Adoções de crianças e jovens crescem mais de 30% em Fortaleza após período crítico da pandemia
Implementação de audiências virtuais e uso de novos instrumentos legais prometem agilizar o andamento da fila de espera na Capital
De um lado, a espera de pretendentes pela chegada de um filho ou filha. Do outro, a expectativa de crianças e jovens pela saída de um abrigo e o acolhimento em um novo lar. Entre eles, um processo de adoção que pode se estender por anos, mas tem avançado em Fortaleza após o período mais crítico da pandemia da Covid-19.
Em 2020, ano da chegada do coronavírus ao Ceará, foram 29 adoções com base no cadastro do Sistema Nacional de Adoção (SNA), que reúne os candidatos inscritos e habilitados à adoção. Em 2021, foram concretizadas 42 nesta modalidade, além de 39 de janeiro ao início de dezembro de 2022.
Os dados foram disponibilizados ao Diário do Nordeste pela 3ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Fortaleza, única na Capital especializada na matéria. Além das adoções pelo cadastro, houve outras concretizadas pelas 3 hipóteses de adoção fora dele, como estabelece a Lei 8069/1990:
- quando você adota o filho de seu cônjuge;
- quando o adotando é seu parente;
- quando se tem a guarda judicial de criança maior de 3 anos ou adolescente.
A juíza Alda Maria Holanda Leite, titular da 3ª Vara da Infância e Juventude, admite que, durante o lockdown em razão da pandemia, houve uma “redução considerável” no número de adoções, não só no Ceará, mas em todo país.
Porém, a magistrada explica que a regulamentação das audiências on-line e o aprimoramento das tecnologias permitiram a continuidade do trabalho em modelo virtual, embora nem todas as partes possuam acesso de qualidade a mídias e conexões digitais.
“É inegável que a pandemia trouxe mais prejuízos a crianças e adolescentes. Porém, em momento algum, deixou-se de trabalhar pela efetivação de seus direitos”, pondera a juíza.
As audiências virtuais também são apontadas pelo promotor de Justiça e coordenador auxiliar do Centro de Apoio Operacional da Infância, da Juventude e da Educação (Caopij), Dairton Oliveira, como ponto positivo para a adoção voltar a crescer no Estado.
Além disso, ele elogia a aplicação da Antecipação de Tutela Adotiva para crianças há mais de 6 meses nos abrigos. Nesses casos, o Sistema de Justiça confia ao pretendente, mediante Termo de Responsabilidade, a adoção e/ou a guarda provisória de uma criança órfã, abandonada ou retirada dos seus pais por motivo grave. A medida gera menor tempo de institucionalização da criança e de fila de espera do pretendente.
Para Dairton, é primordial que o Sistema de Justiça trate com “a devida prioridade e respeito aos direitos e prazos legais os processos de crianças e adolescentes acolhidos”, já que em Fortaleza “não faltam crianças nos abrigos e não faltam pretendentes à adoção”.
Avaliação dos casos
Para diminuir o tempo de permanência de crianças e adolescentes em unidades de acolhimento da Capital, a 3ª Vara da Infância e Juventude realizou, no mês de outubro, 210 audiências concentradas em instituições. O objetivo foi reavaliar o acolhimento e a situação processual de todas as crianças e adolescentes que estão nessa situação.
acolhidos tiveram a situação revisada. Destes, 5 foram reintegrados às famílias de origem e mais 5 encaminhados para adoção através do cadastro no SNA.
Desde 2013, o Grupo de Apoio à Adoção Acalanto Fortaleza atua no apoio jurídico e psicológico a pais adotivos e pretendentes à adoção. Eliane Carlos, presidente da entidade, considera que o andamento da fila melhorou, mas “não está na velocidade que a gente entende como ideal”.
Primeiro, por considerar insuficiente o número de equipes técnicas para avaliar os processos, já que é preciso fazer visitas e constatar in loco a situação dos pretendentes. Segundo, por defender audiências concentradas mais céleres e com mais resultados.
O que não pode é a criança e o jovem ficarem institucionalizados ‘temporariamente’, porque isso deveria ser exceção, mas passa a ser regra.
A juíza Alda Holanda recorda que, desde 2019, a Presidência do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) firmou um convênio com o Estado do Ceará e a Prefeitura de Fortaleza para receber psicólogos e assistentes sociais nas equipes interdisciplinares da Adoção, facilitando a análise dos adotandos.
“Outro fator preponderante para o crescimento do número de adoções é o acesso das pessoas à informação disponível na internet, notadamente em redes sociais. Reconheço, entretanto, que ainda há muito a ser feito e o objetivo é chegar-se a um tempo em que não haja mais crianças ou adolescentes à espera de um lar”, destaca a magistrada.
Contudo, para Eliane Carlos, o prolongamento dos processos dificulta a adoção de crianças mais velhas, que podem aguardar por anos nas instituições de acolhimento. Por isso, quanto maior a demora, maior será a possibilidade de desistência dos adotantes.
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Entrega legal
Entregar voluntariamente uma criança para adoção não é crime e é situação prevista na Lei 8.069/1990. Nesse caso, mãe ou pais são acompanhados por uma equipe interdisciplinar do Juizado da Infância e da Juventude, durante a gestação e no parto, se quiserem.
Nesse caso, é feito o julgamento do processo de destituição do poder familiar, após o qual os pais têm 10 dias para arrependimento. Se não houver essa manifestação, a criança vai para a fila de adoção.
Neste ano, a Prefeitura de Fortaleza também iniciou a implementação de um novo serviço de Entrega Legal que “promete fazer uma revolução no processo adotivo de Fortaleza para o ano de 2023”, na visão do promotor do Caopij, Dairton Oliveira.
Executado pela Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci), o programa trata do acolhimento psicossocial de mulheres, seja no período gestacional ou puerperal, que desejam entregar seus recém-nascidos para adoção por vias legais.
De acordo com balanço da Funci, duas entregas Voluntárias já foram finalizadas, e outros 6 recém-nascidos estão em acolhimento institucional, aguardando audiência de confirmação da entrega. Além disso, duas mulheres gestantes são acompanhadas pelo órgão.
Desde o lançamento do programa, a Fundação tem promovido reuniões, capacitações e oficinas com os profissionais da rede de atendimento socioassistencial e saúde. Os casos também são seguidos pelo Conselho Tutelar de referência.
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Em paralelo, com a mesma finalidade, o MPCE mantém o Projeto Anjos da Adoção, criado em 2017 e que atende, em média, 25 mulheres por ano. No primeiro ano de atividade, foram 14 acolhimentos. Neste ano, de janeiro a novembro, o número mais que dobrou, passando para 32.
“Por ser uma ‘porta de entrada’ diversa do Sistema de Justiça, o simples lançamento do Serviço ao público em geral teve um impacto imediato na quantidade de pessoas atendidas”, registra o promotor.
Para Eliane Carlos, da Acalanto Fortaleza, é preciso que os agentes públicos da Capital saiam da “zona de conforto” e busquem experiências exitosas tanto em outras comarcas do Ceará como fora do Estado, para efetivar com qualidade o direito de crianças e adolescentes.
“Eles precisam de um olhar mais fraterno para essa população. Por que não buscar outras respostas e perguntar: O que vocês estão fazendo aí? Como é que conseguiram zerar a fila de vocês? Como é que conseguem atender tão bem o pretendente e as instituições?”, questiona.