Qual o desempenho das escolas de tempo integral do Ceará no Ideb 2023?

Unidades estaduais com carga horária ampliada tiveram notas mais altas que as escolas regulares

Escrito por Gabriela Custódio , gabriela.custodio@svm.com.br
Fachada da EEEP Guilherme Teles Gouveia, escola agrícola, com pessoas na frente
Legenda: Escola de Ensino Profissional Guilherme Teles Gouveia, na zona rural de Granja
Foto: Fabiane de Paula

As escolas de ensino médio em tempo integral (EEMTI) e de educação profissional (EEEP) do Ceará atingiram média mais alta do que as de ensino regular no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2023, que avalia a qualidade de ensino no Brasil. Enquanto as primeiras ofertam carga horária de aulas expandida, as últimas têm aulas apenas em um turno.

No ano passado, a média das notas no Ideb foi de 4,73 nas unidades de tempo integral ou profissional, e de 4,16 nas regulares. Essa diferença também ocorreu nas três avaliações anteriores do indicador, em 2017, 2019 e 2021. A nota do Ideb varia de 0 a 10.

A análise foi feita pelo Diário do Nordeste a partir dos resultados do Ideb para o Ensino Médio por escola, que foram divulgados pelo Ministério da Educação (MEC) no dia 14 de agosto, e da classificação de cada instituição de ensino estadual, informação disponibilizada pela Secretaria da Educação do Ceará (Seduc).

Após o cruzamento entre as duas tabelas, a lista considerada para essa análise contou com 335 escolas de tempo integral, 122 de educação profissional e 181 instituições de ensino regulares. As unidades de tempo integral e profissional foram consideradas um só grupo e o desempenho delas foi comparado ao das regulares nas últimas quatro edições.

Além da média, a reportagem calculou a mediana das notas no Ideb. Ao contrário da média, esse valor não é “puxado” para cima ou para baixo por resultados extremos, como uma única escola em um grupo que tenha tirado nota muito alta ou muito baixa.

Um exemplo hipotético: em um grupo de cinco pessoas com 2, 5, 9, 12 e 40 anos, a média das idades seria de 13,6 anos, enquanto a mediana seria de 9. A mediana divide o grupo exatamente ao meio, e metade das pessoas teriam menos do que 9 anos e a outra metade, mais. Nesse caso, a média de idade é “puxada para cima” pelo indivíduo de 40 anos.

Dessa forma, ainda que se considere a mediana das notas do Ideb em cada grupo, as instituições de tempo integral ou profissional tiveram um desempenho mais alto. Em 2023, por exemplo, a mediana das notas dessas escolas foi 4,6 e a das unidades regulares, 4,1.

Também é possível observar os desempenhos extremos entre as escolas de cada grupo. Ao longo dos quatro anos, as notas máximas obtidas por escolas de tempo integral ou profissional foram mais altas do que os maiores resultados obtidos entre escolas regulares.

No ano passado, por exemplo, a Escola de Ensino Médio (EEM) Antônio Pereira de Farias, de Ipu, teve nota 6,2 no Ideb, enquanto a EEEP Maria Eudes Bezerra Veras e a EEMTI Liceu de Ararendá José Wilson Veras Mourão, nos municípios de Novo Oriente e Ararendá, respectivamente, atingiram 6,9.

Já a EEEP Adriano Nobre atingiu a nota máxima entre as unidades dessa categoria em três anos seguidos — em 2017, 2019 e 2021 — com notas 7, 7,1 e 6,8, respectivamente.

Nesses três anos, as escolas regulares com nota máxima foram o Colégio Estadual Justiniano de Serpa, a EEM Joaquim Magalhães e a EEM Antônio Pereira de Farias, respectivamente, cada uma com nota 5,3.

