Os cerca de 600 quilômetros (km) em linha férrea entre Fortaleza e o Crato, na Região Metropolitana do Cariri, que, no passado, interligavam as duas cidades, não deixaram simplesmente de existir. A ferrovia continua instalada, mas hoje não tem mais operação regular, situação que pode mudar em breve de acordo com estudos de autoridades ferroviárias.
O tema foi tratado por Tufi Daher Filho, presidente da Ferrovia Transnordestina Logística (FTL) e da Transnordestina Logística S.A. (TLSA), em entrevista exclusiva para o Diário do Nordeste. Ambas as empresas são subordinadas à Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e são responsáveis pelo transporte de cargas no Nordeste brasileiro.
Trata-se do maior trecho ferroviário existente no Ceará, interligando a Capital à região do Cariri, próximo à divisa com Pernambuco. A linha férrea, assim como o trajeto entre Fortaleza e Crateús (que integra a ferrovia São Luís — Fortaleza), pertencem à FTL. A ferrovia não utilizada é classificada como "malha não operacional".
Além de cortar o Ceará de norte a sul, o percurso ferroviário definido como não operacional pela empresa concentra mais de 2,5 mil km e passa pelos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas (até a divisa com Sergipe), bem como as respectivas capitais: Natal, João Pessoa, Recife e Maceió.
A cidade potiguar, por exemplo, utiliza parte da ferrovia para o transporte de passageiros através do Sistema de Trens Urbanos de Natal, operado pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU).
A situação é similar a que ocorre em Teresina (PI) e em Sobral (CE), onde o mesmo tipo de locomoção é compartilhada com a linha férrea de cargas, no caso a malha operacional da FTL.
Segundo Tufi Daher, um grupo de trabalho (GT) incluindo representantes do Ministério dos Transportes, Agência Nacional de Transportes Terrestres (Antt) e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) estuda a devolução da malha não operacional para o Governo Federal.
A RFFSA fez investimentos vultuosos no Sul, Sudeste e Centro-Oeste para depois ser privatizada. No Nordeste, esses investimentos foram praticamente nulos. A malha que veio para FTL, antiga CFN, veio completamente sucateada. Os investimentos apontados por estudos da UFC, do TCU, apontavam que o investimento para viabilizar isso era tão grande que o retorno financeiro era impraticável com o transporte de cargas, não havia carga suficiente para retornar esse investimento".
Como utilizar a ferrovia então?
O presidente da FTL explica que boa parte da linha férrea é em bitola métrica (1000 mm) utilizando infraestrutura já defasada, cujo transporte de cargas se torna inviabilizado Ao invés disso, a vocação da malha não operacional é transportar passageiros, assim como já ocorreu no passado.
"Ela é própria para trens de passageiros, nunca foi transportado uma grama de carga, mas mesmo assim como veio no contrato de concessão, era uma obrigação da empresa, que tem pago religiosamente as outorgas, mas desde sempre a gente pediu e temos tudo documentado a devolução disso ao Poder Público. (…) O grupo de trabalho definiu o que deveria ser devolvido à União e qual a parte que caberia de indenização pela empresa ao Estado Brasileiro para devolver essa malha totalmente inoperante", aponta.
Tufi Daher reforça que a FTL não tem interesse no uso da ferrovia, seja ela operacional ou não operacional, para transporte de passageiros. Os trechos que serão devolvidos ao Poder Público foram defendidos para a retomada da locomoção de pessoas, mas em trechos mais curtos.
"Essas malhas podem ser sim aproveitadas, não na sua extensão toda, mas para trens de passageiros locais. Tem várias cidades que tem 10, 12 km que você pode, com investimentos até de pequena monta, fazer trens urbanos, seja VLT, seja a maneira que for. A gente está tratando disso na Paraíba, em Alagoas, aqui no Ceará", pondera.
Vale lembrar que a malha não operacional da FTL não é a que está em estudo pelo Governo do Ceará e pelo Governo Federal para o transporte de passageiros entre Fortaleza e o Cariri. O trecho atualmente em discussão será o da Ferrovia Transnordestina, que ainda está sendo construída pela TLSA, tem 608 km e vai interligar o Porto do Pecém (CE) à cidade de Eliseu Martins (PI).
"A gente chegou em um consenso desse GT, que foi finalizado na semana passada depois de três meses de reuniões intensas, eu liderei todas as reuniões pela concessionária. E agora isso evidentemente vai ser submetido ao TCU, para que o TCU possa arbitrar e verificar se aquilo que o GT está levando possa ser viabilizado, e que essa indenização se reverta para o próprio transporte de ferrovias no Brasil", completa o presidente da FTL.
"Gota de água na chapa quente"
Possíveis indenizações a serem pagas ao Estado pela FTL devem ser revertidas para investimentos em malhas operacionais do transporte de cargas no Brasil, conforme explica Tufi Daher, fazendo uma analogia de que os recursos não podem imediatamente chegar ao Tesouro Nacional e serem redirecionados para outras áreas.
No Tesouro Nacional, isso não dura horas, é uma gota de água na chapa quente. Todas as ferrovias e o Ministério do Transporte defendem que esse recurso seja revertido para a própria logística brasileira, na melhoria das linhas existentes operacionais. Esse é o nosso plano com a FTL: remodelar o trecho entre São Luís e Fortaleza, deixando uma ferrovia padrão mundial. Claro que isso leva tempo, mas é um patrimônio público, da União, que quando devolvermos, não vai ter nenhuma no Brasil".
Oficialmente, a FTL está em processo de remodelação em alguns trechos ao longo da malha operacional, como no trecho entre São Luís e Teresina. A empresa tem concessão válida da linha férrea por 30 anos, em contrato que se encerra em 2027. Atualmente, existem tratativas para renovação da concessão por mais 30 anos.