O que deve mudar com a abertura do mercado livre de energia para consumidores residenciais?

Mudança foi uma das propostas aprovadas na Reforma do Setor Elétrico.

Escrito por
Mariana Lemos mariana.lemos@svm.com.br
Imagem de infraestrutura de energia elétrica do Brasil.
Legenda: Mercado livre de energia será aberto para todos os consumidores em 2028.
Foto: Agência Brasil.

Você já imaginou como seria ter liberdade para escolher a fornecedora de energia, assim como acontece com serviços de internet ou TV por assinatura? Isso será realidade para as famílias brasileiras dentro de três anos, com promessa de redução na conta de luz, que é uma das principais vilãs do orçamento.

A abertura do mercado livre de energia para todos os consumidores brasileiros foi uma das propostas aprovadas na Reforma do Setor Elétrico, encabeçada pelo Governo Federal e sancionada em novembro último após mudanças no Congresso Nacional. 

A legislação estabelece um prazo de 36 meses - até novembro de 2028, - para que os clientes residenciais possam decidir livremente a empresa fornecedora de energia.  

Atualmente, o fornecimento para consumidores residenciais e rurais é feito obrigatoriamente pelas distribuidoras concessionadas, como a Enel Distribuição Ceará, encarregada da oferta de energia nos 184 municípios cearenses

No ambiente livre, as concessionárias continuam responsáveis pela distribuição, mas a energia pode ser fornecida por qualquer empresa. Com a competitividade, a conta de luz pode ficar até 18% mais barata, segundo levantamento da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel). 

REAJUSTE PREVISÍVEL EM CONTRATO

A possibilidade de negociar também permite outras vantagens aos consumidores, destaca Rodrigo Ferreira, presidente-executivo da Abraceel. 

“No mercado liberalizado, você encontra todo tipo de produto. Tem empresa que oferece eletricista gratuito, voucher para determinados serviços. Há também assinaturas conjuntas com serviços de telecomunicação, por exemplo. A criatividade fala mais alto para criar produtos sob demanda para grupos de consumidores”, comenta. 

A negociação também pode garantir previsibilidade de reajuste nas tarifas, utilizando como base o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), inflação oficial do país, por exemplo. As empresas podem ofertar revisões tarifárias a médio e longo prazo. 

No mercado cativo, o reajuste anual é definido com base nos custos operacionais da concessionária, com possibilidade de grande variação. Em 2025, os consumidores cearenses tiveram uma redução média de 2,1% nas tarifas. Já em 2024, houve uma alta de 24%. 

Além da economia, uma das premissas das empresas é garantia de utilização de energia renovável, com concessão de selos de sustentabilidade para os negócios consumidores. 

MERCADO LIVRE JÁ ATENDE 2,4 MIL CONSUMIDORES NO CEARÁ

O mercado livre de energia no Brasil surgiu há 21 anos, com objetivo de modernizar o setor e incentivar investimentos na geração de energia. Foram beneficiados primeiramente estabelecimentos de grande porte, como indústrias.  

Desde 2024, o ambiente de livre negociação passou a englobar todos os consumidores da alta e média tensão, como empresas e hospitais. Os consumidos da baixa tensão (residências e pequenos estabelecimentos) serão integrados até novembro de 2028.  

Na prática, o consumidor segue pagando a fatura da concessionária local referente à distribuição da energia, e paga também as faturas referentes à compra da energia das empresas escolhidas. A migração é opcional: os consumidores podem continuar a utilizar a distribuidora estadual como fornecedora de energia.

O Ceará tem 2.471 unidades com contratos de energia negociados, número que cresceu 33% entre janeiro e setembro de 2025. São contratos de grandes volumes de energia: os consumidores livres são responsáveis por mais de 26% de todo o consumo de energia elétrica no Estado.  

A Arena Castelão e o Centro de Eventos, por exemplo, estão entre os equipamentos públicos que migraram para o mercado livre. A gestão estadual economizou, em um ano, quase R$ 12 milhões em gastos com energia.  

No setor privado, o parque aquático Beach Park e shoppings de Fortaleza também são exemplos de clientes do mercado liberalizado. 

ALTA DEMANDA DEVE MOVIMENTAR SETOR

A alta demanda deve movimentar o setor, com o crescimento das empresas varejistas de energia, aponta Adriana Sambiase, gerente executiva da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

O mercado abrange, atualmente, 140 comercializadoras varejistas, entre pequenas e grandes empresas. “A gente vê, como em outros países, uma tendência de fusão dessas empresas para elas ficarem maiores e fortes. Observamos uma movimentação grande desses fornecedores para dar conta e receber os consumidores”, explica. 

Ela destaca o Ceará como um dos mais dinâmicos no mercado livre de energia do Nordeste. Neste ano, as unidades cearenses que mais migraram para o mercado livre de energia são dos setores de serviços, comércio, alimentício e de saneamento. 

“Nos próximos 24 anos, com abertura total para indústria e comércio, tende a ter um crescimento bem forte, principalmente de serviços, tendem a ter uma migração imediata. E depois isso vai se normalizando, porque temos um grupo de consumidores que vão demorar um pouco para de fato entender e tomar a decisão”, avalia. 

Durante a transição para a abertura total do mercado, as empresas devem investir na conscientização dos consumidores e na adaptação para atender os critérios definidos em lei.

“O consumidor tem que estar consciente de que a entrega física da energia vai continuar sendo pela distribuidora local. A expectativa é que a distribuidora tenha cada vez mais foco na entrega da energia. Saindo um pouco desse serviço de venda, focando seus investimentos na rede, para trazer maior segurança na entrega da energia”, avalia. 

Como ficará a fiscalização desse serviço?

Apesar da abertura para livre negociação, as empresas do varejo de energia precisam seguir regulamentação e são fiscalizadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), assim como no mercado das concessionárias estaduais. 

A abertura do mercado prevê medidas regulatórias para mitigar riscos às distribuidoras, como o pagamento de encargos pelas empresas do mercado livre para compensar os custos decorrentes da migração.

Embora a migração permita a redução das tarifas, é preciso se atentar para a situação dos consumidores que decidirem permanecer com a distribuidora local, aponta Monica Banegas, assessora de projetos de justiça energética do Instituto Pólis.

“Com cada vez mais pessoas saindo do mercado regulado, acaba deixando uma conta muito grande para ser fatiada por menos pessoas. Pelo jeito que está sendo posto, parece que vai ficar inviável você ficar no mercado regulado. E eu me pergunto: é isso que o governo quer?”, pondera.

Monica Banegas ressalta que o ambiente de contratação livre promete reduzir ineficiências presentes no mercado regulado, sobretudo aos consumidores residenciais, mas é preciso lapidar a regulamentação do mercado. 

A legislação também deve garantir a proteção dos consumidores em caso de quebra de contrato ou inoperância da empresa fornecedora de energia, já que a energia é um item indispensável. 

O projeto de lei sancionado prevê a criação de um Supridor de Última Instância, que deve garantir o fornecimento dos consumidores temporariamente após encerramento inesperado de contratos.

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