Data Câncer: Nova plataforma deve auxiliar gestores a melhorar acesso de pacientes à rede de saúde
O câncer é a segunda maior causa de mortalidade no Brasil, levando a mais de 200 mil mortes anualmente
Em um país tão vasto como o Brasil, é difícil alinhar totalmente as redes de saúde municipais, estaduais e federal para o tratamento do câncer. O desafio é dar conta de cobrir diversos vazios assistenciais em locais mais distantes dos grandes centros urbanos, mas uma nova plataforma digital promete contribuir para que as gestões tomem decisões mais acertadas, a partir de 2025.
Lançado no último mês de novembro, em Brasília, o Data Câncer Brasil - Plataforma Nacional de Dados Oncológicos tem dados reais armazenados em uma só base. Ele foi desenvolvido pelo Instituto Lado a Lado pela Vida, organização social dedicada a combater o câncer e doenças cardiovasculares, e é destinado a gestores dos 5.570 municípios brasileiros.
Por meio dos dados, o Data Câncer pretende contribuir para a implementação da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer, sancionada no fim de 2023. Por meio dela, foram estabelecidas diretrizes para reduzir a incidência e mortalidade, garantir o acesso ao cuidado integral e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
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Claudio Correa, consultor do Instituto Lado a Lado Pela Vida, explica que a plataforma funciona como um complemento às estimativas para cada triênio calculadas pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca), nas quais as políticas públicas nacionais e estaduais se baseiam atualmente.
No entanto, ele também percebeu limitações nos planos estaduais e municipais quanto à abrangência e à qualidade do atendimento, além de imperfeições na prevenção e no diagnóstico no menor tempo possível.
“Os planos, em 2024, só preveem a oncologia para mama e colo de útero. O que se faz com câncer de próstata, melanoma, leucemia, colorretal, de intestino?”, questiona. “Como não enxergar essas outras neoplasias? Como não considerá-las no planejamento?”.
Claudio lembra que a doença, em 821 municípios do país, já é a principal causa de óbitos. “Ainda temos tempo para mudar essa realidade até 2030. Precisamos promover equidade, ou seja, a oportunidade de um paciente ter a mesma tecnologia de tratamento em qualquer estado do país”, ressalta.
Para garantir esse financiamento, entrou neste ano em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar Nº 65/2024, para estabelecer percentuais mínimos de investimento no combate ao câncer. Desde abril, ele se encontra na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara.
A proposição descreve que a União gasta cerca de R$ 4 bilhões em oncologia, o que representa apenas 2% do orçamento federal total para a saúde. Com a mudança, os percentuais seriam de 4%, para a União, 3%, para os Estados, e 2%, para municípios com mais de 200 mil habitantes.
“Se o projeto for aprovado, a gente sai de um financiamento de R$4,7 bilhões para R$ 13 bilhões”, explica Claudio. “Mas o aumento do recurso não é o foco: temos que ter preocupação com a qualificação do gasto. Precisamos entender o que sustenta e o que não sustenta os serviços de oncologia”.
'Tempo é vida'
O Data Câncer Brasil foi apresentado oficialmente no Global Forum Fronteiras da Saúde 2024, em Brasília, no fim de novembro. O evento, organizado pelo Instituto Lado a Lado Pela Vida, reuniu especialistas para discutir soluções para o diagnóstico e tratamento, políticas públicas de saúde e financiamento do câncer na saúde pública.
Presente no local, Dárcio Guedes Júnior, diretor executivo do Fundo Nacional de Saúde (FNS), avaliou que a plataforma ajudará os gestores a entender onde aplicar os recursos e a entender, com números, a urgência de cada sistema.
“Orçamento sempre é finito”, reconhece. “Mas precisamos entender quanto precisamos investir e que o diagnóstico precoce pode resultar em uma possibilidade de atendimento maior às pessoas. Todos os dias precisamos tomar decisões corretas e assertivas”.
Essa clareza é uma das bandeiras de luta de Marlene Oliveira, fundadora e presidente do Instituto Lado a Lado Pela Vida. “Câncer é tempo, e tempo é vida”, resume, mas sem tirar a importância da pauta. “Essa lei (a Política Nacional) é complexa e difícil, mas precisa acontecer na vida das pessoas”.
O que tem acontecido hoje é que o Estado, muitas vezes, se isenta da responsabilidade e joga para os Municípios, que não têm condições de assumir esses custos. O câncer tem se tornado cada vez mais caro porque você atende os pacientes numa fase avançada. Se você atende numa fase precoce, os custos são menores e ele tem uma chance de cura muito mais alta.
Como foi criado o sistema de dados?
O trabalho de construção da plataforma contou com visitas a municípios e escuta de gestores. Segundo o Instituto, a mobilização identificou a existência de vazios assistenciais de saúde que não ficam só no mapa e impactam diretamente a vida dos pacientes, principalmente dos que moram em áreas mais distantes e são mais vulneráveis.
Dados que estavam dispersos em bancos do Ministério da Saúde e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por exemplo, foram integrados para permitir a visualização de cada realidade regional.
Como acessar o Data Câncer Brasil?
Os representantes precisam se cadastrar para ter acesso a partir de janeiro de 2025. A liberação será feita mediante avaliação do cadastro.
*O repórter viajou a Brasília a convite do Instituto Lado a Lado pela Vida.