Praias de Fortaleza, Jeri e Amontada estão entre as mais afetadas por microplásticos; veja impactos
Estudos publicados recentemente demonstram como esses fragmentos ameaçam os ecossistemas aquáticos.
A produção de microplásticos no mar continua a crescer. Estudos recentes apontam que todo o litoral do Ceará sofre com a presença desses fragmentos, especialmente em praias de Beberibe, Amontada, Paracuru, Jericoacoara e Fortaleza.
As análises são fruto de dois estudos sobre o tema. O primeiro, divulgado na última segunda-feira (1ª), foi realizado pelo projeto MicroMar, e liderado pelo Instituto Federal Goiano. Já o segundo foi produzido pelo Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da Universidade Federal do Ceará (UFC), e publicado em abril deste ano.
Os microplásticos podem ser definidos como partículas plásticas sólidas, não solúveis em água, com tamanhos que podem variar entre 0,001 até 5 milímetros.
Conforme o trabalho desenvolvido pela UFC, esses fragmentos prejudicam o meio ambiente ao diminuírem a biodiversidade, além de representarem riscos à saúde humana. Eles também contribuem para as mudanças climáticas, liberando gases de efeito estufa e interferindo na capacidade dos oceanos de armazenar carbono.
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Cenário da concentração de microplásticos no Ceará
A pesquisa do projeto MicroMar rankeou as praias cearenses de Uruarú (515,1), em Beberibe; Patos (229,70), em Amontada; e Taíba (182,5), em Paracuru, entre as 100 praias com maior quantidade de microplásticos por kg. Essa foi unidade de medida utilizada pelos pesquisadores para contabilizar os resultados.
O trabalho também destacou que municípios como Caucaia podem sofrer intensos impactos ambientais devido à presença de polímeros nocivos. As praias da cidade apareceram com uma concentração média de 31,1 fragmentos por kg durante as análises, ocorridas entre abril de 2023 e abril de 2024.
A cidade de Beberibe entrou no radar de alerta por apresentar poluição localmente intensificada. Por fim, a pesquisa constatou que o Estado, juntamente com Piauí e Rio Grande do Nordeste, foi um dos três do Nordeste onde a proximidade de áreas urbanas ocasionou o aumento microplásticos no litoral.
O panorama do Ceará pode ser considerado expressivo, mas ainda pequeno se verificado junto a outras regiões do Brasil. Para efeito de comparação, ainda segundo o mesmo estudo, a praia de Barrancos, no Paraná, registrou mais de 3,4 mil partículas por kg, seguida por Balneário Grajaú (2,9 mil), também no Paraná, e Olinda, em Pernambuco (2,4 mil).
Procurada pelo Diário do Nordeste, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Mudança do Clima (Sema) informou que "acompanha com muita atenção as pesquisas sobre poluição por microplásticos (MPs) e reconhece a gravidade do problema, que é uma prioridade em nossa agenda ambiental" (Leia a nota na íntegra abaixo).
A pasta também afirmou que o estudo produzido pelo projeto MicroMar é uma iniciativa de grande importância, mas que houve limitação metodológica por não considerar a "variabilidade temporal" dos locais analisados. "A SEMA enfatiza a necessidade de interpretar tais dados com cautela e de priorizar investimentos em monitoramentos contínuos", diz o texto enviado para a reportagem.
Pesquisa da UFC investiga microplásticos em Fortaleza
Já o estudo produzido pela UFC buscou analisar, durante dozes meses, a quantidade de microplásticos presentes em dois pontos turísticos marcantes no Ceará: a praia do Mucuripe, em Fortaleza e a praia de Jericoacoara, no litoral oeste.
As duas localidades foram escolhidas por apresentarem níveis contrastantes de urbanização e uso da zona costeira, proporcionando um panorama diversificado para a análise.
Os resultados atestaram que o mar da Capital contém uma densidade médias de partículas maior que a de outros países da Europa e Ásia, como Barcelona, na Espanha, e Can Gio, no Vietnã.
O estudo é de autoria do pesquisador Alexandre David Dantas e compôs a dissertação para obtenção do título de mestre em Ciências Marinhas Tropicais. Foram realizadas mais de 191 coletas.
microplásticos foram encontrados durante a pesquisa. Além deles, outros 2,2 mil foram coletados, mas classificados como contaminação.
Os tipos encontrados mais comuns foram fibras (54,3%) e fragmentos (35,4%), indicando diferentes fontes de microplásticos, como têxteis e decomposição de plásticos maiores. Já os polímeros mais encontrados foram polietileno (36%) e polipropileno (29%), materiais de baixa densidade que flutuam com facilidade.
