Mais de 57 mil pessoas vivem em condições precárias de saneamento nas Unidades de Conservação do CE

Os domicílios possuem ausência simultânea de esgotamento sanitário, abastecimento de água e coleta de lixo adequados

Vista aerea da Sabiaguaba, com dunas
Legenda: No Parque Natural Municipal das Dunas da Sabiaguaba, 11% dos moradores não têm acesso a coleta de lixo, 8% não destinam corretamente o esgoto e 8% não possuem água canalizada até o domicílio
Foto: Nilton Alves

Uma a cada oito pessoas vivendo em Unidades de Conservação (UCs) do Ceará não tem acesso a nenhum dos serviços de saneamento — abastecimento de água, esgotamento sanitário e coleta de lixo — feitos de maneira adequada. São mais de 57,6 mil cearenses convivendo com essas três formas de precariedade, que residem em cerca de 18,1 mil domicílios, segundo dados do Censo Demográfico de 2022.

As unidades de conservação são espaços territoriais e seus recursos ambientais que seguem um regime especial de administração devido às suas características naturais relevantes. Por isso, eles são instituídos pelo Poder Público com o objetivo de preservar a natureza

Elas são divididas em dois grupos — proteção integral ou uso sustentável — e 12 categorias diferentes, conforme as características da área a ser protegida e os objetivos de conservação.

O perfil da população residente em Unidades de Conservação de todo o País foi detalhado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pela primeira vez, e divulgado no último dia 11 de julho.

Para obter o número de pessoas vivenciando situações precárias nos serviços de abastecimento, o Diário do Nordeste cruzou os dados de moradores de Unidades de Conservação que não utilizam, simultaneamente, os serviços adequados para o abastecimento de água, o esgotamento sanitário e a coleta de lixo. 

No caso do lixo, isso significa que não há coleta direta ou indireta desses resíduos por serviços de limpeza. Ou seja, para fazer o descarte, os moradores precisam queimar ou enterrar o lixo na propriedade ou jogá-lo em terreno baldio, por exemplo.

Existem moradores sem acesso ao abastecimento de água canalizada até o domicílio, seja proveniente da rede geral ou de poço, fonte, nascente ou mina. Nestes casos, a provisão é feita por meio de carro-pipa ou coletada da chuva ou de rios, lagos ou córregos.

Rios, lagos e córregos também são citados como tipo inadequado de esgotamento sanitário encontrado em unidades de conservação. Também é considerada precária a situação de domicílios com esgotamentos em fossas rudimentares, em buracos ou valas, além daqueles que não possuem banheiro ou sanitário.

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Qual a população atingida por problemas no saneamento?

Apesar de existirem moradores de unidades de conservação vivendo em situação extrema de precariedade quanto ao saneamento, isso não significa que os demais domicílios estão completamente amparados por esses serviços.

Ao olhar isoladamente para os tipos de abastecimento de água, de esgotamento sanitário ou de coleta de lixo feito nos domicílios localizados dentro dessas unidades, é possível perceber que o problema é mais amplo.

O maior deles é quanto ao esgotamento sanitário: quase 60% da população vivendo em unidades de conservação no Ceará não fazem a destinação do esgoto de forma adequada.

Isso significa que, a cada 5 moradores, 3 não possuem esgotamento sanitário adequado — uma soma de 258.102 pessoas. O número equivale a 58% da população residente nessas regiões. Caso sejam considerados os domicílios, são 82,3 mil sem esgotamento sanitário.

O número cai quando se trata da ausência de coleta de lixo, mas segue alto. No total, são 128.446 cearenses vivendo nessas unidades que precisam descartar o lixo de forma adequada, já que não são atendidos por serviço de limpeza.

Isso representa 28,9% dos moradores de unidades de conservação do Ceará. Em termos de domicílio, são 40,3 mil que não possuem coleta de lixo.

Entre os três serviços, o abastecimento de água é o que consegue ser feito de forma adequada para a maior parte dos moradores dessas unidades. Ainda assim, cerca de 97,1 mil pessoas não possuem água canalizada. Isso representa 21,8% da população que vive nessas regiões no Ceará.

Os dados do Censo Demográfico 2022 também permitem conferir como está a situação de saneamento em cada uma das unidades de conservação do Estado.

Confira no mapa: 

Dignidade e proteção ambiental

Segundo os dados do Censo Demográfico, os domicílios em situação precária de saneamento estão, em sua ampla maioria, nas unidades de conservação consideradas de uso sustentável.

Em muitas delas, a ocupação humana é permitida, principalmente por comunidades tradicionais e que, em muitos casos, estavam nesses espaços antes da criação das unidades de conservação. E, exatamente por serem espaços de proteção, essas unidades deveriam contar com planos de manejos, inclusive com a previsão de infraestrutura adequada de saneamento para os moradores.

“Essas pessoas, que moram nessas unidades, têm todos os direitos de um brasileiro, seja o que mora na cidade ou no campo. Então, esses elementos devem ser fornecidos”, reforça o geógrafo e colunista do Diário do Nordeste, Alexandre Pereira Queiroz.

