Para que servem os museus? Estudiosos situam importância desses espaços para a população

Segundo eles, as possibilidades museológicas são infinitas, não à toa precisam estar cada vez mais sintonizadas com os apelos da sociedade

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: O MIS-Ce é um dos mais de 165 museus do Ceará: por que espaços como esse são tão importantes?
Foto: Deivyson Teixeira/Divulgação

Você sai de casa. Você vai a uma exposição. Encanta-se com o conteúdo, gosta da experiência. Então volta para casa e recomenda para os amigos, para a família. Em breve, talvez eles façam o mesmo percurso, e assim vai se formando uma comunidade de visitantes. No centro dessa dinâmica, estão os museus. Mas para quê eles servem mesmo?

No Dia Internacional dedicado a esses equipamentos, celebrado nesta quinta-feira (18), o Verso discute com três pesquisadores e gestores da área a força que os espaços museológicos carregam e o modo como dialogam com a população a partir do trabalho realizado.

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Comecemos pelo início. De acordo com o Estatuto de Museus (2009), os museus estão a serviço da sociedade e do desenvolvimento dela. Têm como papel socioeducativo, segundo Heloísa Barbuy, “aumentar a capacidade de uma coletividade de projetar o próprio futuro e de ser sujeito ativo da própria história, a partir da consciência que passa a ter de si mesma”.

Quem traz essa perspectiva é Jéssica Ohara Pacheco Chuab, coordenadora de Patrimônio Cultural e Memória da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult-CE). Para ela, ao tentarem se aproximar da vida das comunidades e da sociedade como um todo, os museus tornam-se campo fértil para o diálogo.

Legenda: De acordo com pesquisador, ver uma obra de arte é estar imerso consigo e suas questões políticas, urbanas e com tudo o que é intrínseco a esse encontro
Foto: Reprodução/Instagram

“Uma vez que o campo museológico possui visões em constante movimento e colisão, perpassando a tradição e as novas determinações sociais e culturais, são necessárias revisões constantes para a invenção de novos caminhos”, destaca. O ponto perpassa inclusive o tema proposto para a 21ª Semana Nacional de Museus.

A partir de uma reflexão sobre “Museus, Sustentabilidade e Bem-Estar”, os museus podem contribuir para as pessoas e o bem-estar delas, incluindo a saúde mental, a educação e a sensibilização ambiental. Afinal, quem nunca se sentiu mais leve e inspirado depois de conferir uma mostra fotográfica, pictórica ou audiovisual?

Não à toa, os espaços – sobretudo a partir de olhares mais contemporâneos – também colaboram para a promoção da inclusão social, da diversidade, da conexão com a natureza e para amplificar a voz dos povos originários. E há um contexto por trás disso.

“A instituição museu remonta à Antiguidade, oriundo do termo ‘mouseion’ ou templo das musas. Era um local que congregava espaço para contemplação, busca por inspiração, uma vez que, as musas eram filhas de Zeus e de Mnemosine e eram capazes de inspirar quem as procurava, de acordo com a mitologia grega”, explica Jéssica Ohara.

Com o passar dos anos foram se tornando espaços de contemplação e investigação, denominados de “gabinetes de curiosidades”, que costumavam conter objetos oriundos de diversas partes do mundo e que chamavam atenção na Europa devido ao exotismo. 

Foi a Revolução Francesa a responsável por introduzir a ideia de museu nacional, um local voltado para narrar e apresentar os feitos da nação, passar a ideia de pertencimento e forma de exaltar a história do lugar e os heróis que ajudaram a construí- la.

Conservar, pesquisar, comunicar

Nesse sentido, Jéssica Ohara afirma ser preciso reforçar que esse era um ambiente no qual só havia espaço para a versão do “vencedor”, ou seja, apenas uma narrativa. “Os museus até poderiam ser públicos, mas não eram todas as pessoas que tinham acesso. Era um espaço para contemplação, para conhecimento e para ‘dar uma olhada’ em um passado glorioso”.

O acervo era formado por objetos raros, belos, únicos e que de alguma forma tivessem participado de algum momento histórico, como a caneta de alguém, um antigo instrumento de pesquisa etc. Em resumo, era um lugar que conservava, pesquisava e comunicava, mas que não estabelecia diálogo com o público e com a comunidade do entorno. Esse modelo europeu, reproduzido em várias partes do mundo, felizmente foi-se quebrando.

Legenda: Registro de visita à Pinacoteca do Ceará; ações que os museus realizam atualmente não se limitam mais ao campo expositivo
Foto: Reprodução/Instagram

“Ver uma obra de arte é estar imerso consigo e suas questões políticas, urbanas, com todas as coisas que lhe formaram até o momento desse encontro e desse diálogo. E, nesse diálogo, o trabalho é visto sempre sob uma perspectiva. Aí que faz-se a ação de um museu, indo além dessas perspectivas”, defende Rian Fontenele, diretor geral da Pinacoteca do Ceará.

Cabe aos museus, conforme a visão dele, dar um espaço fora dessas circunstâncias, trazer outras perspectivas e fazer ver além. Por isso, um espaço museal é transformador. “Não só por poder oferecer questionamentos, como também pertencimento, para que se consiga compreender e incluir quem ali chega como parte desse diálogo”.

Falando especificamente sobre a realidade da Pinacoteca do Ceará – museu público pertencente à Rede de Equipamentos Culturais da Secretaria da Cultura do Estado – a entidade entra em um processo de construção e fortalecimento de uma rede em que não há sombreamento entre os demais equipamentos. 

Não só pela tipologia dos acervos e exposições, sublinha Rian, mas porque essa construção de uma base técnica – seja para conservação, restauração, salvaguarda, seja para a própria reserva técnica que se trabalha em rede, com equipamentos como o MIS e o MAC – cria e sustenta todo um circuito de trabalhadores da cultura.

“Na Pinacoteca, temos a intenção de ser um espaço voltado para o pensamento crítico, a pesquisa e a criação. Esse museu, que está no momento inicial e que construímos a partir de um plano museológico participativo que lançou a pergunta ‘Que museu queremos?’, nos abre a possibilidade de ser um lugar de referência e salvaguarda de acervo, de um olhar contundente e crítico sobre que acervo é esse, sobre as possibilidades de conservação e restauração, não só para a Pinacoteca, mas para os demais acervos da Secult”.

Diversidade no Ceará

Em síntese, são muitas as possibilidades de um museu, para não dizer infinitas. Quem diz isso é Carolina Vieira, pesquisadora no campo da arte com mestrado em Teoria e Crítica de Arte (EBA - UFMG), especialização em Arte Contemporânea (PUC-Minas) e em Arte e Educação (Uni7). No Ceará, pelo menos, essa diversidade é pungente.

Museus de Arte, da Fotografia, Históricos, Etnográficos, Antropológicos etc. O Estado, com a abertura recente de novos museus – novo MIS, Pinacoteca, Centro Cultural do Cariri – está em sintonia com as iniciativas e ações desenvolvidas em outros lugares do Brasil.

“As ações que os museus realizam atualmente não se limitam mais ao campo expositivo. O museu se torna um lugar de questionamentos, reflexões e práticas relacionadas aos diversos campos da sociedade. Para isso, é importante estar atento à diversidade de público e às questões trazidas por esses diversos públicos, levando em consideração suas multiplicidades”.

Legenda: Acessibilizar conteúdos também é papel dos museus, trazendo muito além de recursos acessíveis tradicionais, mas ampliando os modos de experimentar e sentir a arte
Foto: Reprodução/Instagram

Acessibilizar esse conteúdo também é papel dos museus, trazendo muito além de recursos acessíveis tradicionais, mas ampliando os modos de experimentar e sentir a arte. Carolina evidencia, por exemplo, o acesso de estudantes de escolas públicas a esses locais, por meio de suporte desde a vinda ao Museu, até a permanência e o pertencimento desse espaço e das questões que permeiam as exposições.

“Dessa forma, temos ações voltadas para bebês, crianças, pessoas com deficiência, ateliês que discutem e ampliam o pensamento. Audiodescrições artísticas, obras táteis, vídeos em Libras e algumas legendas em braile, são alguns dos dispositivos acessíveis que a Pinacoteca do Ceará disponibiliza. Além de pensar uma programação que envolva outros públicos, como público surdo, com visitas mediadas em libras, e ações formativas para o público infantil”.

Enxergar as categorias, mas ir além

Há categorias ou modelos teóricos que, para efeito de estudo acadêmico, são organizadas em: museus tradicionais/convencionais; museus de território e museus virtuais/digitais. Por sinal, segundo dados da plataforma MuseusBr (Ibram), atualmente o Ceará possui mais de 165 museus. Os museus cearenses enquadram-se nas tipologias citadas. 

Isso demonstra, conforme Jessica Ohara, o quão rico é o campo museal local, que há anos se destaca a nível nacional diante das iniciativas referentes à museologia social.

“Para se ter uma ideia dessa diversidade, temos o Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará; o Museu do Queijo Coalho de Jaguaribe, dentre tantos outros com temáticas totalmente diferentes e abertos à visitação. Nosso Estado possui muita potencialidade na área dos museus, sendo referência em museus indígenas e em iniciativas comunitárias”.

Legenda: Apresentação do grupo Mirante de Teatro no Espaço Cultural Unifor: grande desafio de qualquer museu é, primeiro, construir uma relação direta com o usuário e o que lhe cerca
Foto: Ares Soares

Jessica ainda cita várias resoluções ligadas à acessibilidade dos territórios museológicos cearenses. O MIS, por exemplo, possui portas com largura para passagem de cadeira de roda, rampas com inclinação adequada de acordo com a norma técnica, portas possuem maçanetas tipo alavanca e elevador acessível. 

O Museu Ferroviário, por sua vez, possui portas que possuem largura para passagem de cadeira de roda, rampas com inclinação adequada de acordo com a norma técnica, portas com maçanetas tipo alavanca, banheiro com vaso, barras e pia acessíveis.

Para Rian Fontenele, o grande desafio de qualquer espaço cultural é, primeiro, construir uma relação direta com o usuário e o que lhe cerca. “Esse espaço deve responder ao próprio tempo e às pessoas que fazem uso desse local, não como espaços afastados do tempo e da sua inserção social, política e cultural, mas entendendo que, cada vez mais, deve haver diálogo entre as instituições, somar esforços de verbas e rubricas para que se faça uma construção em rede, um pensamento de construção de rede para melhor intercâmbio dos acervos, quebrando um pouco com a hegemonia cultural do eixo Rio-São Paulo”.

Tais premissas devem ser trabalhadas com mais afinco não apenas no dia a dia, mas dentro da programação da Semana dos Museus. Aqui, o Sistema Estadual de Museus do Ceará (SEM-CE) e os museus vinculados à Secult-CeE participarão da iniciativa com programações presenciais e híbridas, realizadas nos equipamentos e em parcerias com outros museus. Participar é inadiável.

 

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