Cientista da UFC desenvolve cosmético inédito com 95% de eficácia para pacientes em tratamento contra o câncer
Para evitar efeitos colaterais da radioterapia e proporcionar maior qualidade de vida às pacientes, a professora Tamara Gonçalves criou um hidratante terapêutico 100% hipoalergênico e sustentável

Um cosmético inédito, totalmente desenvolvido no Laboratório de Farmácia da Universidade Federal do Ceará (UFC), teve 95% de eficácia comprovada em mulheres com câncer de mama que estão passando por radioterapia no Instituto do Câncer do Ceará (ICC).
Sintomas como vermelhidão, dor, coceira, ressecamento e até queimaduras são bastante comuns durante o tratamento contra a doença. A radiodermite é uma reação inflamatória que acontece na pele devido à toxidade da radiação, sendo um dos efeitos colaterais mais severos da radioterapia.
Pensando em evitar esses efeitos adversos e proporcionar maior qualidade de vida às pacientes, a cientista cearense Tamara Gonçalves desenvolveu um hidratante terapêutico, chamado oncocosmético, uma associação de óleo de baru, óleo de macaúba e manteiga de tucumã, emolientes vegetais originais da Amazônia.
Essa combinação proporciona não só a hidratação, como ajuda a regular o PH da pele e atua, comprovadamente, para o não desenvolvimento de radiodermites, dermatites tópicas e eczemas.
No laboratório da UFC, a professora Tamara realizou diversos testes com óleos vegetais até chegar num produto que é 100% hipoalergênico, ou seja, livres de substâncias químicas que podem causar reações alérgicas na pele ou nas vias respiratórias.
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Ineditismo do projeto
Em entrevista ao Diário do Nordeste, Tamara Gonçalves conta que o ineditismo do projeto é a associação original dos emolientes, cujas composições diferem entre si e atuam de forma sinérgica e eficaz no tratamento do processo inflamatório da pele, com ingredientes quimicamente compatíveis.
Desde o início dos estudos, em 2017, a cientista buscava criar um complexo lipídico, com uma formulação totalmente hipoalergênica, em que as matérias-primas fossem extraídas da natureza de forma consciente e sem derivados de animais.
É um projeto que teve muito estudo científico, que eu iniciei ainda em 2017, mas só em 2019 que consegui realmente colocar em prática. Toda a pesquisa científica foi buscando óleos e manteigas vegetais do nosso Brasil, com a preocupação de fazer um extrativismo natural, e que também fosse possível de reproduzir em larga escala na indústria
O produto foi desenvolvido para pacientes em tratamento de radioterapia, especialmente para mulheres com câncer de mama que foram impactadas pelas reações ao tratamento.
"O corpo fica muito fragilizado, e uma das consequências da radioterapia é a radiodermite, quando a pele fica muito ressecada e com queimaduras, a paciente fica com uma sensação de sair da sessão e sentir a sua pele queimar, arder, coçar. É um incômodo muito grande", afirmou Tamara.

Testes e comprovação científica
O primeiro passo foi selecionar os ingredientes, caracterizá-los e fazer o controle de qualidade das matérias-primas. Até chegar à fórmula ideal, foram inúmeras tentativas.
"Todos os ingredientes foram aprovados para a finalidade que eu queria. Depois, foi um estudo de desenvolvimento, para ver a compatibilidade e, principalmente, a estabilidade da formulação. Feito tudo isso, a gente já passa para o ensaio clínico, que envolve tanto a segurança para o paciente, como a eficácia do produto”, explicou a pesquisadora, que também criou um questionário para saber a aceitação do produto pelo público.
Os resultados, depois de uma análise estatística, foram muito maiores do que Tamara Gonçalves imaginava. No total, 85 pacientes do ICC participaram do ensaio clínico e foram analisadas. As mulheres foram divididas em 2 grupos, sendo um grupo controle e um grupo teste.
A verificação de eficácia do oncocosmético foi realizada por meio de um teste clínico triplo cego - um estudo em que o participante, o avaliador e o analista de dados não sabem qual intervenção está sendo aplicada.
A boa notícia é que, já na terceira semana de uso do produto, foi observado que 95% das pacientes não apresentou nenhum grau de radiodermite e apenas 3% delas apresentou um grau leve da inflamação.
“Esse hidratante vem confirmar que um produto de base científica demonstrou uma eficácia clínica nos pacientes que utilizaram o produto”, sublinhou a professora.
“A associação inédita de óleo de baru, de macaúba e manteiga de tucumã trabalha não só na hidratação, mas também na regulação da produção de filagrina da pele, uma proteína estrutural que ajuda a formar a barreira cutânea. O PH da nossa pele é levemente ácido, e quando há qualquer sensibilização como radiodermite ou dermatites atópicas, esse PH fica básico. Então, a gente conseguiu acompanhar que essa eficácia clínica, do não aparecimento das radiodermites, foi ligada diretamente à regulação da produção de filagrina, que automaticamente regularizou o PH levemente ácido da pele”, completou.
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Formulação
O produto é totalmente dedicado para peles sensíveis e sensibilizadas. De formulação 100% sustentável, proporciona uma ação terapêutica, constituída, obrigatoriamente, de ingredientes hipoalergênicos, com ausência de derivados de petróleo, derivados de silicones, sulfatados, etoxilados e propoxilados, parabenos, corantes e de fragrâncias alérgenas.
O oncocosmético também possui características sensoriais agradáveis, com boa espalhabilidade, toque seco, rápida absorção, baixa pegajosidade e fragrância suave, o que resultou na boa aceitação do público.
Acolhimento das pacientes
Após anos de pesquisa e dedicação ao projeto, Tamara Gonçalves comemora os resultados positivos. Para a cientista, o cosmético oncológico não entrega apenas a eficácia de um produto contra os efeitos da radioterapia, como também ajuda a acolher as fragilidades e devolver a autoestima das pacientes.
“Esse projeto é o mais importante da minha carreira, porque desde a ideia, o desenvolvimento e a comprovação de eficácia de um produto é muito gratificante. E o mais importante: a gente viu ali que as alunas que participaram desse processo, todo mundo saiu da zona de conforto”, celebrou.
Não estamos só entregando o cosmético, estamos acolhendo uma fragilidade do paciente. Então, foi muito mais do que a entrega de um oncocosmético, foi também receber aquele acolhimento do paciente e de alguma forma ajudá-lo a minimizar as dores, as queimaduras da radioterapia
Processo de patente do produto
Tamara Gonçalves afirmou que já deu entrada no processo de patente do produto junto à UFC. A pesquisadora e a universidade já estão em negociação com indústrias brasileiras a nível nacional para, em breve, comercializar o hidratante terapêutico em todo o País.
A Farmácia Escola da UFC vai disponibilizar o hidratante para pacientes do ICC a um preço social, apenas para cobrir os custos de compra de matérias-primas.
Além da professora Tamara Gonçalves, participaram do projeto os professores da UFC Diego Lomonaco, Selma Mazzetto, Cristiani Lopes, Iara Santiago, Paulo Goberlânio, os médicos do ICC Flávio Bitencourt e Fernando Bastos, e alunos de graduação e pós-graduação da UFC.