ONS pede cautela no escoamento de energia renovável pelo Ceará sob risco de colapso do sistema
Estado é um dos mais afetados e 'desperdiçou' milhões de megawatts-hora em quatro anos.
Os cortes de geração das usinas de energia renovável do Ceará não devem ser solucionados antes de 2029. A previsão é do Plano da Operação Elétrica de Médio Prazo (PAR/PEL) do Operador Nacional do Sistema (ONS), divulgado na última semana.
O documento aponta que é necessário restringir o escoamento da geração renovável para mitigar o risco de colapso no sistema de transmissão. O corte, também chamado de curtailment, ocorre com mais frequência desde outubro de 2021.
Como há uma produção de energia muito superior à capacidade do sistema de transmissão, os empreendimentos são obrigados a interromper a geração para não sobrecarregar a infraestrutura.
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Em quatro anos, as usinas renováveis cearenses deixaram de gerar 3,3 milhões de megawatts-hora (MWh), o equivalente para abastecer 16 milhões de casas.
A situação deve se manter até dezembro de 2029, quando entram em operação obras estruturantes do sistema de transmissão de energia.
O Ceará deve receber mais de 1.400 quilômetros em linhas de transmissão e três novos compensadores síncronos, que regulam a tensão e o fator de potência de sistemas elétricos.
Mas mesmo com a entrada dessas obras, empreendimentos renováveis podem precisar interromper a geração. “Poderá haver necessidade de restrições de geração para prevenir riscos de colapso de tensão”, aponta o documento do ONS.
ACÚMULO DE PREJUÍZOS
Com o prolongamento dos cortes, as empresas de geração de energia acumulam prejuízos, destaca Adão Linhares, diretor do Sindicato das Indústrias de Energia e de Serviços do Setor Elétrico do Ceará (Sindienergia-CE).
“Você tem perdas econômicas para as usinas cortadas, aumento do risco regulatório, ou seja, judicialização das empresas solicitando ressarcimento. Há ainda limitação de novos investimentos. Enquanto estiver desse jeito, ninguém vai investir”, alerta.
O diretor ressalta que a defasagem da infraestrutura nordestina é um gargalo antigo de desenvolvimento regional. O problema só está sendo recebendo a atenção devida, na visão de Adão Linhares, devido ao risco de colapso geral.
“Existe uma burocracia, uma governança para a execução dos planejamentos, mas poderiam agilizar isso de uma outra forma. Essas obras emergenciais atendem 4 GB de cargas, mas é apenas uma porcentagem do que é necessário”, avalia.
As empresas do setor tiveram um prejuízo de R$ 69 milhões em novembro devido aos cortes determinados pelo ONS, aponta levantamento da Volts Robotics, que faz análises sobre o setor energético.
O Estado concentrou 28,81% dos cortes em novembro, sendo o terceiro mais afetado, atrás apenas do Rio Grande do Norte.
SETOR PEDE REFORÇO EM ÁREAS CRÍTICAS
O plano do ONS estipula R$ 28,1 bilhões em investimentos até 2030, com construção de 5.301 novos quilômetros em linhas de transmissão. A potência nominal instalada deve aumentar 5,7%, com ampliação do intercâmbio entre as regiões.
Além dos investimentos previstos, é preciso antecipar reforços em áreas críticas do Nordeste, avalia Rodrigo Sauaia, presidente executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar).
Também é preciso investir em soluções para armazenar energia e integrar empreendimentos de grande carga, como data centers e plantas de hidrogênio verde.
“Temos também grandes expectativas sobre a Política Nacional de Acesso ao Sistema de Transmissão, que permitirá identificar sinergias importantes para geração e carga para fins de planejamento da transmissão”, aponta.
A Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) reitera que novas soluções são essenciais para mitigar os impactos dos cortes na região Nordeste.
“Os cenários de corte de geração no Ceará no curto e médio prazos permanecem significativamente preocupantes, mas a partir de 2027 e até 2029, a expectativa é que as restrições de geração e as condições operativas sejam mais favoráveis”, aponta a organização.
SITUAÇÃO CRÍTICA EXIGE MÚLTIPLAS SOLUÇÕES
Além do descompasso entre os sistemas de geração e transmissão de energia, o curtailment também é motivado pela 'falta de demanda', destaca Kleber Lima, professor do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Ceará (UFC).
“Hoje, nós temos mais geração do que demanda de carga. E isso desequilibra o sistema, o que também faz necessário o corte forçado na geração”, explica.
Para esse problema, o ONS propõe instalar 3 gigawatts de potência ao sistema. Devem ser instalados cinco novos compensadores síncronos em Morada Nova, Quixadá e Açu. A expectativa é que o leilão para esses investimentos ocorra em março de 2026, sem previsão para a instalação dos equipamentos.
Kleber Lima aponta que medidas mais caras, como a conexão de baterias, são necessárias e compatíveis ao cenário crítico. Além dos prejuízos às empresas e do desperdício de energia limpa, os cortes têm impacto direto no bolso dos consumidores.
“Há troca da geração de energia elétrica a partir de renováveis, portanto, energia limpa, por energia baseada em combustíveis fósseis. E o uso de termelétricas impacta diretamente no aumento do custo da energia, o que se traduz em aumento na conta de energia elétrica para nós consumidores”, explica.