Fortaleza perdeu 84% de áreas verdes nativas e remanescentes são ameaçadas, mostram pesquisas da UFC

Apesar de percentual baixo, apenas parte desses locais está devidamente protegida por legislação

Escrito por
Nícolas Paulino nicolas.paulino@svm.com.br
Fortaleza vista de cima pelo bairro Sapiranga, com muitas residências e poucas áreas verdes
Legenda: Estudo aponta que urbanização e ocupação do solo removeram maior parte da cobertura verde da cidade
Foto: Thiago Gadelha

Quarta maior metrópole do Brasil em população, Fortaleza perdeu, ao longo de sua história, 84% da área verde original e conta apenas com 16% de cobertura vegetal. A redução contribui para desequilíbrios ambientais e aumento da sensação de calor na cidade, como concluem dois estudos elaborados por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC).

O levantamento foi realizado no Laboratório de Biogeografia e Estudos da Vegetação (Bioveg), vinculado ao Instituto de Ciências do Mar (Labomar), utilizando técnicas de geoprocessamento e sensoriamento remoto para calcular os índices de cobertura vegetal (ICV) e de áreas verdes (IAV) para cada bairro. 

A partir da análise de uso e cobertura da terra, concluiu-se que aproximadamente 83,7% do território já foi modificado pelo desmatamento e pela consolidação de áreas urbanas, e que menos de 17% da área do município ainda abriga vegetação nativa. 

Os ambientes que mais perderam área foram a caatinga do cristalino (4% de áreas remanescentes) e a vegetação dos tabuleiros costeiros (9% de áreas remanescentes). Já as áreas menos perdidas foram a mata seca (85% foram mantidos) e o manguezal (75% permanece).

O ICV calculado foi de cerca de 13 m²/habitante, e o IAV foi de aproximadamente 2 m²/habitante. As áreas de piores índices estão concentradas na orla e em alguns bairros a sudoeste, em áreas como Barra do Ceará, Conjunto Ceará e Jóquei Clube.

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O trabalho foi desenvolvido pela cientista ambiental Maria Lígia Costa, hoje mestra em Análise e Modelagem de Sistemas Ambientais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Ela avaliou que a cobertura vegetal de uma cidade é extremamente importante para ajudar a estabelecer o equilíbrio ambiental, mas Fortaleza cresceu aterrando lagoas, mudando o curso de rios, removendo trechos de dunas e alterando o desenho da linha de costa.

Assim, houve uma fragmentação florestal, quando um habitat contínuo é dividido em manchas mais ou menos isoladas. Embora pareçam irrelevantes, elas ajudam a conservar a biodiversidade e a amenizar os impactos do calor, da poluição do ar e da poluição sonora.

Marcelo Moro, professor da UFC e coordenador do Bioveg, considera a necessidade de se pensar num novo modelo de planejamento urbano, que já naturalmente inclua a biodiversidade, as águas e as áreas verdes nas decisões sobre as cidades. 

“Não estamos falando de praças urbanizadas de lazer, mas de áreas com vegetação remanescente, sistemas permanentes, alguns mais conservados, outros mais degradados, mas ainda sobreviventes dentro da cidade”, observa. 

Foto de rua do bairro Bom Jardim
Legenda: Áreas mais adensadas, como Conjunto Ceará e Bom Jardim, têm menor percentual verde
Foto: José Leomar

Verde sem proteção

Se o percentual remanescente já é pequeno, outra pesquisa da UFC chama atenção para o fato de que muitas áreas verdes não estão protegidas, e mesmo as que são incluídas em sistemas de proteção podem ficar suscetíveis ao desmatamento.

O trabalho foi desenvolvido no mestrado de Laymara Xavier, que analisou os dados de cobertura vegetal remanescente. Segundo o levantamento, Fortaleza possui 6.098,45 hectares de áreas verdes naturais ou seminaturais, mas 2.185,83 hectares não estão sob nenhuma proteção do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC). 

Ela observou que bairros com maior área absoluta de cobertura vegetal remanescente desprotegida apresentam características como urbanização recente, seja acompanhada por especulação imobiliária em regiões de expansão urbana, ou ligada a processos de ocupação irregular e favelização. 

“Dentro das nossas áreas protegidas, uma parte significativa está degradada, ainda que protegida, e precisa existir uma ação para promover a restauração desses lugares. Toda vegetação remanescente é importante.”
Laymara Xavier
Doutoranda na Universidade de Bergen, na Noruega

A pesquisadora mapeou 60 áreas vulneráveis ao desmatamento, já que não estão resguardadas por proteção legal, e as considera “prioritárias” para conservação no município de Fortaleza.

Sem constarem no SNUC, algumas áreas podem ter proteção que pode ser facilmente revogada. O professor Marcelo Moro lembra que 10 áreas verdes tiveram proteção flexibilizada pela Câmara Municipal, no fim de 2024. 

“É preciso levar o interesse coletivo acima dos interesses privados, porque parte dessas áreas tem pressão de ocupação com usos econômicos. Mas nós não estamos falando de um município com grandes quantidades de áreas verdes disponíveis. Nós estamos falando dos últimos 16% de cobertura vegetal natural ou seminatural que nós temos na cidade”, alerta o pesquisador.

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O que pode ser feito?

O estudo de Maria Lígia Costa sugere a criação, mas principalmente a manutenção, de unidades de conservação, parques urbanos e praças e um sistema de malha viária que permita o plantio de árvores que ajudem a conectar os fragmentos verdes ainda existentes na cidade, formando corredores. 

O professor Marcelo Moro explica que isso pode ser feito de duas formas:

  • Corredores ecológicos: usar a arborização e paisagismo seguindo beiras de rios, parques lineares, ciclofaixas e avenidas, formando áreas verdes mais densas, com árvores de grande porte bem manejadas;
  • Trampolins ecológicos: áreas verdes menores que podem conectar diretamente duas áreas maiores, a fim de garantir espaços de descanso, abrigo e alimentação para a fauna. 

“O problema é que a gente está construindo, há muitas décadas, uma Fortaleza cada vez mais concretada e menos verde. E esse processo faz com que as pessoas não percebam que aquela avenida quente, aquela ciclofaixa desagradável, aquela calçada que às 13h está insuportável, poderiam ser uma calçada extremamente agradável e uma avenida muito mais fresca se a gente tivesse uma arborização intensa”, afirma o docente.

Além disso, os pesquisadores recomendam formações técnicas a profissionais responsáveis sobre o plantio de espécies nativas que auxiliam na conservação da biodiversidade. “Nossas árvores são, no geral, doentes por podas erradas, pelo corte, pelo manejo tecnicamente inadequado. É outra camada do problema na cidade”, diz Moro.

O Diário do Nordeste questionou a Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) sobre o assunto. Em nota, a nova gestão da Pasta disse que "realiza levantamento detalhado das informações sobre as áreas verdes da Cidade". 

A Seuma acrescentou que essa análise tem a finalidade de "mapear a atual situação da cobertura vegetal de Fortaleza, destacando deficiências e oportunidades, a fim de desenvolver projetos que contribuam para a preservação do meio ambiente e para ampliação do acesso aos espaços verdes".

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