Cantinho Acadêmico: memória e futuro do bar que há 27 anos é local de boemia no Benfica

Para frequentadores, espaço mantém tradição com músicas da MPB e proximidade entre clientes e funcionários

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
Legenda: Clientela costuma se dividir entre estudantes, professores e funcionários de centros de ensino
Foto: Thiago Gadelha

Idealizado e gerido por José Pereira do Nascimento, falecido no último domingo (16), o bar Cantinho Acadêmico é reduto da boemia universitária no bairro Benfica, em Fortaleza, há 27 anos. Com a morte de seu fundador, alguns se perguntam sobre o futuro do local, mas também rememoram o quanto o lugar tem se mantido como referência na cidade.   

Como diz seu letreiro, o Cantinho é “tradição desde 1995” e se firmou como espaço de encontros para estudantes, professores e funcionários de centros de ensino próximos, como a Universidade Federal do Ceará (UFC) e o Instituto Federal de Educação (IFCE).

Para o irmão de José, Luciano Pereira, também sócio no empreendimento, não há outra opção para o futuro senão continuar as atividades. “Como futuro gestor, a ideia é seguir em memória de José Pereira, porque ele trabalhou muito para formar esse nome”, assegurou em entrevista ao Diário do Nordeste.

Luciano conta que a ideia de montar o bar surgiu entre José e o cunhado Gildemar mais como diversão do que com propósito comercial. “Depois, o Gildemar desistiu e o José seguiu já com a proposta de atender à clientela universitária, como até hoje continua”, relata.

Inclusive, o público que passou pelo Cantinho na época da graduação, bem como ex-professores, “geralmente voltam para rever amigos, fazer reencontros”, garante Luciano.

O principal destaque do bar é um mural colorido com caricaturas, pintado no ano 2000. De um lado, pensadores como Albert Einstein, Paulo Freire e Patativa do Assaré dividem uma mesa. Outras são ocupadas por Raul Seixas, Belchior, Rita Lee, Tim Maia e mais dezenas de personalidades.

“Esse mural foi criado a partir do nosso perfil musical porque sempre gostamos de boa música, de MPB de qualidade. Sempre foi o forte do Cantinho Acadêmico mostrar esse tipo de música para o cliente se sentir bem, mais à vontade, sem estresse… Um barulho com qualidade”, explica Luciano.

Legenda: Bar foi fundado em 1995 com proposta de entretenimento
Foto: Thiago Gadelha

Amizades e berço musical

Ladeado pela movimentada Avenida 13 de Maio, o bar costuma ter música ao vivo e karaokê. Porém, foi a proximidade entre donos, funcionários e clientes, “de modo que todos se sintam em casa”, que conquistou o psicólogo Lindemberg Saldanha há 25 anos, ao ingressar na faculdade de Psicologia.

“O local inicial do Cantinho era colado ao muro da Faculdade de Educação, ao lado da Clínica-Escola de Psicologia, por isso o nome Cantinho Acadêmico. O local já era referência para as turmas de veteranos e boa parte da socialização e integração dos alunos se dava lá”, lembra. 

Lindemberg percebe que, fisicamente, o Cantinho não se modificou tanto ao longo do tempo. Para ele, a manutenção das referências físicas e o modo como Pereira e companhia tratavam e tratam a clientela “podem ter contribuído para a longevidade do estabelecimento”.

Ser esse “bar raiz” também é apontado pelo músico Derek Rodrigues como um diferencial para a casa que frequentava como cliente antes mesmo de se apresentar profissionalmente. Lá, ele costumava acompanhar o trabalho do amigo Marcelo Di Holanda até surgir uma situação em que precisou substituir o cantor.

“Um dia, o Pereira e o Alan (filho de José) me convidaram porque gostaram do meu trabalho. A gente teve uma relação de amizade de muitos anos e eu falava muito que o Cantinho é um local que eu podia tocar de graça, tranquilamente”, afirma. 

Inclusive, Derek deixou a música de lado por um período, principalmente durante a pandemia, e não aceita tocar em qualquer local. “Mas o Cantinho era um local para onde ia com o maior prazer”, orgulha-se.

“O Cantinho sempre foi diferente do que temos hoje de bares com sertanejo, com forró, coisas mais caras, mais requintadas. Lá é música raiz, músico raiz, petisco raiz. Não tem como falar do Benfica e não falar do Cantinho, e não tem como falar de lá sem falar do Pereira”, diz Derek.

Legenda: Mural pintado no ano 2000 traz importantes nomes da música brasileira
Foto: Thiago Gadelha

Lindemberg Saldanha também agradece ao dono do bar por ter aberto as portas do Cantinho para a geração de artistas que surgia no cenário do rock de Fortaleza, no início dos anos 2000, quando era difícil conseguir espaços para shows e divulgação. 

“Esse contexto fez com que eu falasse diretamente com o Pereira pra abrigar um show da minha banda (Os Malditos Rock Band), que seria o lançamento do nosso primeiro EP (O Lago). Pereira nos recebeu de braços abertos. Após esse show, decidimos estabelecer um calendário de shows no Cantinho, quase sempre aos sábados”, recorda. 

Desse processo, o psicólogo explica que surgiu o Movimento Autoral Cearense (Mova-CE). Ao sediar shows de bandas como Full Time Rockers, Donzela, Jorge Belasco e Red Run, dentre outros, ele compara o Cantinho Acadêmico ao CBGB - famoso clube estadunidense berço de bandas de punk rock.

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Legado

Para Luciano Pereira, a herança deixada por José é de muita dedicação e entusiasmo pelo trabalho, tratando os clientes com atendimento preferencial. 

Aliás, a maioria não é nem tratada como cliente, mas como amigo. Com isso, ele conseguiu fazer uma vasta amizade. O legado que ele deixa é uma área de cultura no Benfica, e para mim, particularmente, a essência de muita força de vontade.
Luciano Pereira
Sócio do bar

Nas redes sociais, centenas de comentários atribuem ao dono importantes recordações sobre o bar como espaço de memória afetiva, endossado pelo psicólogo Lindemberg Saldanha.

“A percepção do Pereira como uma pessoa acessível, sensível à sua condição de ser jovem e estudante, seu bom humor e sua disponibilidade em sentar muitas vezes e contar suas histórias o tornaram um cara altamente cativante. Era muito fácil gostar do Pereira”, garante.

 

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