Sucesso na web, quadrinhos 'Os Santos' e 'Confinada' denunciam o Brasil racista e desigual

Trabalho assinado por Leandro Assis e Triscila Oliveira reafirma que as tirinhas se adaptaram e também funcionam nas redes sociais

Escrito por Antonio Laudenir , laudenir.oliveira@svm.com.br
Trabalho escancara a desigualdade social brasileira a partir da relação entre duas famílias
Legenda: Trabalho escancara a desigualdade social brasileira a partir da relação entre duas famílias
Foto: Leandro Assis

Com as tirinhas “Os Santos – Uma tira de ódio” e “Confinada”, Leandro AssisTriscila Oliveira denunciam a triste parcela da população brasileira alinhada com o racismo, homofobia e machismo. Ao satirizar uma família de classe alta, o trabalho da dupla vem se consolidando no meio digital. 

Historicamente reproduzidas no papel, as tiras ganham força no território virtual. Em dezembro de 2019, Assis percebeu que o Instagram era uma ferramenta valiosa. Não parou mais. Após publicar quadrinhos criticando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o artista entendeu ser possível fazer o mesmo. Contudo, abordando personagens ficcionais, baseados em comportamentos e figuras reacionárias. 

“A vontade de fazer quadrinho nunca foi, necessariamente, para falar sobre política ou com o viés de crítica social. Sempre me incomodei com o que estava acontecendo. Mas, nunca pensei em ser tão focado nisso como acabou acontecendo”, fala Leandro Assis. 

“Os Santos – Uma tira de ódio” mostra a relação entre duas famílias. Uma é de brancos ricos da zona sul do Rio de Janeiro. A outra é composta de suas empregadas domésticas, mulheres negras e periféricas. Contundente, o trabalho escancara a desigualdade social do País.  

Com a chegada da pandemia surge a série “Confinada”. Conhecemos a influencer milionária Fran Clemente e Ju, sua empregada doméstica. Ambas estão confinadas na cobertura da influenciadora digital, que é sobrinha dos Santos. As obras se passam no mesmo universo.  

Parceria importante 

Publicar na rede social trouxe um aspecto decisivo. A resposta do público é imediata. Um dos capítulos de “Os Santos” viralizou. “Manteiga” fez a produção de Assis chegar na casa de muitos brasileiros. Triscila Oliveira foi uma delas.  

“Me vi naquela tirinha, vendo aquelas histórias, assim como milhões de mulheres negras domésticas no Brasil”
Triscila Oliveira
Escritora, roteirista e ciberativista

Nascida e criada na periferia de Niterói, Triscila se identificou com o material. Ciberativista antirracista e feminista, a comunicadora produz o perfil “Afemme1”. O conteúdo envolve, entre outros temas, política, feminismo negro, direitos humanos, saúde mental/emocional e uma pitada de humor. 

Triscila Oliveira pelo traço de Leandro Assis

Determinado dia, Triscila escreveu um relato na publicação de "Os Santos". "A história da minha mãe, das minhas tias, da minha família inteira é de empregadas domésticas. Descendemos de uma mulher escravizada”, conta a roteirista.  

“Começamos a conversar. Como seria uma colaboração, como eu poderia integrar a coautoria e colaborar para estruturar a realidade dessas mulheres. Assis já vinha sentindo ir precisar de alguém para contar uma realidade que ele não tem proximidade para falar”, detalha a autora. 

Aliada à dedicação contra as injustiças sociais do Brasil, consolidou-se a atuação como roteirista. Triscila reflete o quanto os quadrinhos são eficazes em transmitir uma mensagem.

“A linguagem da tirinha consegue se comunicar. É lúdico, colorido, mas tem uma problemática profunda. Com uma tirinha que fala de um problema, você consegue levar seja para uma sala de aula ou discutir numa mesa de bar”, observa a entrevistada. 

Quadrinhos resistem no online 

A jornada profissional de Assis já era reconhecida por conta de sua atuação como roteirista de cinema e TV. Trabalhou na Conspiração Filmes e participou de séries como “Mulher Invisível”, “Surtadas na Yoga” e “Magnífica 70” pela HBO. Outro destaque é seu texto para o longa-metragem "Sob Pressão", que deu origem à série homônima da TV Globo. 

Violência, cenário político, Bolsonaro... Estes problemas pesaram na escolha do artista em se afastar do Rio de Janeiro. Há cerca de três anos, Leandro Assis optou por morar e produzir de Portugal. A mudança de ares coincide com o investimento exclusivo na área dos quadrinhos. 

"Nunca fui fã de ler quadrinhos no computador. Sempre achei ruim de ler. Mas, o Instagram, o formato dele de ‘carrossel’, no qual você passa de quadro a quadro, eu achei bastante interessante”. “Carrossel” é o recuso do Insta que permite a publicação de diversas imagens numa mesma publicação.

“Quando você vê quadro a quadro, mesmo em sequência, você se envolve mais com aquilo. O ritmo é seu. Você fica mais curioso e não sabe o que vem em seguida. Então, vi que valia muito para fazer tira e até um quadrinho maior, como uma série longa que não fosse só de humor”, explica o quadrinista.  

Assim, surgiram “Os Santos” e depois "Confinada". “O suspense é maior quando você tem que ir virando, avançando os quadros e não faz a menor ideia do que vem a seguir", defende Leandro Assis.