‘Desafio do apagão’ no TikTok alerta sobre jogos perigosos na internet; especialistas orientam pais

Dever de conversar com crianças e adolescentes sobre efeitos práticos das “brincadeiras”, porém, vai além da família

Entre dancinhas, memes e “trends”, crianças e adolescentes acessam uma rolagem infinita de conteúdos por dia. Mas o mesmo feed que entretém pode ser atravessado por grandes perigos: como “desafios” que põem em risco a saúde do corpo e da mente.

Em caso recente na Argentina, uma adolescente de 12 anos morreu após praticar o “desafio do apagão” ou “desafio do desmaio”, um dos vários jogos de não-oxigenação que se popularizaram na internet.

O Diário do Nordeste conversou com especialistas para tentar responder: numa realidade hiperconectada, como orientar e proteger meninos e meninas desses riscos?

No Ceará, 8 crianças e adolescentes morreram e 6 ficaram com sequelas após os “desafios” virtuais, nos últimos oito anos, segundo o Instituto DimiCuida (IDC), criado em 2014 após um jovem de 16 anos perder a vida praticando o jogo do desmaio.

O mapeamento é informal, feito a partir de notícias e relatos de familiares – e, portanto, subnotificado. Mas de acordo com o IDC, pelo menos 6 cidades cearenses registraram vítimas dos “desafios”, entre 2014 e 2022:

  • Fortaleza: seis mortos e três vítimas com sequelas;
  • Eusébio: morte de adolescente de 12 anos vítima de “jogo de não-oxigenação”;
  • Sobral: uma morte, sem detalhamento de idade;
  • Baturité: um caso com sequelas;
  • Iguatu: um caso com sequelas;
  • Brejo Santo: um caso com sequelas.

A psicóloga Carolina Ramos, especialista no comportamento de crianças e adolescentes, destaca que essa faixa etária está exposta a essas situações por motivos, além dos sociais, biológicos.

“A área do cérebro responsável pelas habilidades cognitivas e controles de impulsos está em desenvolvimento nessa etapa. Então crianças e adolescentes acabam tendo dificuldades de pensar nas consequências, se sentindo inseguros, com necessidade de aprovação e pertencimento. Isso pode levar a uma fuga da realidade.”

Existe um processo de amadurecimento do cérebro, principalmente na fase de transição da infância à adolescência, marcado pela necessidade de autoafirmação, busca por novidades e aumento de comportamentos de risco.
Carolina Ramos
Psicóloga

Internet “expandiu” jogos perigosos

A psicóloga Fabiana Vasconcelos, especialista do IDC, observa que essas práticas “sempre existiram na vida de crianças e adolescentes, principalmente a partir dos 11 anos, quando começam a perceber os limites do corpo e a necessidade de inserção num grupo”.

O que a internet fez, por meio das redes sociais, foi expandir o acesso a esses desafios. “Antes, os jogos ocorriam em grupos físicos, na escola, no grupinho da rua, num espaço físico contido. Agora, isso é explorado no espaço digital”, destaca a psicóloga.

Não é a mídia social que incentiva, é a quantidade de informação que a criança ou adolescente é capaz de acessar. Antes, ele brincava com os amigos da pracinha. Agora, consegue viajar por todas as ‘praças’ do Brasil ao mesmo tempo.
Fabiana Vasconcelos
Psicóloga e especialista do Instituto DimiCuida

A proteção de meninos e meninas, nesse contexto, deve partir de um tripé, como resume Fabiana: família, escola e poder público.

“Nenhuma família deveria ter crianças acessando TikTok, Instagram, Snapchat. Mídias sociais são para pessoas de 13 anos acima. Além disso, não vemos campanhas de políticas públicas e de educação sobre esse assunto”, critica a psicóloga.

Como falar sobre jogos perigosos

O diálogo e a orientação de crianças e adolescentes sobre o assunto são algumas das principais ferramentas para prevenir a prática de “brincadeiras” perigosas e “desafios” que ponham a saúde e a vida em risco.

A psicóloga Fabiana Vasconcelos lista dicas de como fazer:

  • Fazer 2 perguntas básicas, todo dia: “como foi na escola?” e “o que você viu na internet hoje?”;
  • Perguntar se a criança ou adolescente sabe o que é perigoso na internet, para saber o que ela tem por noção de perigo;
  • Diferenciar o que é desafio bom (dancinhas, por exemplo) e desafio perigoso (do “apagão”, do “desmaio”, do “desodorante”);
  • Explicar regras simples e práticas: “se o desafio for pra você mexer com o seu corpo, ingerir, inalar ou baforar algo, não faça”.

