De mártires a ‘hóstia de sangue’: conheça os religiosos ligados ao CE que podem virar santos
Processo de canonização de figuras como Padre Cícero e Irmã Clemência estão em diferentes fases e pode fortalecer a fé da população
A abertura do processo de beatificação do Padre Cícero Romão Batista, autorizada neste fim de semana pelo Papa Francisco, abre não apenas os caminhos para o ‘Padim’ tornar-se Santo, mas também um debate envolvendo outros nomes de religiosos cearenses que aguardam este mesmo feito. Não são poucos.
Padre Arnóbio, Padre Ibiapina, Dom Expedito e a Menina Benigna são nomes de notáveis religiosos que, diante de seus feitos à frente da comunidade católica, tiveram o processo de beatificação aberto pela Igreja Católica. Esta última, inclusive, teve o processo já autorizado.
Esta autorização, ou reconhecimento, se dá quando há um milagre atribuído ao religioso ou ele morreu na condição de mártir, como foi o caso de Benigna, morta aos 13 anos a golpes de faca ao resistir a uma tentativa de estupro - fato que a colocou como “Heroína da Castidade”.
A canonização é um processo que envolve várias etapas antecedentes, mas que fazem parte de um mesmo rito.
Normalmente, com a abertura do procedimento, o postulante se torna um “Servo de Deus”. Se ele apresentar as virtudes necessárias, é proclamado “venerável”. Caso se prove um milagre por sua graça, é beatificado. Só depois acontece a canonização com a comprovação de um segundo milagre.
Outros quatro religiosos, todos eles ligados a Igrejas de Fortaleza, tiveram processos de canonização abertos e podem se tornar santos: Irmã Clemência de Oliveira, Irmã Rosita Paiva, Frei João Pedro de Sexto e Dom Antônio de Almeida Lustosa.
Destes quatro, Irmã Clemência é a única cearense da lista. O processo de canonização dela teve início em abril de 1995 e, em 10 de agosto de 2001, foi encaminhado a Roma.
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Ao todo, são pelo menos nove nomes - incluindo Padre Cícero. Mas, de fato, como ocorre esse processo de canonização? Quais elementos são analisados pelo Vaticano e, o principal, há um tempo para que isso aconteça?
O Diário do Nordeste ouviu especialistas que explicam a complexidade deste processo - que pode levar décadas, como é o caso do Padre Cícero - e que, ao fim, tem substancial representativa para o catolicismo.
Em Juazeiro do Norte, cidade fundada pelo Padim, há expectativa de que o fluxo de romeiros cresça ainda mais com a autorização da Igreja Católica para a beatificação do religioso caririense.
O reitor da Basílica Menor de Nossa Senhora das Dores, padre Cícero José, acredita que o número de devotos, em Juazeiro, será inflado. Atualmente, o Município recebe cerca de 2 milhões de romeiros por ano, conforme balanço da própria Basílica.
“É hora de reforçar a infraestrutura da cidade para melhor acolher esses devotos que vêm de todo o Brasil”, pontuou Padre Cícero José.
Processo particular
O ponto de partida do processo de beatificação e canonização é unificado e acontece pela Diocese local. O pedido é feito junto ao Vaticano e, então, o candidato recebe o título de Servo de Deus - estágio pelo qual estão os quatro religiosos ligados à Fortaleza. O processo, como um todo, é extenso e pode levar décadas.
A Igreja, tão logo receba o pedido de canonização, abre investigação aprofundada da vida e obra do religioso. Até que a chega ao ponto máximo, que de fato é a canonização, o candidato recebe outros dois títulos, de venerável e beato.
"Na prática, o processo chama-se beatificação e canonização, que inicia com a fama de santidade do postulante reconhecida por muitos. Depois é feita uma consulta ao bispo local, que deve emitir o juízo sobre a razoabilidade dessa causa", explica o padre Abimael Francisco do Nascimento, professor da Faculdade Católica de Fortaleza.
- Servo de Deus: momento em que o pedido de canonização é iniciado;
- Venerável: termina a investigação sobre vida e obra do religioso;
- Beato: quando há um milagre atribuído ao religioso ou ele morreu na condição de mártir;
- Santo: quando é comprovada a realização de um milagre do beato.
Após a abertura do processo, a personalidade já recebe o título de Servo de Deus. Daí, começa o período de instrução da causa, quando são feitas coletas de provas e testemunhos sobre a atuação do postulante. Essa é a fase diocesana, como explica o padre.
"Na fase romana, todo esse material vai ser junto e escrito com a assessoria da Causa dos Santos. Se o relatório das virtudes for aceito, aquele que era Servo de Deus passa a ser chamado de Venerável. Na seguida, se espera um milagre para que receba o titulo de Beato". Com outro milagre, a personalidade passa a ser Santo.
No caso dos mártires - como a Menina Benigna -, não é necessária a comprovação de milagre.
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Impacto para os religiosos cearenses
O processo de canonização vai muito além de um reconhecimento oficial da Igreja Católica aos feitos do religioso postulante ao título de santo. Conforme explica o professor universitário Abimael do Nascimento, a fé dos fieis pode ganhar uma outra dimensão com tal reconhecimento, uma vez que novas demonstrações de crença podem ser realizadas.
"Hoje não se pode prestar culto ao Padre Cícero no sentido de colocá-lo no altar de uma igreja ou fazer um trabalho pastoral diretamente para ele, porque não tem reconhecimento canônico de santidade. O povo de Deus o declara Santo, mas a Igreja não", contextualiza.
