Caminhos da Saúde: Serviço de trauma e câncer no Vale do Jaguaribe descentraliza atendimento no CE
Hospital Regional Vale do Jaguaribe contempla 40 municípios do Litoral Leste e Sertão Central, concentrando mais de 5 mil atendimentos traumatológicos e 1,1 mil pacientes oncológicos em tratamento
Para os moradores do Litoral Leste e Sertão Central, o Hospital Regional do Vale do Jaguaribe (HRVJ), localizado em Limoeiro do Norte, surge como um centro de referência na região. No segundo semestre do ano passado, foram inaugurados os setores de traumatologia e oncologia, possibilitando um atendimento especializado que contribui para descentralizar os serviços de saúde no Ceará e reduzir o tempo de deslocamento dos pacientes e da fila de espera.
Desde agosto de 2023, o atendimento de traumatologia, uma das especialidades do Hospital Regional do Vale do Jaguaribe (HRVJ), funciona de forma contínua, durante as 24 horas do dia. O local recebeu 70 novos leitos, sendo dez deles de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), 30 leitos de observação na emergência e 30 leitos de internação.
Até hoje, com dados atualizados na última terça-feira (30), já foram mais de cinco mil atendimentos de traumatologia conduzidos pelos profissionais do HRVJ, com mais de R$ 4,5 milhões investidos mensalmente para manutenção do serviço na unidade.
Já em relação ao atendimento oncológico do HRVJ, foi iniciado no dia 27 de setembro de 2023, sendo um serviço voltado aos moradores das regiões do Litoral Leste e do Sertão Central.
Assim, os pacientes podem ser atendidos no âmbito da oncologia clínica, ambulatorial, hospitalar, especializada, quimioterapia, ou hormonoterapia. O espaço conta com quatro consultórios para triagem e uma sala de cirurgia exclusiva para oncologia, possibilitando realização de exames laboratoriais e de imagem, e atendimento de nutrição especializada, e oncogenética.
No caso do atendimento oncológico entre setembro e março de 2024, foram registrados:
- Quimioterapias: 283
- Cirurgias oncológicas: 138
- Análise histopatológica: 244
- Pacientes oncológicos em tratamento: 1.117
Quem tem acesso ao serviço de oncologia do HRVJ?
O Diretor de Gestão do Cuidado e Ensino do ISGH HRVJ, o médico Jefferson Oliveira, destaca como um dos diferenciais da unidade hospitalar, a descentralização do atendimento no território cearense. Tanto o centro de traumatologia, quanto de oncologia, possibilitam que a população tenha acesso a um tratamento de qualidade sem precisar fazer o deslocamento para Fortaleza.
"A intenção da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) é desenvolver uma unidade especializada em tratamento oncológico", afirma. Segundo Jefferson, foi realizado um estudo sobre as principais demandas para o território cearense. "Houve essa necessidade, também pela dificuldade de acesso na região".
O público atendido no HRVJ é da faixa etária adulta e moradores da região.
Ao todo, 40 municípios são contemplados pelo serviço:
Superintendência Regional de Saúde |
Município | |
1 | Sertão Central | Quixadá |
2 | Sertão Central | Choró |
3 | Sertão Central | Ibaretama |
4 | Sertão Central | Ibicuitinga |
5 | Sertão Central | Quixeramobim |
6 | Sertão Central | Banabuiú |
7 | Sertão Central | Pedra Branca |
8 | Sertão Central | Senador Pompeu |
9 | Sertão Central | Milhã |
10 | Sertão Central | Solonópole |
11 | Sertão Central | Canindé |
12 | Sertão Central | Caridade |
13 | Sertão Central | Paramoti |
14 | Sertão Central | Itatira |
15 | Sertão Central | Madalena |
16 | Sertão Central | Boa Viagem |
17 | Sertão Central | Tauá |
18 | Sertão Central | Parambu |
19 | Sertão Central | Aiuaba |
20 | Sertão Central | Arneiroz |
21 | Litoral Leste | Limoeiro do Norte |
22 | Litoral Leste | Quixeré |
23 | Litoral Leste | Tabuleiro do Norte |
24 | Litoral Leste | São João do Jaguaribe |
25 | Litoral Leste | Alto Santo |
26 | Litoral Leste | Jaguaribara |
27 | Litoral Leste | Iracema |
28 | Litoral Leste | Potiretama |
29 | Litoral Leste | Jaguaribe |
30 | Litoral Leste | Pereiro |
31 | Litoral Leste | Ereré |
32 | Litoral Leste | Aracati |
33 | Litoral Leste | Fortim |
34 | Litoral Leste | Icapuí |
35 | Litoral Leste | Itaiçaba |
36 | Litoral Leste | Russas |
37 | Litoral Leste | Morada Nova |
38 | Litoral Leste | Palhano |
39 | Litoral Leste | Jaguaretama |
40 | Litoral Leste | Jaguaruana |
"Os pacientes têm acesso através da atenção primária. Caso seja identificado qualquer tumor suspeito em uma avaliação, eles são encaminhados para lá", explicou. No HRVJ, é feita a triagem e os exames necessários.