Ainda segundo o estudo, em Fortaleza, predominaram proporcionalmente fibras e microplásticos com cores intensas — como vermelho, preto e bege —, que estão associados principalmente a fontes urbanas e terrestres, influenciadas pela chuva e pelos ventos que transportam esses materiais para o ambiente marinho.
Já em Jericoacoara houve maior ocorrência proporcional de fragmentos, glitter e pellets, além de MPs em tons claros, como branco, transparente e verde. Estes, segundo o autor, estão mais relacionados ao transporte por correntes e ondas.
"As correntes de superfície podem transportar MPs muito rapidamente, por exemplo, trazendo resíduos plásticos de localidades da África para as praias do Parque Nacional Jericoacoara", diz a pesquisa.
Dessa forma, os microplásticos encontrados não refletem necessariamente as atividades locais, mas também a influência de fatores regionais e globais em regiões costeiras.
Na última segunda-feira (1º), o Diário do Nordeste acompanhou a demonstração de coleta de microplásticos na praia do Mucuripe. No local, também foram apresentados dados e detalhes sobre a pesquisa do Labomar, de onde se originou a demonstração.
Em entrevista à reportagem, o professor orientador do trabalho, Tommaso Giarrizo, afirmou que os resultados representam um cenário preocupante sobre a conservação ambiental do Ceará.
"Como os microplásticos são muito pequenos, as pessoas não conseguem entender nem ver o problema, mas é muito sério. Envolve além da saúde dos oceanos, a nossa saúde e a nossa economia", disse.
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Coletas aconteceram com equipamento improvisado
Para produzir as coletas, foi necessária a criação de um amostrador horizontal, composto por uma rede arrastada por uma canoa havaiana. O equipamento é de baixo custo, cerca de R$ 1.500. Em outros cenários, o mesmo aparelho custaria mais de 4 mil euros, em torno de R$ 24,8 mil.
A alternativa mais barata também mostrou ser a mais sustentável. Por escolherem não acoplar o instrumento a um barco a motor, a equipe conseguiu diminuir a emissão de carbono produzida pela pesquisa.
deixaram de ser emitidos devido à substituição de uma embarcação motorizada por uma canoa havaiana durante as coletas.
Para o professor Giarrizo, "é fundamental, dentro da pesquisa na nossa instituição, desenvolver metodologias que possam gerar conhecimento, com baixo custo e baixa pegada de carbono. Fazer ciência com muito dinheiro é fácil: com pouco é o grande desafio".
O estudo também mostrou que o litoral de Fortaleza apresentou densidade de microplásticos três vezes maior que o de Jericoacoara. Com relação a essa diferença, Giarrizzo entende que "uma cidade urbanizada gera um impacto gigante no meio aquático que está na frente dela".
Conseguimos entender que o aporte de microplástico na água ocorre quando tem ventos específicos, com forte intensidade, e também as chuvas, que são responsáveis por uma enorme poluição aquática, especialmente em Fortaleza. Porque as ruas e calçadas não são limpos, nas ruas se acumulam microplásticos.
Parceria com a comunidade
Para viabilizar a coleta dos microplásticos, os pesquisadores contaram com o apoio de pescadores, turistas e praticantes da canoagem. O equipamento, formado por uma rede presa a dois canos PVC, foram acopladas a barcos leves, e ajudaram garantir precisão durante os passeios no mar.
O professor de caiaque Galdino Malandrina foi um dos voluntários. Para ele, participar dos estudos enquanto praticava o esporte foi "surpreendente", mas gratificante.
"Ficamos gratos, porque trabalhamos com limpeza da natureza tanto aqui, em Fortaleza, quanto em Jericoacoara e na Sabiaguaba. O Labomar só fez agregar. Às vezes as pessoas não entendem o quão importante é o início: colocar seu lixo no lixo", explicou.
Giarrizzo também celebrou o envolvimento dos esportistas com o projeto. "Eles têm uma sensibilidade muito grande à problemática ambiental, mas usar essa rede com eles os deixou ainda mais entusiastas, porque sabem que estão contribuindo para gerar conhecimento", disse.
Com os resultados em mãos, os pesquisadores pretendem que o instrumento rudimentar seja produzido em maior escala, com mais tecnologia, possibilitando a criação de mais estratégias de combate e contenção ao avanço dos microplásticos.
"Seria ótimo se cada município que tem um clube de canoa havaiana se comprometesse a dar apoio, porque é um custo mínimo. Mas precisa de patrocinadores. E nem sempre é tão fácil fazer algo que não chama muita atenção", finalizou Giarrizzo.
