Conteúdo postado, crime viralizado
Uma reflexão sobre o caso do “assento da janela do avião”
Não é de hoje que a gente vem percebendo as consequências devastadoras do mau uso das redes sociais. Já compartilhei aqui na coluna algumas discussões a respeito do nível de perversidade de alguns perfis que insistem em destilar ódio em comentários extremamente violentos ou por meio de fofocas e “piadas”.
O caso mais recente - e que tomou proporções absurdas - foi o da criança chorando por um assento na janela de um avião. Não vou entrar em detalhes sobre a história, porque, sem dúvidas, você, leitor, deve estar por dentro deste assunto. Em resumo, uma passageira não cedeu o seu lugar para uma criança e acabou sendo filmada por uma mulher que tentou constrangê-la com a exposição da sua imagem em vídeo.
Veja também
Então aqui vai o meu primeiro ponto: em que momento a internet se tornou este lugar onde se faz “justiça”? Por que nossa sociedade sente-se tão à vontade para expor outras pessoas em redes sociais incitando comentários odiosos?
O fato é que o caso tornou-se tão sério, que virou matéria no Fantástico e com ela ficou constatado que, na verdade, quem gravou o vídeo não foi a mãe da criança, como se pensava até então, mas, sim, uma terceira passageira, que não tinha envolvimento algum com o caso, mas que decidiu interferir, constranger e publicar nas redes sociais.
Com isso, o meu segundo ponto é: entre a data de publicação do vídeo e matéria do Fantástico, quantos comentários com críticas, julgamentos, ameaças e humilhações essas mulheres não sofreram? A verdade que veio à tona via televisão vai conseguir reparar o constrangimento, o trauma, a dor?
Existem coisas que são irreversíveis, especialmente na internet. É incrível que tenhamos hoje tanta autonomia para nos comunicar via aplicativos, mas em que momento vamos debater, de fato, as consequências devastadoras que o uso irresponsável pode causar?
Há pouco tempo atrás, uma moça tirou a própria vida após ser vítima de uma fofoca em rede social, um adolescente fez o mesmo por sofrer homofobia na internet, sem contar inúmeros outros exemplos onde há sérios danos psicológicos, físicos e financeiros para as vítimas.
Precisamos com urgência de um movimento que incentive o uso responsável das redes, precisamos da criação de uma cultura de educação digital. Estamos repletos de pessoas com acesso à “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, mas precisamos que nossa sociedade saiba usar esse artifício com responsabilidade e ética. Caso contrário, caminharemos para uma era de “conteúdo postado, crime viralizado”.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor