profissionais que não se adaptam à liderança, dificilmente retornam aos seus cargos anteriores. É mais provável que saiam da empresa.
- Queda no engajamento da equipe, que passa a ser conduzida por alguém que não sabe lidar com pessoas ou não oferece direcionamento claro.
- Microgestão e centralização de tarefas, pois o novo líder tem dificuldade em delegar e confia apenas em seu próprio método.
- Conflitos interpessoais mal geridos, já que a escuta ativa, a empatia e o manejo de tensões não foram desenvolvidos.
- Clima organizacional desgastado, com insegurança, ruídos na comunicação e alta rotatividade.
- Sobrecarga emocional no próprio líder, que sente que “perdeu” aquilo que fazia bem e agora precisa navegar em um território desconhecido — muitas vezes sem apoio.
Como identificar alguém com perfil para liderar?
É fundamental que as empresas criem critérios claros e processos estruturados para identificar quem realmente tem competência para liderar e deseja isso para sua carreira profissional. Algumas ações eficazes incluem:
- Ter clareza quanto ao perfil de liderança que a empresa precisa. Isso servirá como bússola para as tomadas de decisão.
- Estimular que líderes conheçam as aspirações de seus liderados, para que possam direcionar sua atuação e desenvolver sucessores intencionalmente.
- Avaliar comportamentos, não só resultados! Observar como o profissional se relaciona com os colegas, lida com pressões e colabora com o time.
- Aplicar assessments de perfil e de competências socioemocionais, que ajudam a mapear o potencial de liderança.
- Oferecer experiências de liderança informais, como coordenação de projetos ou mentoria de pares, antes de uma promoção formal.
- Investir em programas de desenvolvimento de líderes, que combinem autoconhecimento, prática e feedback estruturado.
- Incluir a escuta da equipe no processo — a percepção do grupo sobre quem já exerce influência e apoio pode revelar lideranças naturais.
Isso não significa que grandes talentos não possam se tornar líderes. Mas é preciso investir no desenvolvimento dessas competências antes de entregar a eles uma equipe inteira para conduzir. Promover alguém deve ser um movimento de reconhecimento, mas também de responsabilidade. O desafio está em identificar não só quem entrega mais, mas quem está preparado para liderar com consciência, consistência e humanidade.
Se você recebeu um convite para liderar e não se identifica com essa missão, seja honesto. Compreendo que algumas empresas não abrem espaço para uma conversa franca e honesta e que, por vezes, não olha com bons olhos os que negam essa ‘oportunidade’. No entanto, reflita sobre o que deseja para a sua carreira, sobre as perdas e os ganhos da sua decisão, e seja fiel e transparente.
Compartilhe suas reflexões, perguntas ou sugestões no Instagram: @delaniasantosds. Inscreva-se também no meu canal no YouTube: @delaniasantoscoach. Vamos juntos nessa jornada!