No Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, cordel reflete sobre a Lei Brasileira de Inclusão

De autoria do cordelista e repentista cearense Tião Simpatia, poema convoca a um olhar cuidadoso e urgente sobre o assunto

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Segundo Tião Simpatia, o processo de feitura do cordel foi um desafio, uma vez que não é fácil narrar uma realidade da qual o autor não vivencia na própria pele
Foto: Divulgação

Você sabe o que significa a sigla LBI? O mais recente trabalho do cordelista e repentista cearense Tião Simpatia responde à questão. “Cordel da LBI - Lei Brasileira de Inclusão” marca este 21 de setembro com a urgência de se olhar atentamente sobre o assunto. A data celebra o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, avolumando ações, projetos e debates como forma de multiplicar cuidados e avanços.

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Ao Verso, Tião Simpatia explica que o poema foi encomendado pela Pastoral da Pessoa com Deficiência, por meio de Marta Pereira – por sinal, mulher com deficiência física. “Como eu já vinha pensando há algum tempo em desenvolver um cordel sobre o tema, foi como diz o ditado: ‘Juntar a fome com a vontade de comer’, ou melhor: de escrever”, justifica o artista.

Segundo ele, o processo de feitura dos versos foi um desafio, uma vez que não é fácil narrar uma realidade que o autor não vivencia na própria pele. “Por mais que eu tente me colocar no lugar de outra pessoa, só quem enfrenta os obstáculos cotidianamente é que sabe”, dimensiona. “Mas a Martinha (Marta Pereira) me forneceu um vasto e rico material didático, como o Estatuto do Idoso, a Convenção Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e o texto jurídico da LBI, para que eu desenvolvesse o cordel da melhor maneira possível. Fomos trocando informações. No decorrer de duas semanas, o cordel ficou pronto”.

A produção fascina por mesclar informação e poesia de modo a estender os saberes sobre a temática, com leveza e perspicácia. Logo no início, o texto salienta: “Pessoas com deficiência/ Não são pessoas ‘aleijadas’/ ‘Inválidas’, ‘defeituosas…’/ Expressões ultrapassadas,/ Que eram muito comuns/ Em outras épocas passadas”. Na sequência, conclama: “O direito à família/ Não lhe pode ser negado;/ Previdência Social/ É direito assegurado./ Direito à informação/ É direito conquistado”.

Para Tião, tendo em vista ser a Lei Brasileira de Inclusão muito ampla – ao todo, ela possui 127 artigos – interessou mais o debruçamento sobre os Direitos Fundamentais da Pessoa com Deficiência, seja ela física, intelectual ou sensorial. “Também dediquei um capítulo especial à questão da acessibilidade para cadeirantes e da não discriminação à pessoa com deficiência. Acho que o respeito é essencial”.

Aprendizados compartilhados

No momento, o autor está aberto para receber convites a fim de levar o trabalho a eventos em geral, sobretudo às escolas. “Seria ótimo! É uma questão de cidadania. Temos que formar cidadãos mais conscientes para o futuro. O caminho começa pela educação”, sublinha.

Toda a renda advinda da comercialização do “Cordel da LBI” será em benefício da Pastoral da Pessoa com Deficiência, algo que reforça a veia social do ofício de Tião Simpatia. Nas palavras dele, o cordel sempre possuiu essa função muito próxima à sociedade. Os cordelistas, não à toa, são tidos como cronistas de seu tempo, atentos às transformações políticas e culturais do entorno.

Legenda: Toda a renda advinda da comercialização do “Cordel da LBI” será em benefício da Pastoral da Pessoa com Deficiência, algo que reforça a veia social do ofício de Tião Simpatia
Foto: Divulgação

Nesse movimento, ele recorda os projetos “A Lei Maria da Penha em Cordel”, “O Brasil Que Eu Quero”, “Cordel do Meio Ambiente” e “Cordel do Coronavírus”, alguns dos outros títulos de sua autoria, como variantes dessa predileção por temas socioeducativos. As obras são trabalhadas por alunos e educadores em todo o País.

“Se você fizer uma rápida pesquisa no YouTube por esses trabalhos que citei, vai ver a quantidade de vídeos que tem. Isso é muito bom. Prova que nossa literatura de cordel – que, aliás, dia 18 de setembro passado completou 3 anos de seu tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Cultural Nacional (Iphan), como patrimônio cultural imaterial do Brasil – está cada vez mais viva e pulsando no coração da nossa gente”, comemora.

Conscientizar pelo trabalho

Para Marta Pereira, apesar de a Lei Brasileira de Inclusão ter completado seis anos no último mês de julho, ainda falta muito para que as pessoas a conheçam por completo. Ela é graduada em Pedagogia e pós-graduada em Psicopedagogia clínica e institucional, atuando na coordenadoria de Cidadania da Secretaria de Proteção Social.