Confira uma mini-biografia de cada um dos religiosos:
PADRE CÍCERO: Cícero Romão Batista nasceu 24 de março de 1844, no Crato, no Interior do Ceará. Aos 12 anos fizera um voto de castidade por influência da trajetória de São Francisco de Assis. Em 1865, vai estudar em Fortaleza. Cinco anos depois, foi ordenado padre, em 30 de novembro de 1870, na Catedral velha de Fortaleza, pelo primeiro Bispo da Diocese do Ceará, Dom Luís Antônio dos Santos.
Em 1871, Padre Cícero volta para o Crato. Visita a então Vila de Juazeiro, onde um ano depois passaria a ser o vigário da capela. Em julho de 1911, tornou-se prefeito da cidade agora emancipada. Em 1º de março de 1889, ao dar a comunhão à beata Maria de Araújo, a hóstia teria se transformado em sangue, popularizando a fama de santo do Padre Cícero;
MENINA BENIGNA: Brutalmente assassinada aos 13 anos de idade, em 1941, Benigna Cardoso da Silva, natural de Santana do Cariri, é a cearense mais próxima da beatificação. No último dia 3 de outubro, o Vaticano anunciou que o Papa Francisco reconheceu seu martírio.
Aclamada como a “Heroína da Castidade”, a jovem morreu a golpes de faca por outro adolescente que a assediava, depois de recusar ter relações sexuais com ele. Para a população, a menina “deu a vida para não cometer pecado”. Seu processo foi iniciado em 2011 e, dois anos depois, foi nomeada “Serva de Deus”, pela Igreja Católica. Em outubro deste ano ela será beatificada.
PADRE ARNÓBIO: Fundador da Congregação das Missionárias Reparadoras do Coração de Jesus. Nascido em Massapê, o religioso foi símbolo da fé católica em Sobral até morrer, na capital cearense, em 1985. No dia 22 de dezembro do ano passado, a Igreja autorizou a transferência da competência da Arquidiocese de Fortaleza para a Diocese de Sobral. Já no último mês de abril, o processo de beatificação do sacerdote foi aceito na Congregação para as Causas dos Santos e, com isso, foi nomeado “Servo de Deus”.
PADRE IBIAPINA: A Diocese de Guarabira (PB) conduz o processo de beatificação do que, para muitos pesquisadores, foi o “cearense do século XIX”. Nascido em Sobral no dia 5 de agosto de 1806, o sacerdote é conhecido por sua vida missionária pelo sertão nordestino, onde mobilizou a construção e reforma de casas de caridade, igrejas, cemitérios, barragens e reservatórios. Ele morreu em Solênea, no agreste paraibano. A fase diocesana da sua Causa já foi concluída.
DOM EXPEDITO: Nasceu em Sobral no dia 8 de julho de 1914. Ordenado em Roma, foi, inicialmente, pároco na sua cidade natal até ser eleito o primeiro bispo da Diocese de Oeiras (PI). Depois, foi empossado como o quinto bispo de Garanhuns (PE).
O sacerdote morreu após ser atingido por três tiros à queima roupa pelo padre Hosaná de Siqueira e Silva, pároco da cidade de Quipapá, a quem havia suspendido de suas atividades religiosas por supostos envolvimentos em casos amorosos. O principal argumento da sua postulação é que houve martírio na sua morte. O processo foi reaberto em 2003.
IRMÃ CLEMÊNCIA DE OLIVEIRA: Nasceu em agosto de 1986 no município de Redenção, sendo a mais velha entre 13 irmãos. “Benicinha”, como era chamada por familiares, tinha ligação forte com a religião desde a adolescência. O processo de canonização dela teve início em abril de 1995, com o então arcebispo de Fortaleza, Dom Aloísio Lorscheider.
Em 10 de agosto de 2001, o processo foi encaminhado a Roma e ficou paralisado por 19 anos. Em 2020, então, foi criada uma Associação dos Devotos da Ir. Clemência (ADIC), que retomou o processo e que, hoje, é responsável pelo Memorial Irmã Clemência, escola de música e distribuição de sopa para famílias carentes.
DOM ANTÔNIO DE ALMEIDA LUSTOSA: Religioso que batiza, inclusive, um bairro da zona oeste de Fortaleza, Dom Lustosa teve o processo de canonização iniciado pela fama de santidade na capital cearense e em Belém do Pará. De acordo com a Arquidiocese de Fortaleza, “quando ele morreu as pessoas começaram a rezar, a pedir graças, e essas reações de pedidos fizeram com que as igrejas abrissem o processo”.
IRMÃ ROSITA PAIVA: Nascida em Lábrea, no Amazonas, em 1909, Rosita Paiva trabalhou junto a Dom Lustosa. Ambos fundaram, junto a Monsenhor Luís Carvalho de Rocha, em 4 de janeiro de 1933, o Instituto Josefino na Catedral de Fortaleza. O Arcebispo de Fortaleza, Dom José Antônio, em Carta Circular 004/2021 de 18 de maio, comunicou a todos os arquidiocesanos que a Congregação para a Causa dos Santos, em Roma, autorizou o processo de beatificação e canonização de Ir. Rosita Paiva.
FREI JOÃO PEDRO DE SEXTO: Nascido em Milão, na Itália, o religioso se tornou frade capuchinho com o intuito de ser missionário. Segundo a Arquidiocese de Fortaleza, ele “enfrentou florestas, sertões, áreas pantanosas, viagens perigosas e enfadonhas” pelas missões. Em Prata, no Pará, fundou a Congregação das Irmãs Missionárias Capuchinhas, com foco na educação da juventude feminina naquele estado. O conjunto de documentos para que o Papa o torne “venerável” já foi entregue às Comissões do Vaticano.