'Minha filha também ficou numa incubadora daquela': mães relembram nascimento de bebês no César Cals

Excelência no atendimento e operação de portas abertas fazem o HGCC uma referência médica no Ceará.

Foto vertical de um bebê recém-nascido dormindo. O bebê está deitado de lado em um berço hospitalar com laterais transparentes, usando uma touca e uma manta de tricô rosa. O bebê está coberto com lençóis brancos, e a pele amarelada sugere icterícia neonatal.
Legenda: Mayra Alves deu à luz Maitê Vitória em fevereiro de 2020, um mês antes do início da pandemia, e relata a assistência e o suporte recebido pela equipe médica referência no Estado.
Foto: Arquivo Pessoal

Cenas das transferências dos bebês e das gestantes internados no Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC), no Centro de Fortaleza, impactaram milhares de cearenses na última quinta-feira (13). O cuidado com os pacientes visto nas imagens explicam porque, há tantos anos, a unidade de saúde se tornou referência em obstetrícia e neonatologia, bem como em aleitamento materno no Ceará. 

Desde o começo desse ano, o local já enfrentava momentos de incertezas, dúvidas acerca de um possível fechamento e manifestações de servidores contrários. Esse cenário não apaga o legado histórico para as milhares de mulheres que já passaram pelo hospital.

Em entrevista ao Diário do Nordeste, essas mães relatam a experiência que vivenciaram e o suporte essencial recebido, especialmente em momento de tamanha vulnerabilidade.

A técnica de enfermagem Mayra Alves afirma que viu, com emoção, os vídeos dos bebês sendo alocados em lojas do Beco da Poeira, centro comercial próximo ao hospital. “Fiquei emocionada quando vi porque a minha filha também ficou numa incubadora daquelas. Ela passou uma semana sendo assistida no César Cals”, afirma. 

Mayra estava grávida em 2020 e, por volta da 26ª semana, descobriu uma dilatação no cérebro da bebê. Ela foi orientada pelo médico obstetra a realizar o acompanhamento no HGCC. 

“Lá, eu tive toda a assistência, fiz o pré-natal e a amniocentese, que o plano de saúde havia negado”, afirma. O procedimento médico é realizado para diagnosticar possíveis anomalias cromossômicas, doenças genéticas e infecções fetais. No entanto, o mecanismo não conseguiu trazer respostas na época. 

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Maitê Vitória nasceu em fevereiro, semanas antes do início da pandemia de coronavírus no Ceará, por meio de um parto cesáreo. “Foi um procedimento bem tranquilo, assim como o meu pós-operatório”, conta. 

A bebê ficou em observação durante uma semana na incubadora por médio risco. Durante esse tempo, foi realizada um ultrassom na cabeça para entender a dilatação que havia sido encontrada na gestação. “Ficamos sendo acompanhadas durante uma semana pela pediatra do César Cals”, afirma.

Além disso, Mayra conta que teve dificuldade na amamentação e contou com o auxílio do banco de leite do hospital. “A minha assistência lá foi completa, desde a entrada no hospital com o obstetra que fez meu parto, as enfermeiras e técnicas de enfermagem que me ajudaram no meu pós. As meninas da UTI que ficaram com a Maitê também”, diz. 

Foto em ambiente hospitalar, com luz azulada. Uma mãe jovem, usando máscara e touca descartável, segura seu bebê recém-nascido no colo, que está de fralda. A mãe veste uma camisa amarela e está amamentando o bebê. Ela tem uma pulseira de identificação hospitalar no pulso.
Legenda: Para Mayra, o auxílio das enfermeiras e técnicas do Banco de Leite Humano (BLH) do Hospital Geral Dr. César Cals foi fundamental para a amamentação da filha.
Foto: Arquivo Pessoal.

Atualmente com 5 anos, Maitê Vitória é diagnosticada com a síndrome chamada Clark-Baraitser, uma condição genética rara caracterizada por transtorno do desenvolvimento intelectual, obesidade, macrocefalia, anormalidades comportamentais e atraso no desenvolvimento da fala. 

“Hoje ela é acompanhada no Albert Sabin e também na rede particular. A Maitê faz terapia ocupacional e acompanhada por fonoaudióloga e psicopedagoga, mas ela ainda não fala. A gente faz todo o estímulo para que ela venha se desenvolver da melhor forma”, afirma. 

Centralidade do hospital e portas abertas

No ano seguinte, em meio a pandemia da Covid-19, Geiza Barros estava com aproximadamente oito meses de gestação quando a bolsa estourou enquanto trabalhava, no Centro de Fortaleza. Ela se encaminhou ao César Cals, o hospital mais próximo no momento. 

“Eu estava programada para ir para o Hospital Maternidade Nossa Senhora da Conceição, na 4ª etapa do Conjunto Ceará, mas fui bem recebida no César Cals”, afirma. 

Quando chegou na unidade de saúde por volta das 13h da tarde do dia 4 de março, Geiza estava com um centímetro de dilatação e apresentava sintomas de uma síndrome gripal. Por isso, acabou numa sala separada por suspeita de Covid-19 e não pode receber acompanhantes.

Mesmo sozinha, ela conta que teve a companhia da equipe médica do César Cals “o dia todo e a madrugada de trabalho de parto”. “Teve uma hora que passei mal, minhas pernas travaram, fiquei toda me tremendo. A enfermeira veio, me ajudou e me orientou. Depois me levaram para tomar banho e deitar”, relembra. 