Um levantamento realizado pelos institutos Sonho Grande e Natura e noticiado pelo O Globo também constatou o maior desempenho de estudantes de escolas em tempo integral. A análise mostra que, colégios da rede pública com mais tempo diário de aula tiveram um nota de 4,4 no indicador, contra 4,1 das unidades regulares. Os institutos também apontam que os estudantes do modelo integral tiveram um avanço em Matemática equivalente a um ano a mais de aprendizado, em relação aos alunos das outras escolas.

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O TEMPO INTEGRAL NO CEARÁ

O ensino médio em tempo integral começou a ser implementado nas escolas estaduais do Ceará em 2016. Ao todo, são 341 unidades em todo o Estado com jornada de aulas ampliada — em geral, 9 horas por dia — e garantia de três refeições diárias para os estudantes. Além da formação geral (com disciplinas como português, matemática, química, etc.), também é fornecida a formação diversificada (incluindo projeto de vida e formação cidadã).

Além disso, as 131 escolas de educação profissional do Ceará também têm jornada ampliada, com currículo geral e diversificado e ensino médio integrado à educação técnica. Esse modelo foi implantado no Estado em 2008 e, nele, os estudantes optam por um curso técnico na 1ª série. Em paralelo aos estudos, eles aprendem uma profissão ao longo dos três anos.

Para a professora do Departamento de Fundamentos da Educação, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC), Adriana Eufrásio Braga, essa diferença no desempenho das escolas no Ideb indica efeitos positivos das práticas pedagógicas utilizadas nas escolas de tempo integral para a melhoria do rendimento acadêmico dos alunos.

A escola em tempo integral proporciona melhor aproveitamento do tempo de aprendizagem dos alunos, possibilitando também aos docentes o acompanhamento mais acurado destes, devido a maior jornada escolar diária. Por outro lado, na escola de ensino médio regular a demanda de trabalho pedagógico é a mesma, mas limitações significativas de tempo e estrutura física comprometem atingir os objetivos educacionais almejados.
Adriana Eufrásio Braga
Professora do Departamento de Fundamentos da Educação, da Faculdade de Educação da UFC

Segundo a docente, essas propostas pedagógicas — assim como as iniciativas envolvidas desde o planejamento pedagógico e seus desdobramentos no processo ensino-aprendizagem — podem ser compartilhadas para aplicação nas rotinas das escolas de ensino médio regular. “Entretanto, é necessário que sejam observadas adequações aos cenários educativos, pois cada tipo de modelo de escola possui características próprias de acordo com o perfil discente a ser formado”, pondera.

Idevaldo Bodião, professor aposentado da Faculdade de Educação da UFC e membro do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), destaca a importância do tempo integral principalmente para os filhos dos trabalhadores. Isso porque a modalidade aumenta as possibilidades de esses estudantes romperem com o ciclo de vulnerabilidade e pobreza.

Mas ele destaca que a rede é mais complexa do que “tempo integral” e “regular” e aponta a existência de “quatro tipos de escola” no Ceará: regular diurno, regular noturno, tempo integral e profissionalizante. Ele chama atenção que nem todos os estudantes conseguem se dedicar à jornada estendida de aulas, inclusive porque precisam trabalhar para ajudar a família.

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LIMITAÇÕES DO IDEB E CRÍTICAS AO RANKEAMENTO

Criado em 2007, o índice de desenvolvimento da educação básica reúne os resultados de aprovação escolar, obtidos por meio do Censo Escolar, e as médias de desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). O indicador considera o desempenho dos estudantes do 5º e 9º ano do Ensino Fundamental e do 3º do Ensino Médio.

No ideb 2023, o Ceará apresentou uma melhora nos índices de educação no Ensino Fundamental — inclusive com a segunda melhor nota do País nos anos iniciais (do 1º ao 5º ano). No Ensino Médio, porém, não atingiu a meta nacional, assim como os demais estados brasileiros.

Para o professor Idevaldo Bodião, o indicador pode ser interessante em uma lógica de planejamento. Porém, no que ele chama de “cultura de índices”, afirma que “não se discute aprendizagem”. Ele é crítico ao modelo de rankeamento das escolas, que leva a escolarização brasileira a ser pautada no treinamento dos estudantes para a prova seguinte.

