Sensível e educativa, mostra “Chico da Silva e a Escola do Pirambu” é sucesso na Pinacoteca do Ceará
Exposição destaca a Escola como outra importante criação de um dos grandes nomes da arte brasileira, trazendo também o maior número de telas criadas pelos integrantes do movimento
Passam das 14h da quinta-feira (20) e um numeroso público marca presença na Pinacoteca do Ceará. Diferentes gerações passeiam e apreciam as quatro exposições em cartaz. Nos últimos três dias de funcionamento, segundo estimativas da direção, cerca de quatro mil pessoas passaram pelo lugar.
A exposição “Chico da Silva e a Escola do Pirambu”, aberta no último sábado (15), destaca-se como a maior já realizada sobre o pintor acreano, cuja trajetória na arte é despertada no bairro Pirambu, em Fortaleza.
São 148 obras e um imperdível encontro com o universo único deste realizador. É possível adentrar a biografia e cronologia artística, percorrendo diferentes fases e técnicas. Todo o colorido e profusão de animais fantásticos que saltam das telas encanta as crianças. Jovens e adultos tiram selfies e aproveitam a amplo e convidativa sala.
Cores de Chico da Silva
Criada em parceria com a Pinacoteca de São Paulo, a mostra tem curadoria assinada por Thierry Freitas e Flávia Muluc. O acervo reunido advém das coleções do Governo do Ceará, Museu de Arte da UFC (Mauc), Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-Rio), além de coleções particulares do País.
A arte educadora Janaina Bento nos apresenta as obras. A disposição das peças nos convida a adentrar as muitas conexões culturais e sociais contidas nos trabalhos. Estão as influências, histórias e descobertas capazes de ligar Região Norte, sertão cearense e a luz do querido Pirambu.
"A curadoria optou em disponibilizar as obras de uma forma única. Vendo de cima, o conjunto de telas forma algo parecido com uma serpente, que lembra esse serpenteado que o Chico traz. Estão de forma cronológica em relação às técnicas que ele utilizou ao longo de sua produção. Como ele adquire outros materiais e vai se modificando", nos contextualiza Janaina.
Filho de mãe cearense e pai indígena peruano, Chico da Silva nasceu entre 1910 e 1922 (a data é incerta) na região do Alto Tejo, no Acre. Por volta dos seis anos, a família mudou-se para o Ceará. Tal trajetória permeia essa arte. As pinturas carregam memórias da infância na Amazônia. São composições figurativas com seres mitológicos e espíritos da floresta.
No Pirambu viveu e produziu a sua obra. Nesse território periférico da capital cearense, o pintor cria um ateliê coletivo em casa. A Escola era um espaço de formação capaz de contribuir à difusão da cultura e geração de renda naquela comunidade. Alguns dos artistas que fizeram parte da Escola do Pirambu foram: Babá (Sebastião Lima da Silva), Chica da Silva (Francisca Silva) – filha de Chico da Silva –, Claudionor (José Claudionor Nogueira), Ivan (Ivan José de Assis) e Garcia (José dos Santos Gomes), único integrante ainda vivo.
Cultura se faz juntos
Além da acessibilidade, unindo libras e audiodescrição, é possível assistir a uma rara produção audiovisual. Em meio às telas, assistimos o vídeo “Homens Trabalhando” (1977). Trata-se de um filme em super-8 que materializa os integrantes da Escola diante de nossos olhos. Doado pelo artista Hélio Rôla, o material foi digitalizado e tratado pelo Museu da Imagem e do Som do Ceará (MIS-CE).
Percorrendo o acervo, identificamos a presença viva de um artista que remete a vários Brasis. Encantamento e tintas expressando diferentes periferias e cores da floresta, sertão e mar. Outro destaque é conhecer os membros da Escola do Pirambu. Descobrir como esta iniciativa nos ensina que cultura é feita em coletivo.
Em São Paulo, a mostra exibida entre março e maio de 2023 recebeu o nome de "Chico da Silva e o ateliê do Pirambu". No Ceará, o título ganha sutil, mas poderosa modificação quanto ao projeto coletivo idealizado pelo mestre. Ganha o batismo de “Chico da Silva e a Escola do Pirambu”.
Evidenciar o marco que a Escola representa, nos conta o diretor da Pinacoteca do Ceará, Rian Fontenele, dialoga com a proposta da instituição. Um processo no qual acervo e artistas cearenses estão em constante paralelo com o debate contemporâneo.
"Nesse momento de reforçar os artistas cearenses, há essa possibilidade de reconstruirmos, a partir do nome, essa alteração entre a mostra de São Paulo e aqui. Lá, Chico é apresentado para muitos como a primeira vez. Aqui não. De fato, é um encontro afetivo. Todos nós temos alguma relação ou familiaridade com esses animais coloridos, emplumados, fantásticos do Chico", detalha o diretor.
Assim, no decorrer dos três meses da exposição, uma série de processos formativos da Pinacoteca devem iluminar a trajetória de Chico. Um destaque é a participação de Garcia, último artista vivo da Escola do Pirambu. "Faremos um ateliê do Garcia, onde ele vai pintar, conversar com as pessoas. Um ateliê aberto para que outros jovens artistas possam compreender este processo", adianta o gestor.
O exemplo do passado adentra como respostas para o futuro. "Refletir o processo participativo e coletivo que é a experiência da Escola pensada por Chico. Entender que a cultura se faz no coletivo. Temos vários exemplos de professores que trazem alunos e este alunos trazem seus pais, seus vizinhos. Com isso, você cria uma grande rede de se ver, de se enxergar nesse ser cultural que todos nós somos", finaliza Rian Fontenele.
Serviço:
Exposição "Chico da Silva e a Escola do Pirambu". Até 29 de outubro, na Pinacoteca do Ceará (Rua 24 de maio, s/n, Centro - Fortaleza). De quinta a sábado (12h às 20h). Domingos (10h às 18h).