"Na suspeita, o paciente é avaliado na atenção primária e é alocado de acordo com a central para realizar a triagem oncológica no Vale do Jaguaribe. É visto por um especialista, e por outros profissionais. A gente entende que a assistência é multiprofissional. Então, ele passa por um fisioterapeuta, assistente social, psicólogo...O paciente já é identificado e dado o diagnóstico, com suporte."
O diretor de gestão, que também atua como médico oncológico da unidade hospitalar, aponta que são tratados mais de dez tipos de câncer, incluindo os de:
- Pele;
- Tireoide;
- Mama;
- Pênis;
- Próstata;
- Cólon;
- Útero;
- Ovário;
- Estômago;
- Rim;
- Intestino delgado;
- Intestino grosso.
Os mais recorrentes são: câncer de pele e de mama. Em todos os casos, o transporte do paciente ao HRVJ é disponibilizado pelo Estado ou pelo município em que ele reside, garantindo um deslocamento seguro e gratuito.
Para o médico, um desafio é aumentar o conhecimento da população sobre esse serviço e ampliar cada vez mais a rede de integração da assistência oncológica dentro do Ceará. “Quanto mais a gente descentralizar, menos o paciente precisará peregrinar dentro da rede de saúde”.
“A gente sabe dos riscos que correm nas estradas. Quando você descentraliza, consegue receber atendimento no mesmo dia e as chances de acidente na estrada são menores. Melhora a qualidade de vida. Acho que tem um peso muito significativo perceber que está ocorrendo essa distribuição regional do atendimento, facilitando o acesso desse serviço”, acrescentou.
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Acolhimento no tratamento
A aposentada Maria das Graças de Oliveira Lima, de 66 anos, é uma das pacientes que recebe atendimento no HRVJ, em Limoeiro do Norte. Em 2012, recebeu o diagnóstico de câncer (CA) de pele e precisou realizar a cirurgia de retirada das feridas cancerígenas no Centro de Referência Nacional em Dermatologia Sanitária Dona Libânia, em Fortaleza. Na época, realizava o deslocamento de Quixadá para Fortaleza, percorrendo cerca de 168 km.
"As primeiras consultas foram lá, as cirurgias foram lá. Fiz as queimações no braço e nas mãos. Quando terminei o tratamento, recebi alta", detalhou.
Já no final do ano passado, voltou a apresentar sinais de retorno do câncer. Dessa vez, o processo de triagem e tratamento ocorreu no HRVJ. "Fui para o médico do posto e disse que queria um encaminhamento, porque estavam aparecendo manchas e eu tinha tido o problema de CA de pele", disse.
Conforme Jefferson, no caso do câncer de pele, a recomendação é o tratamento cirúrgico. "Geralmente, quem tem câncer de pele, tem mais de uma lesão. Após ser submetido à cirurgia, ele mantém o acompanhamento por cerca de cinco anos, para ver se surgem outras lesões. Logo após o procedimento, o primeiro retorno é em torno de 10 e 15 dias para avaliar a cicatrização. No primeiro ano, o retorno é de mensal a bimensal, enquanto no segundo ano se torna de quatro a seis meses. A periodicidade vai aumentando com o tempo", detalhou.
No começo de fevereiro, Maria realizou a triagem e depois recebeu a ligação marcando a cirurgia. "O atendimento foi rápido, quando me viram, fizeram a triagem e tudo. Com menos de quinze dias mandaram a mensagem", acrescentou. No mesmo mês, fez três cirurgias: na orelha, ombro e mão. Dois meses depois, em abril, passou por outro procedimento, deste vez, nas pernas.
"Eu sinceramente gostei demais de fazer no Jaguaribe. É melhor para mim, porque assim, tem o carro da prefeitura que leva a gente, mas aqui perto a minha família vai me buscar, e é melhor. Fortaleza é mais longe e tenho muito medo de ficar sozinha em Fortaleza. Em Jaguaribe gosto demais, gosto do atendimento. As enfermeiras atendem a gente muito bem".