Falar de morte pra adolescentes é irrelevante: é preciso falar de danos. ‘Você sabia que prender a respiração faz você perder o controle dos esfíncteres? Já pensou você estar no pátio da escola e não conseguir segurar? Não passar de fase de videogame por problemas de cognição?’
Fabiana Vasconcelos
Psicóloga e especialista do Instituto DimiCuida

A psicóloga alerta ainda que a fala comum repetida por todos, “ele sabe tudo de internet”, esconde uma verdade perigosa: “a criança não entende de internet, porque ela tem zero experiência de vida. Ela só sabe mexer em aparelhos”, diferencia Fabiana.

A especialista recomenda ainda que pais e responsáveis não permitam que celulares ou outros aparelhos de acesso à internet permaneçam no quarto após a hora de dormir, e indica que o WiFi, por exemplo, tenha horário para ser desligado.

Quais os sinais da prática de jogos perigosos

A psicóloga Carolina Ramos alerta que “antes de esperar algum sinal, é bom que os pais consigam ter vigilância sobre o que os filhos veem nas redes sociais, já que eles não têm maturidade para terem independência em relação às telas”.

O Instituto DimiCuida lista possíveis sinais que podem indicar a prática de “desafios” perigosos por meninos e meninas:

Sinais físicos:

  • Olhos vermelhos, irritados;
  • Marcas no pescoço;
  • Pequenos pontos vermelhos ao redor do rosto, olhos e pálpebras;
  • Frequentes dores de cabeça, enxaqueca;
  • Desorientação após passar tempo isolado ou sozinho.

Comportamento:

  • Conversas que mencionam a atividade ou outros jogos de risco;
  • Vestir camisas ou camisetas de gola alta mesmo no calor;
  • Irritabilidade excessiva sem um motivo aparente;
  • Passar muito tempo trancado no quarto.

Alertas no ambiente:

  • Presença sem explicação ou razão na casa ou quarto de: guia de cachorro, coleiras, cordas de pular, cachecóis, cintos (rompidos) e faixa de artes marciais amarrados a móveis ou trincos de porta.

Onde buscar ajuda

Caso você esteja se sentindo sozinho, triste, angustiado, ansioso ou tendo sinais e sentimentos relacionados a automutilação ou suicídio, procure ajuda especializada em sua cidade. É possível encontrar apoio em instituições como o Centro de Valorização da Vida (CVV - 188) e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

• Postos de saúde: as unidades são portas de entrada para obter ajuda especializada, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

• CAPS Infantil - Estudante Nogueira Jucá
Endereço: Rua Cruz Saldanha , 485, Parquelândia

• CAPS Infantil - Maria Ileuda Verçosa
Rua Virgílio Paes, 2500, Cidade dos Funcionários
 
• Centro de Valorização da Vida – CVV
Atendimento 24h 
Contatos: 188 ou chat pelo site https://www.cvv.org.br
 
• Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (CBMCE)
Contato: 193 
Endereço: Núcleo de Busca e Salvamento Av. Presidente Castelo Branco, 1000 – Moura Brasil – Fortaleza-CE
 
• Hospital de Saúde Mental de Messejana
Contatos: (85) 3101.4348 | www.hsmm.ce.gov.br 
Endereço: Rua Vicente Nobre Macêdo, s/n – Messejana – Fortaleza/CE

• Programa de Apoio à Vida – PRAVIDA/UFC
Contatos: (85) 3366.8149 / 98400.5672 | contato.pravida@gmail.com
Endereço: Rua Capitão Francisco Pedro, 1290 – Rodolfo Teófilo – Fortaleza/CE

 • Instituto Bia Dote
Contatos: (85) 3264.2992 / 99842.0403 | contato@institutobiadote.org.br / institutobiadote@gmail.com | www.institutobiadote.org.br 
Endereço: Av. Barão de Studart, 2360 – Sala 1106 – Aldeota – Fortaleza/CE

 • Instituto DimiCuida
Contatos: (85) 3255.8864 | contatos@institutodimicuida.org.br | www.institutodimicuida.org.br 
Endereço: Av. Santos Dumont, 1388 – Aldeota - Fortaleza/CE