Resoluções
Realizar pesquisas para a caracterização de resíduos encontrados nas praias, ampliar ações de educação ambiental e de reutilização de embalagens são algumas das propostas formuladas pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente para reduzir a concentração de fragmentos tóxicos no litoral cearense.
Essas recomendações estão expostas em uma cartilha da Rede Oceano Limpo, publicada ano passado. Esse é um grupo de trabalho em que participam Governo do Estado do Ceará, por meio da secretaria, e entidades ligadas à Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade dos Oceanos.
O documento mapeia estratégias sustentáveis de combate à poluição marítima em seis eixos de ações:
- Ciência, tecnologia e inovação;
- Fomento/financiamento;
- Capacitação;
- Combate ao lixo no mar;
- Monitoramento e avaliação;
- Educação ambiental e comunicação.
A secretaria ainda reconheceu os esforços dos pesquisadores do Labomar na criação do aparelho para a coleta de microlpásticos. "É um exemplo de delineamento científico adequado para elucidar os padrões temporais da poluição e identificar as principais variáveis responsáveis, como a influência da urbanização", disse.
"A Sema reafirma seu compromisso em basear suas ações no melhor conhecimento científico disponível, incentivando protocolos de amostragem robustos que possam verdadeiramente diagnosticar a gravidade e os padrões da poluição por microplásticos", finalizou a secretaria na nota enviada à reportagem.
Veja nota completa da Secretaria do Meio Ambiente
"A Secretária do Meio Ambiente e Mudança do Clima (Sema) do estado do Ceará acompanha com muita atenção as pesquisas sobre poluição por microplásticos (MPs) e reconhece a gravidade do problema, que é uma prioridade em nossa agenda ambiental.
Constatamos que a presença de MPs é um desafio global com impactos locais severos, exigindo diagnósticos precisos e ações específicas. Nesse sentido, valorizamos profundamente pesquisas que empregam protocolos de amostragem robustos e de longo prazo, como o estudo realizado pelo LABOMAR/UFC, financiado pela FUNCAP (Edital Universal). A metodologia desse trabalho, que utilizou um amostrador de baixo custo para coletas sistemáticas ao longo de 12 meses, abrangendo diferentes condições de maré, é um exemplo de delineamento científico adequado para elucidar os padrões temporais da poluição e identificar as principais variáveis responsáveis, como a influência da urbanização. Esse tipo de abordagem é fundamental para transformar dados em políticas públicas eficazes.
Reconhecemos também o imenso esforço amostral do projeto MicroMar, uma iniciativa nacional de grande importância para um panorama do litoral brasileiro. No entanto, é importante destacar uma limitação metodológica inerente a estudos baseados em uma única campanha em cada local: eles não conseguem capturar a variabilidade temporal (como a influência dos períodos chuvoso e seco, das correntes e das marés). Trabalhos que geram rankings ou avaliações comparativas a partir de uma única "fotografia" no tempo, embora valiosos para um alerta inicial, podem não ser representativos da realidade dinâmica de uma praia ao longo do ano. Portanto, a SEMA enfatiza a necessidade de interpretar tais dados com cautela e de priorizar investimentos em monitoramentos contínuos.
A SEMA está ciente dos dados apresentados e de suas potenciais consequências. Os microplásticos representam uma ameaça dupla: à vida marinha (por ingestão, emaranhamento e introdução de toxinas na cadeia alimentar) e à saúde humana e terrestre (pela dispersão de contaminantes e possível ingestão indireta). A presença de polímeros nocivos, como apontado em Caucaia, agrava ainda mais o risco ecotoxicológico.
Para enfrentar este desafio de forma estruturada e permanente, a SEMA participa da Rede Oceano Limpo, um grupo de trabalho em parceria com a Cátedra UNESCO para Sustentabilidade do Oceano. Um dos principais frutos desta rede foi a elaboração do documento “Mapeamento e Análise de Estratégias Acerca das Políticas Públicas para o Enfrentamento do Lixo no Mar no Estado do Ceará”.
A SEMA reafirma seu compromisso em basear suas ações no melhor conhecimento científico disponível, incentivando protocolos de amostragem robustos que possam verdadeiramente diagnosticar a gravidade e os padrões da poluição por microplásticos. Dessa forma, poderemos direcionar recursos e esforços de forma mais eficiente para barrar o avanço desta poluição, proteger nossos ecossistemas costeiros e a saúde pública, garantindo a sustentabilidade do nosso litoral para as gerações presentes e futuras".
*Estagiário sob supervisão da jornalista Dahiana Araújo