Na última segunda-feira (29), Maria retornou ao hospital para ver como está a cicatrização das feridas. Ao avaliar o atendimento recebido no Vale do Jaguaribe, a aposentada confessou com a voz em um tom que não escondia a felicidade: "Agradeço todo dia a Deus. É tanto que já me perguntaram se eu queria voltar o tratamento de Fortaleza. Vou nada! Aqui é perto, a estrada é melhor e sou bem acolhida".
‘Consegui tudo mais rápido na rede pública’
Já a agricultora Erika Castro Oliveira, de 45 anos, realiza o tratamento contra câncer de mama no HRVJ. Moradora de Itatira, a 213 km de Limoeiro do Norte, realiza o trajeto a cada novo ciclo de quimioterapia. Ela descobriu a suspeita de câncer em abril do ano passado. "Só que não procurei a rede pública, fui para o particular, para ver se seria mais rápido. A gente fica confusa com a notícia, e pensei que fosse ser mais rápido, só que não foi", afirmou.
Como não tinha em sua cidade, Erika buscou um médico particular em Canindé, que só aparecia duas vezes por mês no município. "Passou vários exames, pediu para eu fazer a biópsia. Foi um processo muito difícil porque eu não tinha condições financeiras. Minha família que me ajudou". Apesar de pagar o serviço particular, bem acima do orçamento dela, os laudos sempre davam inconclusivos, solicitando que ela refizesse os exames.
Em outubro, após o médico solicitar uma terceira biópsia, que custaria cerca de R$ 900, decidiu procurar a rede pública.
"Fui no posto, disse que queria um encaminhamento, e em menos de um mês falaram que eu ia para o Hospital do Vale do Jaguaribe (HRVJ). A agente de saúde explicou que era um hospital novo, inaugurado em setembro para abranger vários municípios que estavam precisando".
A primeira consulta ocorreu dia 6 de dezembro. "Passei pela triagem. Fui super bem atendida. Passei por nutricionista, psicóloga, passa por cada uma. No dia que passei pela triagem, fiz os exames e também fizeram a biópsia". No dia 31 de janeiro, o resultado saiu, já confirmando que ela estava com câncer de mama.
No caso do tratamento do câncer de mama, é recomendado fazer ciclos de quimioterapia inicialmente para depois efetuar a cirurgia. "O paciente recebe o diagnóstico, identifica um tumor, faz os ciclos de quimioterapia, que pode durar de 2 a 3 meses, há uma pausa de seis semanas, e depois é feita a cirurgia", explicou o Jefferson.
"Ficou marcado para eu passar pelo médico e, em março, comecei a fazer a quimioterapia. Já fiz três ciclos. Ao todo, são seis, depois vou para a cirurgia. Fiz tudo lá, exames, tudo, e não paguei nada", acrescentou.
"É um bom atendimento. Não tem nem o que falar, você é bem recebido desde que chega, tanto na parte de fora, das atendentes, e dentro com os médicos, as enfermeiras também". Após três ciclos de quimioterapia, o médico já deu o retorno de que ela está com um resultado avançado. "Pensei que fosse difícil, mas logo foi sendo resolvido. Na rede pública que consegui tudo mais rápido, um apoio maior e sem gastos financeiros", concluiu.
Quem tem acesso ao serviço de traumatologia no HRVJ?
"O foco é mesmo esse público do Vale do Jaguaribe, do São Francisco, da região. Com atendimento a mais 20 municípios que ficam ali, tanto no litoral leste como do próprio Limoeiro do Norte e tem outros municípios contemplados além desses também", é o que explica Allysson Henrique de Sousa, coordenador de enfermagem da urgência e emergência no HRVJ.
Somados os meses de janeiro, fevereiro e março deste ano, o HRVJ já recebeu 2.461 pacientes no setor citado por ele. Os números mostram que 27% dos pacientes foram vítimas de acidentes automobilísticos, com 673 acidentes.
Já em relação às especialidades, o levantamento divulgado pelo Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar (ISGH) mostra que já foram 1.673 cirurgias ortopédicas, 176 atendimentos de cirurgias bucomaxilofaciais, 168 neurocirurgias, 75 cirurgias vasculares e 33 cirurgias plásticas.
As formas de acessar o serviço, comenta o profissional de saúde, são diversas. "Esse fluxo de pacientes da traumatologia se dá principalmente por meio da regulação, né? Com a Central de Regulação de Leitos. Como também esse processo ocorre por livre demanda. A população também acessa normalmente, haja vista esse serviço ocorrer de forma que é "porta aberta" no Hospital Regional", especifica.
