Quem foi Paulo Freire e por que as ideias deste educador centenário estão no debate político atual
Patrono da Educação Brasileira, ele é alvo de críticas do Governo Bolsonaro
As buscas pelo nome de Paulo Freire (1921-1997) até poderiam estar em alta apenas por este ser o ano de seu centenário, celebrado em 19 de setembro, data em que nasceu no Recife. Mas a verdade é que, muito além das efemérides, este autor brasileiro está entre os teóricos mais citados do mundo quando se trata de trabalhos acadêmicos, e as ideias difundidas por ele tanto atraem como incomodam.
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Se por um lado é o brasileiro mais homenageado da história, com pelo menos 35 títulos de Doutor Honoris Causa de universidades da Europa e América, sendo também um dos nomes de escola mais comuns no Brasil - segundo uma pesquisa envolvendo três estados (São Paulo, Minas Gerais e Paraná) -, Freire não é consenso, especialmente no âmbito da política nacional.
Basta lembrar a vez em que o presidente Jair Bolsonaro chamou o educador de “energúmeno” e “ídolo da esquerda”, em dezembro de 2019. Os deputados federais pelo PSL Heitor Freire (CE), Caroline de Toni (SC) e Carlos Jordy (RJ) também já expressaram insatisfação com o filósofo, propondo projetos de lei para revogar a Lei nº 12.612/12, que declarou o educador pernambucano Patrono da Educação Brasileira.
Mas afinal, o que este educador defendia?
“Acredito que as duas ideias principais são o amor e o diálogo, que caminham lado a lado. Destacando que o diálogo, para Freire, não é mera conversa ou troca de ideias, mas um movimento de entrega e de transformação, em que ambos os lados se abrem para o aprendizado”, introduz Camilla Rocha da Silva, Doutora em Educação e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Na perspectiva da Dialogicidade Freireana não cabe o que o autor chamou de “educação bancária”, em que o educando funciona como um “depositário” de informações transmitidas pelo professor. O aprendizado se dá na troca, com humildade, pensamento crítico, curiosidade epistemológica, fé nos seres humanos e um amor que busca a superação das situações de opressão e injustiça.
Este compromisso amoroso na relação pedagógica e a contextualização dos processos de ensino-aprendizagem também são destacados pelo Doutor João Figueiredo, igualmente vinculado à UFC.
“Vivo Paulo Freire no cotidiano das minhas salas de aula, possibilitando uma educação política e comprometida com as pessoas em geral, em especial com aqueles que se encontram em situações de subalternidade e risco social”, pontua.
Aliás, foi a este público que o pernambucano mais destinou sua atenção durante toda a trajetória. Uma de suas experiências mais emblemáticas foi registrada no Rio Grande do Norte, em 1963, quando ensinou 300 adultos a ler e a escrever em 45 dias, a partir de um método inovador de alfabetização.
As ideias deste projeto educacional, que tinha o apoio do presidente da época, João Goulart, acabaram levando Freire ao exílio após o golpe militar de 1964, que determinou a prisão do educador e a suspensão de um Plano Nacional de Alfabetização baseado no método desenvolvido por ele.
Anos mais tarde, de volta ao Brasil, ele integraria o Partido dos Trabalhadores (PT), assumindo inclusive como Secretário de Educação da Prefeitura Municipal de São Paulo na gestão petista de Luiza Erundina (1989-1992).
Como funciona o “Método Paulo Freire”?
Crítico à cartilha como ferramenta central didática para o ensino da leitura e da escrita, o educador pernambucano desenvolveu um método que leva em consideração palavras e temas utilizados no cotidiano do aluno. É a partir dessa “bagagem” de termos que são realizadas as divisões silábicas tradicionais, com as mudanças de vogais e a formação de novas palavras.
Nesse processo, o educador enfatizava a importância de promover a consciência política a partir do que era estudado, fato que ainda hoje causa repulsa entre conservadores.
“Paulo Freire afirma que seria ingenuidade acreditar que os opressores, docilmente, se dispusessem a libertar os oprimidos. Ou seja, aqueles que estão no poder desejam manter-se no poder e, para tanto, na sociedade em que vivemos, precisam explorar outros para isto. E a educação pode ser uma ferramenta tanto de manutenção da opressão quanto de libertação”, contextualiza.
Ainda sobre essa polarização, o professor João Figueiredo reforça que ela acontece em decorrência do próprio embate social. “É uma disputa desigual entre uma elite opressora e uma sociedade que vive na marginalidade, sem acesso aos bens públicos. A Teoria Freireana nos ajuda a desvelar a realidade e nos preparar para agir na perspectiva de uma sociedade mais equânime”, defende.
Livros para conhecer mais sobre o educador
Mas não são apenas alguns parágrafos que esgotarão as principais ideias defendidas por este autor. Sendo assim, tanto a professora Camilla como o professor João recomendam de imediato a leitura de “Pedagogia do Oprimido”.
“Nele encontramos toda a base de sua teoria e sua aplicabilidade. Mas precisa ser lido com atenção e observando a riqueza manifesta na aparente simplicidade de sua escrita”, adianta João.
Camilla sugere ainda “Pedagogia da Autonomia”, afirmando conter nele saberes necessários à prática docente. “É uma preciosidade, atualíssimo e apresenta questões essenciais para professoras e professores que desejam vivenciar uma educação autêntica, libertadora!”, convida.
Por ocasião do centenário, a editora Paz & Terra, responsável pela publicação da obra do educador brasileiro, está lançando este ano vinte e seis títulos dele, entre inéditos, edições comemorativas e reedições com novo projeto gráfico reunidas em boxes temáticos.
Até o fim do ano, o público terá acesso ao livro inédito “Meus registros de educador”, que contém anotações de Paulo Freire e fichamentos dele sobre vários autores, a exemplo de Huxley, Gramsci e Marx.
“Entendi que esse material manuscrito, que meu marido me presenteou, era tão rico que eu não deveria incluí-lo no livro sobre sua vida. [...] Este livro teria que ser uma obra independente, com voz própria”, escreve a viúva Ana Maria Araújo Freire (Nita Freire) na apresentação.
Escritos entre 1964 e 1968, no Recife e em Santiago, os registros são considerados por Nita “como uma fonte privilegiada da genealogia e matriz do seu pensamento e sua obra”. Sendo assim, é inevitável pensar que ainda há muito o que descobrir e discutir acerca de Paulo Freire.