Duna do Pôr do Sol de Jericoacoara pode desaparecer em até 10 anos; veja imagens antigas

O imenso acumulado de areia perdeu mais de 50 metros de altura e a ausência de areia pode ocasionar o avanço do mar na região

Subir numa imensidão de areia branca até perder o fôlego. Esse era o efeito após escalada de 60 metros, altura da Duna do Pôr do Sol, em 1975, e da visão ofegante de Jericoacoara, na região Norte do Ceará. Quase 50 anos depois, moradores e turistas sobem pelo resquício da duna, que se limita a menos de 10 metros, agora para se despedir do espaço.

A estrutura, além de mais baixa, está mais curta: foram perdidos mais de 350 metros de extensão. As imagens antigas contrastam com as atuais e causam um sentimento de perda – apesar de ser um movimento natural, o adeus à Duna acontece muito antes do esperado.

Modelos estatísticos analisam diversos fatores ambientais e apontam o sumiço nos próximos 2, 4 e 10 anos, por exemplo, mas as diferentes metodologias e a dinâmica do litoral dificultam o momento preciso. Os dados são de publicações da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Universidade Estadual do Ceará (Uece).

Isso acontece porque a construção da Vila de Jericoacoara formou uma espécie de barreira para as areias levadas pelo vento. É como se a gigante turística deixasse de ser alimentada. Por isso, pesquisadores cearenses e de outros estados analisam, há anos, o impacto humano.

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“A duna está correndo um risco de deixar de existir, porque esse processo se dá tanto por características naturais como por intervenções equivocadas, como a Vila de Jeri, que foi construída justamente entre os corredores por onde a areia corre”, explica o geógrafo Jader Santos.

O especialista, professor na UFC, frisa que o bloqueio dos corredores eólicos, por onde a areia é carregada, está como o principal motivo para a redução acentuada da Duna.

“Tem uma vila extremamente adensada, povoada e com muitas edificações. O canal que alimenta a duna é interrompido e essa areia não tem mais por onde percorrer”, reforça Jader.

Com o crescimento das estruturas, houve a diminuição do acumulado de areia, com mais intensidade a partir dos anos 2000, como contextualiza Gustavo Gurgel, doutorando em geografia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece).

“É algo natural, mas nesse caso houve um processo antrópico que acelerou demais isso. Se vemos os registros, entre 1975 e 2010, as imagens de satélite mostram uma diminuição de 9,32% do volume”, detalha.

Porém, entre os anos de 2017 e 2018, foi detectada uma taxa de 6,8% de perda de volume por ano. Nos estudos de Gustavo, que analisa a Duna do Pôr do Sol para o doutorado, essa taxa chegou a 10,1% ao ano.

A redução também acontece devido ao movimento para lazer, como acrescenta Jader. “Toda vez que alguém pisa na duna, a areia se remobiliza e fica mais fácil de ser transportada. Então, o fluxo de pessoas favorece a erosão”, explica.

As intervenções humanas, como a criação de animais e a retirada de areia na região, como analisa Gustavo.

“Usaram parte da área para pecuária e o animal, quando evacua, deixa as sementes que fazem um enxugamento do solo e dificultam o arrasto dos sedimentos. Além da retirada de areia de lugares indevidos, muitas trilhas e pessoas descendo pela escarpa da duna”, pontua.

Qual o impacto disso?

Os prejuízos da degradação da Duna do Pôr do Sol – espaço que está nos álbuns de muitas famílias e onde já foram realizados até casamentos – está além do afetivo.

Além do impacto negativo para as atividades turísticas e de lazer, a ausência da estrutura pode ocasionar o avanço do mar na região.

“Logo após a duna, há uma tendência que a praia de Jeri, Guriú, Mangue Seco entre num processo erosivo. O prejuízo para o uso de lazer e há uma perda do patrimônio paisagístico e ambiental. Isso por uma ocupação inadequada”, detalha Jader.

Imagine que a Duna do Pôr do Sol deixe de existir daqui a 10 anos. O mar não vai ter aquela areia que o segurava e pode começar a avançar
Jader Santos
Geográfo

Na prática, a água do mar pode chegar muito próximo das edificações num contexto que ainda nem leva em consideração as mudanças climáticas que elevam o nível do mar.

Entre as respostas da natureza, pode estar a formação de novas dunas. Com a estrutura construída, no entanto, o mais provável é que os cearenses não vejam o nascimento de uma nova Duna do Pôr do Sol.

“Podem surgir outras dunas, lá há 3 maiores do que a do Pôr do Sol, é um fenômeno comum dessa região, mas não seria próximo da Vila”, completa o geógrafo.

Aproveitar os recursos naturais

Os pesquisadores lamentam a aceleração do processo no qual a Duna do Pôr do Sol deve deixar de existir. “Eu disse que até 2024 a Duna ia desaparecer, mas infelizmente um ano antes está desse jeito e poderíamos ter minimizado essa situação”, pontua Gustavo.

Hoje a Duna do Pôr do Sol está com apenas 9,8 metros é apenas um resquício de duna e está recebendo contribuição da Duna do Papai Noel, mas quase nula a captação de sedimentos
Gustavo Gurgel
Geógrafo

O caso de Jericoacoara dá uma lição de planejamento ambiental evidenciando a relevância de determinar as áreas de conservação, como observa Jader.

“Definir quais áreas que podem e não podem ser ocupadas, e com técnicas construtivas adequadas, com a manutenção dos corredores de deflação”, completa.

“O que está acontecendo em Jeri hoje é o reflexo do que aconteceu em outros lugares e deve acontecer em outros enquanto não for feito um zoneamento definindo as áreas prioritárias para conservação e do uso sustentável”, conclui o especialista.