Leitos hospitalares de urgência de Fortaleza são ‘travados’ por pacientes com transtornos mentais
Mesmo com problema físico resolvido, alta é impossibilitada por demandas de saúde mental, aponta secretária de Saúde

A rotatividade de leitos em hospitais é crucial para manter a capacidade de atendimento de novos pacientes. Uma unidade municipal de Fortaleza, porém, indica uma tendência que preocupa a gestão da saúde: a ocupação de vagas gerais, de urgência, devido a transtornos mentais.
A observação é da titular da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Riane Azevedo, feita em entrevista ao Diário do Nordeste, nessa quarta-feira (21). A ex-gestora atesta que a dificuldade já tem ocorrido no Instituto Dr. José Frota (IJF), do qual era superintendente até este mês.
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Riane relata que, ao retornar à superintendência do hospital em 2025, após ocupar o cargo entre 2017 e 2022, observou a forte incidência dos problemas de saúde mental da população – e a interferência disso na integridade física do paciente, bem como na dinâmica da assistência hospitalar.
“Geralmente são pessoas que a gente resolve o motivo de terem ido ao hospital, como um membro quebrado, mas por que fez isso? Existe um problema mental. Surtou, teve um abalo emocional muito forte, esmurrou uma porta de vidro e aí veio a fratura. Você cuidou da mão, mas o problema tá na cabeça”, pondera a médica.
No caso do IJF, como pontua a secretária, não existe uma equipe de psiquiatras para atuar no tratamento do paciente. “O hospital dá o suporte, mas não pode tratá-lo. Foi quando sentimos a dificuldade da alta. Ele fica um, dois, três dias, porque não conseguimos que a rede recebesse ele como um problema de saúde mental”, lamenta.
A liberação do paciente após somente a demanda física ser resolvida, segundo a média, não é uma opção. “A gente devolver aquela pessoa pra casa… Devolvo curada da mão, mas na cabeça dela não mexi”, frisa.
Leitos ‘travados’ e lotação
O impacto do cenário na saúde pública, então, preocupa. “Num hospital, é preciso fazer com que o leito rode. Chamamos de ‘giro do leito’. Quanto mais gira, mais pessoas você está atendendo. Quando o leito fica impactado, isso nos impede de receber um novo paciente para tratar de trauma”, ilustra Riane.
A demanda delicada foi sentida de forma ainda mais intensa antes dos feriados de carnaval e da semana santa, período em que os gestores do IJF trabalham para esvaziar leitos e preparar o hospital para o maior fluxo de pacientes. “Vimos cinco pacientes bons, perfeitos, mas que não podiam sair de lá”, informou a ex-superintendente do instituto.
Para ela, falta integração com os serviços especializados em saúde mental. “A gente tem que trabalhar isso melhor, porque isso vai acabar chegando nos hospitais. Solucionar isso reduziria a ocupação desnecessária de leitos dentro de um hospital e liberaria para que outras pessoas venham. Tiraria o corredor do hospital”, afirma.
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Além disso, a secretária reconhece que o funcionamento dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), unidades de responsabilidade da prefeitura, “precisa ser revisto”. Os equipamentos amargam críticas históricas da população e de especialistas, tanto pela quantidade inferior à ideal quanto pelo sucateamento e falta de profissionais.
“Como hipertensão e diabetes, saúde mental é um problema muito grande que a gente tá enfrentando hoje, em todas as faixas etárias. Da adolescência, passando pela faixa produtiva e principalmente os idosos. A depressão nos idosos é uma coisa corriqueira que observamos. Precisamos trabalhar com prevenção”, analisa Riane.
“É preciso rever: a saúde mental não é só um problema na cabeça da pessoa, no comportamento, é sistêmico, pode atingir vários órgãos, dependendo do comportamento e da atividade daquela pessoa”, complementa a médica.
Fortalecer a prevenção
Diante disso, Riane afirma que a saúde mental deve, sim, entrar na agenda de prioridades da gestão – sobretudo na prevenção. “A Secretaria Municipal de Saúde, na base da pirâmide dela, prevenir, trabalhar as doenças que são mais frequentes, que você sabe que, se não cuidar, vão piorar lá na frente.”
A atenção primária, então, capitaneada pelos postos de saúde e pelas Equipes de Saúde da Família (ESF), deve ser fortalecida. “O custo do paciente pra sociedade, pra própria prefeitura, passa a ser muito menor se trabalhar prevenção. Não é só pela doença em si, mas pelo impacto que ela gera em toda a família, financeiro, social”, avalia a titular da SMS.
“Trabalhei muito na minha vida na atenção secundária e terciária, onde já pego os pacientes depois disso. Agora, para mim, vai ser um exercício muito grande, vou ter a oportunidade de pegá-los no início, para que não cheguem no que eu tô acostumada a trabalhar”, finaliza.
Um dos compromissos de campanha do prefeito Evandro Leitão (PT), antes de ser eleito, foi aumentar o número de CAPS em Fortaleza. Em entrevista exclusiva ao Diário do Nordeste ao fim de 2024, o gestor garantiu que concretizaria, mas não estabeleceu uma meta de quantos equipamentos devem ser construídos.
Segundo ele, na ocasião, “Fortaleza necessita de aproximadamente 65 CAPS”. O número atual é de 16 unidades.