Atendimento rápido
Deyse Maia Nogueira foi uma das moradoras da região assistidas pelo atendimento de trauma do HRVJ. Em setembro de 2023, a analista financeira passou pelo susto de estar em uma colisão, junto com o namorado. Os dois estavam na própria moto quando o veículo colidiu com a de outra pessoa. Na ocasião, ela teve politraumatismo nos membros inferiores e no superior esquerdo, enquanto o namorado ficou desacordado e apresentou trauma cranioencefálico.
"Não recordo de como cheguei ao hospital devido ao acidente. Não lembro de nada mesmo", contou ela em entrevista ao Diário do Nordeste explicando como se deu o acesso ao HRVJ em um momento tão delicado. Segundo Deyse, de início os dois foram levados a uma UPA da região, mas o estado grave de saúde já pedia por um atendimento mais específico, o que os levou ao hospital de referência.
"Os relatos de familiares, que estavam lá comigo, me dizem que fui bem assistida e que já estavam nos esperando na ala da Emergência. Foram logo me encaminhando para o setor de imagens para realização de tomografia e Raio-x. Depois disso, encaminharam de imediato para o centro cirúrgico para realizar a primeira cirurgia de emergência", relata Deyse.
Nesse momento, a analista fez questão de ressaltar a importância do atendimento, definindo-os como "anjos enviados por Deus". "Por conta da gravidade das minhas fraturas, eles conseguiram realizar a cirurgia da melhor forma e com rapidez para que não ocorresse nada mais grave", reforça.
Conforme Allysson Henrique, assim como ocorreu com Deyse, cada perfil é analisado para realizar o atendimento adequado e de forma eficiente. São levadas em consideração as especialidades e sub especialidades, entendendo o estado de cada paciente e como o protocolo deve ser executado.
O paciente, ele conta, chega com um perfil traumatológico e tudo depende do entendimento inicial do quadro. "Essa pessoa pode precisar de uma análise do cirurgião-geral, com o profissional bucomaxilofacial, com um médico ortopedista ou até de um neurocirurgião ou cirurgião-plástica, etc", diz, pontuando que a cinemática do trauma também deve definir se haverá ou não uma intervenção.
Para Deyse, o indicado foi uma cirurgia, assim como para o namorado, José do Carmo Júnior, que também continuou sob os cuidados da equipe médica na espera por uma reversão do quadro. Depois de cinco dias na UTI em coma induzido, a mulher recobrou os sentidos e precisou lidar com outra dificuldade: a falta de reação do namorado.
"A equipe me deu total apoio e força, sempre tentando me manter informada e tranquila. Após quatro dias, um milagre aconteceu e o Júnior começou a reagir e tiraram a sedação dele. Quando ele acordou, a equipe explicou tudo o que aconteceu e ele fez um pedido ao Coordenador da Fisioterapia para me pedir em casamento", explica ela, agora aliviada com o fim positivo da história.
O momento entre os dois foi tão emocionante que o vídeo do pedido viralizou nas redes sociais. Na época, Júnior definiu a situação como uma nova chance para aproveitar o amor.
Especialidades e sub especialidades
Como descrito pelo coordenador de enfermagem da urgência e emergência, as especialidades e sub especialidades do hospital são sempre levadas em consideração diariamente. Dados apontam, inclusive, que os traumas relacionados à ortopedia são os mais registrados dentro da unidade.
"Os números são bem elevados”, garante Alysson Henrique. Ainda assim, todas as outras recebem os cuidados estabelecimentos para o atendimento correto dos pacientes, sempre com atenção para as necessidades de cada quadro. "Dependendo do tipo de trauma, claro, outros profissionais são envolvidos. Logo em seguida à análise traumatológica, são analisadas áreas como a especialidade bucomaxilofacial e as outras, por exemplo".
Na porta da emergência, ele ressalta, o protocolo é seguido e os traumas são elencados de acordo com a gravidade, afim de decidir a ordem dos atendimentos. "Isso ocorre para a gente proporcionar um melhor atendimento a todos que procuram o hospital", esclarece o coordenador. O tempo de internação, então, também fica condicionado ao quadro de cada pessoa que passa pelo local, conforme análise médica.
Questionado sobre os desafios de manter o serviço, Allysson Henrique de Sousa conta que é preciso lidar com cada um deles de forma focada. "Um dos nossos desafios diários é manter esses profissionais diariamente, assim como também manejar os pacientes, que acabam acessando o hospital e crendo que o caso se encerra aqui, mas muitas vezes também podem precisar de outros tratamentos", finaliza.