A gestante tira uma selfie em um ambiente hospitalar, provavelmente em 2021. Ela veste um roupão amarelo e está deitada, deixando a barriga em evidência. Usa uma máscara cirúrgica azul. Ao fundo, uma mesa metálica com equipamentos hospitalares e uma porta branca.
Legenda: Geiza entrou no hospital sozinha e não pode ter contato com os acompanhantes devido à pandemia da Covid-19.
Foto: Arquivo Pessoal

Além disso, as enfermeiras acalmaram a mãe e o esposo de Geiza que estavam do lado de fora. “Eu ficava conversando com eles, mas depois que a dor aumentou, eu não conseguia ter acesso ao celular e parei de responder. Eles foram bater no hospital desesperados, mas as enfermeiras explicaram toda a situação e ficaram mandando mensagens”, relata. 

Laura Barros nasceu prematura, de 34 semanas, de um parto normal no dia 5 de março daquele ano. Segundo a mãe, a recém-nascida ficou uma semana na UTI Neonatal devido a complicações respiratórias e icterícia. A bebê precisou de aparelhos para auxiliar na respiração e também passou por fototerapia. 

“Teve um momento que ela não estava melhorando e entraram em contato comigo para saber se eu autorizava a transfusão de sangue, se fosse necessário. Assinei o termo, mas não foi preciso. Só a fototerapia resolveu”, conta. 

Devido à prematuridade e os sintomas gripais da gestante, a bebê não pode ter um contato inicial com a mãe e foi assistida pelo banco de leite humano do hospital. Geiza também afirma que fez doações ao local e recebeu as orientações da equipe. “O pessoal me deu suporte e ensinaram tudo bem direitinho para que ela pudesse pegar no peito”, diz.

Após a alta, Laura ainda foi acompanhada por dois anos pela pediatria do setor de ambulatório do hospital, que funciona em unidade anexa ao lado da casa de saúde. “Ela foi muito bem recebida lá, a médica era ótima”, afirma.

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A médica ginecologista e obstetra Sabrina Forte, que fez especialização no Hospital Geral Dr. César Cals e assumiu o setor voltado à Covid-19 durante dois anos da pandemia, destaca a relevância da unidade para a formação de profissionais da área da saúde ao longo de gerações.

“Meu pai fez residência médica no Hospital César Cals há 30 anos, meus avós trabalharam no César Cals, que na época era o Moreirinha. Ele formou uma legião de médicos, muitas gerações de obstetras, clínicos, pneumologistas, fora as enfermeiras, nutricionistas, fisioterapeutas e os estudantes”, exemplifica.

Nas redes sociais, a médica compartilhou a tristeza por ver o César Cals de portas fechadas após o incêndio. “Uma instituição que sempre esteve aberta, 24 horas, [mesmo] chovendo, com pandemia, com situações climáticas adversas, com situações políticas que foram mudando com o tempo”, lamenta.

Como médica, eu respiro de maneira aliviada, que [o incêndio] tenha acontecido de dia, em um dia útil, com gente que pudesse ajudar. Ao mesmo tempo, como o profissional, me dói o coração de ver a porta fechado e saber que o destino é incerto.
Sabrina Forte
Médica ginecologista e obstetra

Incêndio no hospital

O incêndio no Hospital Geral Dr. César Cals durou cerca de 25 minutos e ocorreu na parte externa da unidade, na área das docas, onde fica a subestação de energia da instituição. Conforme a Secretaria da Saúde do Ceará, não houve vítimas no incidente. 

No momento do tumulto, bebês que estavam internados foram “socorridos” para dentro do Beco da Poeira, um centro de comércio popular ao lado da unidade, e as incubadoras foram ligadas na energia no local. 

Ao fim do dia, mais de 117 bebês e 153 mães e acompanhantes — todos que estavam internados na instituição — foram transferidos para ao menos 6 outros hospitais da rede estadual e municipal de Fortaleza. 

Com 97 anos de funcionamento, o HGCC é referência em obstetrícia e neonatologia, e possui mais de 290 leitos. Só de janeiro a setembro deste ano, realizou mais de 3 mil nascimentos, uma média de 338 por mês.

Instituição quase centenária

Referência em obstetrícia e neonatologia, o Hospital Geral Dr. César Cals já enfrentava incertezas desde o começo desse ano. O hospital é o mais antigo da rede estadual, com 97 anos de funcionamento, e vinha apresentando problemas na estrutura. 

Em março de 2025, a reportagem do Diário do Nordeste informou acerca das discussões à época sobre a possibilidade de fechamento do local e a manifestação contrária de servidores. A médica e secretária da Saúde do Ceará, Tânia Mara Coelho, reconheceu que a unidade “já está com a estrutura bastante comprometida” e, por conta disso, havia previsão de obras no local. 

A Secretaria de Saúde do Ceará afirmou trabalhar com estudos técnicos para analisar quais serviços deveriam permanecer na unidade e quais podem ser transferidos ao Hospital Universitário do Ceará (HUC), no Itaperi. 

Meses depois, em maio, alguns serviços do HGCC foram transferidos para o novo equipamentoexceto a maternidade e a neonatologia. Em complemento, o secretário-chefe da Casa Civil, Chagas Vieira, afirmou que a unidade passaria a atender exclusivamente o serviço de obstetrícia e receberia “uma reforma em breve”. A informação foi dada em entrevista na live do PontoPoder

Além disso, o hospital possui um dos mais importantes Bancos de Leite Humano (BLH) do Ceará, sendo referência em aleitamento materno no Ceará e também para o Ministério da Saúde (MS). O serviço foi fundado em 1995 e é essencial para os cuidados com os recém-nascidos.

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