“Pensando assim, a Pastoral da Pessoa com Deficiência teve a ideia de encomendar o cordel da LBI com a finalidade de popularizar essa lei, tornando-a mais conhecida a fim de que possamos buscar os direitos que estão nos seus artigos e incisos”, explica.

Mulher com deficiência física – fruto de uma má formação congênita – há seis 6 anos ela participa da Pastoral da Pessoa com Deficiência, atuando ativamente em vários projetos com ênfase na busca por acessibilidade. Entre as ações, estão realização de visitas em estabelecimentos e rodas de conversa sobre temas como inclusão, acessibilidade, direitos e discriminação, uma vez que, conforme suas palavras, “o preconceito que nós, pessoas com deficiência, sofremos é o capacitismo”.

Legenda: Mulher com deficiência física, Marta Pereira atua ativamente em vários projetos com ênfase na busca por acessibilidade
Foto: Arquivo pessoal

A ideia de todas as dinâmicas, portanto, é fortalecer o protagonismo das pessoas na mesma condição de Marta, enfocando também em doações de cadeiras de rodas, fraldas e cestas básicas para os que mais necessitam.

Quando questionada sobre os ganhos dessa população, a pedagoga elenca a Lei Brasileira de Inclusão, as praias acessíveis e o Estatuto Municipal de Fortaleza da Pessoa com Deficiência

Quando o assunto são os desafios, a lista aumenta. Muitas escolas municipais ainda não possuem atendimento especializado; a Capital tem várias calçadas altas, dificultando a acessibilidade arquitetônica; são poucos os semáforos sonoros; e faltam intérpretes de Língua Brasileira de Sinais (Libras) em diversos projetos e iniciativas, o que impossibilita a comunicação com a comunidade surda.

“Hoje, apenas em Fortaleza, existem 1459 pessoas cadeirantes na fila aguardando uma cadeira de rodas. Há também a falta de respeito com as cotas nas empresas. São muitos desafios”.
Marta Pereira
Pedagoga integrante da Pastoral da Pessoa com Deficiência de Fortaleza

Vivências

Há 15 anos viajando pelo Brasil ao lado de Maria da Penha Maia Fernandes – cearense inspiradora da Lei Maria da Penha – Tião Simpatia diz que o contato dele com pessoas com deficiência é estreito, tendo em vista que a própria Maria da Penha é cadeirante.

As vivências fizeram-no ser testemunha direta das dificuldades de acessibilidade enfrentadas por essas pessoas, principalmente em aeronaves, hotéis, traslados, auditórios e elevadores de equipamentos públicos e privados – os quais, segundo o cordelista, informam ser acessíveis, mas nem sempre conseguem atender às necessidades específicas de uma pessoa cadeirante. 

“Às vezes é a rampa que está inclinada demais, o encosto da cabeça – esse item falta em táxis ‘acessíveis’, por exemplo – a pia do banheiro que está muito baixa e a cadeira não entra, enfim, essas coisas”, enumera.
Tião Simpatia
Cordelista e repentista

“Em aeronave, então, nem se fala. Dependendo do modelo e da companhia é um ‘Deus nos acuda’. Mas o que mais me chamou a atenção nessas situações foi a falta de preparo do pessoal. Falta qualificação para atender as pessoas com deficiência”.

Quando algo dessa natureza acontece nas viagens, Maria da Penha sempre faz questão de registrar uma reclamação junto ao gerente ou supervisor da empresa – ou até publicamente em sua fala – para que os devidos ajustes sejam feitos. Geralmente, é atendida. “Assim sendo, escrever esse cordel sobre o tema já era quase que uma obrigação”, percebe o autor.

Legenda: Também autor de “A Lei Maria da Penha em Cordel”, Tião Simpatia afirma que os trabalhos de sua autoria fizeram-no ser testemunha direta das dificuldades de acessibilidade
Foto: Divulgação

Por isso mesmo a relevância também de, não apenas nesta terça-feira, mas em todos os outros dias e momentos, celebrar a luta das pessoas com deficiência. “Para além da celebração da data em si, mais importante ainda são nossas ações práticas no dia a dia. É ter a consciência de que aquela vaga exclusiva no estacionamento do supermercado não é sua, nem por um minuto. É ter empatia e ajudar uma pessoa com deficiência visual a atravessar a rua. São estas pequenas ações que fazem toda diferença na consolidação de uma sociedade mais justa, igualitária e acessível. Espero que esta obra seja ‘um tijolinho’ nessa construção coletiva”, torce.

Cordel da LBI - Lei Brasileira de Inclusão

Tião Simpatia

Rouxinol do Rinaré Edições

2021, 8 páginas

R$ 5 (à venda com a Pastoral da Pessoa com Deficiência de Fortaleza)

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