Ele cita o “maior de todos” os índices, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), que é realizado a cada três anos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O que significa a OCDE ‘imprimir a régua’ na qualidade da educação? [...] A lógica que me parece estar por trás é: “como eu organizo o sistema econômico para fortalecer o sistema econômico? E, nisso, qual é a contribuição da educação?” A pergunta é: isso ajuda o filho da classe trabalhadora? A minha resposta é muito direta: não.
Idevaldo Bodião
Professor aposentado da Faculdade de Educação da UFC e membro do Cedeca

Nesse contexto de avaliação, rankeamento e bonificação, o professor aponta que se cria uma “meritocracia assimétrica”. “Na corrida meritocrática, tem gente que está na frente. [...] É uma meritocracia muito perversa, porque parece que a culpa é do indivíduo. ‘Você não entrou na UFC porque não se esforçou o suficiente’. Será?”, reflete.

Para as instituições de ensino, ele também aponta que esse modelo alimenta um sistema em que as escolas melhor posicionadas em rankings — como o Escola Nota 10, no Ceará — continuam nesse patamar, assim como as que estão pior colocadas. “E nesse caso, não por acaso, nos grandes centros, as escolas pior classificadas estão sempre na periferia. E continuam e continuarão sendo na periferia”, afirma.

Especificamente sobre o Ideb, a professora Adriana Eufrásio Braga acrescenta que as limitações dessa avaliação podem estar relacionadas às dificuldades de detectar as particularidades das escolas.

Penso que as limitações podem estar ligadas às dificuldades de mapeamento das especificidades ambientais/localizações, socioeconômicas, culturais, diversidades regionais, de formação adequada dos docentes e todos os aspectos intrínsecos ao processo ensino-aprendizagem envolvidos na diversidade das propostas pedagógicas de cada escola de ensino médio brasileira.
Adriana Eufrásio Braga
Professora do Departamento de Fundamentos da Educação, da Faculdade de Educação da UFC

OUTROS MODELOS DE EDUCAÇÃO POSSÍVEIS

Questionado sobre qual modelo considera que poderia ser melhor para a educação, Idevaldo Bodião cita três referências que já foram colocadas em prática no Brasil.

  • Escola Cidadã (Porto Alegre): Projeto  educacional proposto  para  a rede  municipal de ensino no período de 1989 a 2004 com proposta educacional sustentada sobre cinco eixos estruturantes: concepção de educação e políticas educacionais da cidade; organização, gestão e estrutura das escolas; fortalecimento e incremento na carreira dos professores; participação das  comunidades e qualificação dos processos de formação continuada. “O importante que eles tinham ali, naquele momento, era ter como referência a democratização da gestão associada, por exemplo, ao orçamento participativo”, diz Bodião.
  • Escola Plural (Belo Horizonte): Foi construída na década de 1990, a partir de experiências desenvolvidas por professores da rede municipal para tentar resolver a não aprendizagem e as consequentes repetência e evasão dos alunos. Teve como base dois princípios fundamentais: o direito à educação e a construção de uma escola inclusiva. “Naquele momento, tinha como grande figura mentora o professor Miguel Arroyo. Ele defendia, ao contrário da unificação curricular, uma construção mais próxima de cada uma das escolas”, diz o professor.
  • Projeto Interdisciplinaridade via Tema Gerador e Ginásios Vocacionais (São Paulo): Desenvolvido entre 1989 a 1992, o Projeto Interdisciplinaridade via Tema Gerador foi coordenado por Paulo Freire e tinha como proposta a aplicação de um método pedagógico dividido em estudo preliminar da realidade, investigação temática e redução temática. Já os Ginásios Vocacionais foram implantados em seis unidades entre 1962 a 1969, com proposta de desenvolver uma educação interdisciplinar, trabalhando para o desenvolvimento de habilidades pelos alunos.
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