O plano de manejo das unidades de conservação são importantes também para entender como serão instaladas essas estruturas, que não serão “aquelas que a gente vê nas grandes cidades, com os grandes sistemas de drenagem ou de abastecimento ou esgotamento e tratamento”. 

Devido à necessidade de proteção nestes territórios, é preciso pensar em alternativas para oferecer esses serviços aos moradores de forma adaptada para a preservação das características naturais daquele ambiente.

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O geógrafo cita, por exemplo, tecnologias sociais de captação e armazenamento de água, de tratamento de afluentes e mesmo de construção de fossas ecológicas. Elas podem ser usadas para conciliar a proteção e a garantia de dignidade a quem ali vive.

“E não observar essas estruturas tem um dano para aquilo que é o objetivo central dessas unidades de conservação que é a manutenção de uma qualidade biológica”, explica Alexandre Pereira Queiroz, que também integra o Observatório das Metrópoles e é professor da Universidade Federal do Ceará (UFC).

O  modo de vida e a inserção daquela comunidade tradicional associada à fauna, à flora, à geomorfologia têm que ser preservados, têm que ser mantidos, têm que ser conservados. E os dejetos humanos, a busca do ser humano por fontes de alimento e de água e o que isso gera, é uma dos maiores vetores de degradação, de poluição, de contaminação. E contaminação, em muitos casos, de longo prazo, de difícil restauro e de difícil adaptação.
Alexandre Pereira Queiroz
Geógrafo, professor da UFC e pesquisador do Observatório das Metrópoles

Os planos de manejo são, portanto, importantes tanto pelo zoneamento das unidades de conservação, inclusive evitando a ocupação dessas regiões por novas pessoas, mas, ao mesmo tempo, tratando “com dignidade quem já está lá, quem faz parte dessa sociodiversidade”. 

O Diário do Nordeste acionou a Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Ceará (Sema) para saber se existem planos de ação nas unidades de conservação de responsabilidade do Estado e como são solucionadas demandas de saneamento nessas regiões. O espaço continua aberto para manifestações.

Conheça os grupos e as categorias das UCs

As unidades de conservação estão divididas em dois grupos: Unidades de Proteção Integral, com cinco categorias, e Unidades de Uso Sustentável, com sete categorias. Veja, abaixo, os objetivos de cada uma delas.

Unidades de Proteção Integral

Têm como objetivo básico preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos nesta Lei.

  1. Estação Ecológica: Preservação da natureza e realização de pesquisas científicas, sendo de posse e domínios públicos, com previsão de desapropriação das áreas particulares em seus limites.
  2. Reserva Biológica: Preservação integral da biota e demais atributos naturais existentes em seus limites, sem interferência humana direta ou modificações ambientais, excetuando-se as medidas de recuperação de seus ecossistemas alterados e as ações de manejo necessárias para recuperar e preservar o equilíbrio natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos naturais, sendo de posse e domínio públicos.
  3. Parque Nacional, Estadual ou Natural Municipal: Preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. São de posse e domínio públicos.
  4. Monumento Natural: Preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica. Pode ser constituído por áreas particulares, desde que seja possível compatibilizar os objetivos da unidade com a utilização da terra e dos recursos naturais do local pelos proprietários.
  5. Refúgio de Vida Silvestre: Proteger ambientes naturais onde se asseguram condições para a existência ou reprodução de espécies ou comunidades da flora local e da fauna residente ou migratória. Pode ser constituído por áreas particulares, desde que seja possível compatibilizar os objetivos da unidade com a utilização da terra e dos recursos naturais do local pelos proprietários.

Unidades de Uso Sustentável

O objetivo básico é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais.

  1. Área de Proteção Ambiental: Área em geral extensa, constituída por terras públicas ou privadas, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas. Tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.
  2. Área de Relevante Interesse Ecológico: Área em geral de pequena extensão, constituída por terras públicas ou privadas, com pouca ou nenhuma ocupação humana, com características naturais extraordinárias ou que abriga exemplares raros da biota regional. Tem como objetivo manter os ecossistemas naturais de importância regional ou local e regular o uso admissível dessas áreas, de modo a compatibilizá-lo com os objetivos de conservação da natureza.
  3. Floresta Nacional, Estadual ou Municipal: Área de posse e domínio públicos, com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas. Tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas. É admitida a permanência de populações tradicionais que habitam essas UCs quando de sua criação.
  4. Reserva Extrativista: Área de domínio público utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte. Busca proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.
  5. Reserva de Fauna: Área natural, de posse e domínio públicos, com populações animais de espécies nativas, terrestres ou aquáticas, residentes ou migratórias, adequadas para estudos técnico-científicos sobre o manejo econômico sustentável de recursos faunísticos.
  6. Reserva de Desenvolvimento Sustentável: Área natural de domínio público que abriga populações tradicionais, cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais, com papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica.
  7. Reserva Particular do Patrimônio Natural: área privada, gravada com perpetuidade, com o objetivo de conservar a diversidade biológica.

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