Nem casamento nem filhos: o que é agamia, termo usado para quem não quer compromisso tradicional

Termo surgiu em entrevista da Universidade de São Paulo; afinal, esse tipo de vínculo define as relações no século XXI?

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Segundo estudiosas, gerações atuais buscam outras formas de parceria, sem compromisso legal
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Quanto vale estabelecer vínculos a ponto de pensar em filhos e casamento? Para os adeptos da agamia, nada. O termo surgiu durante entrevista publicada no início deste mês no jornal da Universidade de São Paulo e tem movimentado discussões. Na ocasião, a antropóloga Heloísa Buarque de Almeida detalhou o comportamento.

Segundo ela, a agamia é caracterizada por pessoas que não querem casar ou ter filhos e que não se atraem pela ideia de compromisso tradicional, de estabelecer família. A palavra vem do grego –  “a” (não ou sem) e  “gamos” (união íntima ou casamento) – e tem como base a falta de interesse de um indivíduo em firmar relacionamento romântico com alguém.

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Segundo ela, gerações atuais buscam outras formas de parceria, sem compromisso legal. “Esse comportamento não é exclusivo do Brasil. Outros países da América Latina também passam pela mudança, assim como Estados Unidos e Japão”, menciona a publicação. 

“As novas famílias estão tendo outra formação, com dois pais, duas mães, casais vivendo em casas separadas, são inúmeras as alternativas de relacionamento. Em suma, houve uma mudança na leitura do que é o amor, a família e o mundo”, continua o texto.

O Verso aprofunda o debate com outros especialistas. Psicóloga clínica e escritora, colunista do Diário do Nordeste, Maria Camila Moura introduz afirmando que o comportamento humano é regido por diferentes influências, desde filas genéticas a questões micro e macrossociais. 

Legenda: À medida que a sociedade se modifica, as formas de nos relacionarmos também se alteram
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“Se tivéssemos nascido na sociedade medieval, por exemplo, nosso comportamento seria diferente. Se estivéssemos até em outra geografia – como no Afeganistão, sob domínio do Talibã – eu nem sequer estaria dando essa entrevista pra você. Logo, a questão de como nos relacionamos é, sim, pensada a partir desses pontos”, reflete.

Ela corrobora com a percepção de Heloísa Buarque de Almeida sobre as novas gerações estarem mais abertas a outras formas de se relacionar. Sem dúvida , à medida que a sociedade se modifica, as formas de nos relacionarmos também se alteram. “Hoje conseguimos falar de relacionamento monogâmico, não-monogâmico, poliamor, trisal, relacionamento sugar, coisas que talvez lá atrás a gente não falasse”.

Ir contra a norma: quais os efeitos?

Mas transcender uma norma social gera impactos emocionais. Vai além da coragem de ser o que se é. Para Maria Camila, os efeitos de não seguir um roteiro de vida socialmente esperado estão presentes sobretudo nos momentos iniciais de ruptura com a expectativa do todo. “No começo, a pessoa pode ficar um pouco abalada por se ver diferente das outras ao entorno”.

“É normal sentir um pouco de solidão, sentir que não se enquadra ali. Em relação à família, o indivíduo pode se sentir um fruto longe da árvore – quem fala disso é o estudioso Andrew Solomon sobre aqueles que têm escolhas diferentes da geração anterior. Existe muito essa questão, e não apenas no campo dos relacionamentos”, destaca.

Por outro lado, a psicóloga pondera o fato de que vivemos em uma época na qual nos congregamos muito mais facilmente em grupos de escolhas semelhantes. Assim, para agâmicos e outras estratificações do sentir, talvez buscar uma hashtag nas redes sociais e, a partir dali, tentar se conectar com pessoas afins, pode ser uma saída.

Legenda: Mais pessoas questionam, na contemporaneidade, a ideia de amor romântico e as implicações disso para a construção da ideia de liberdade e autonomia
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“Agora é muito mais fácil encontrarmos grupos e guetos com as mesmas perspectivas, na temática que for. O filósofo e sociólogo francês Michel Maffesoli fala, inclusive, que vivemos numa era de neotribalismo, na qual as pessoas vivem nas próprias comunidades”.

Em resumo: qualquer escolha na contramão da norma social passará por um instante emocional mais denso – principalmente nos momentos iniciais de decisão. Depois, normalmente a pessoa tende a ficar bem na própria pele, sobretudo se encontrar um meio de socializar com outros que compartilhem as mesmas características, os mesmos gostos.

Tensionar o amor romântico

O ponto é que as relações sociais vêm mudando cada vez mais e adaptando-se a algumas características da contemporaneidade. E mais pessoas vêm, inclusive, questionando a ideia de amor romântico e as implicações disso para a construção da ideia de liberdade e autonomia.

“A Psicologia compreende essa questão como forma de integração do homem com o meio. Hoje, é frequente o fomento de ideias de liberdade e fluidez nos relacionamentos. Nesse sentido, há, sim, uma tendência contemporânea diante da agamia”.

A percepção é de Marilia Maia Lincoln, psicóloga e doutora em Psicologia, professora da Universidade de Fortaleza. Para ela, é difícil dizer como o panorama será daqui a alguns anos, uma vez não conhecermos os contornos que os relacionamentos ganharão. Mas enlaces abertos, agamia e a ideia de independência devem ganhar mais adeptos.

“O amor romântico, o casamento e os relacionamentos duradouros continuarão existindo e tendo adeptos. No entanto, existe quem não se adequa a esse modelo, por isso a importância de se discutir a agamia”, percebe.

“É difícil prever, mas provavelmente os relacionamentos futuros serão mais abrangentes, no sentido de que haverá espaço para todo tipo de construção de pensamento acerca do que significa se relacionar”.

Então a agamia veio para ficar?

É possível que sim, ela realmente ganhe espaço e coro. Talvez não hegemonia no modo de se relacionar. Mas se estabeleça como prática possível e natural. E mais: tem grande chance de alavancar estudos e análises, algo ainda incipiente.

“Ainda não se vê artigos científicos – longitudinais, com metodologia adequada – falando sobre agamia. É um fenômeno contemporâneo, estamos em observação e, provavelmente, daqui a algum tempo, estudos devem começar a surgir”, diz Maria Camila Moura.

Até lá, dúvidas vão se acumulando e perspectivas se afunilando. Por exemplo: qual a diferença entre agamia e estar solteiro? A resposta talvez se encontre na intencionalidade. Afinal, a pessoa pode estar solteira e ter intenção de buscar um parceiro afetivo, casar futuramente, possuir uma “gamia” com alguém.

“Já na agamia, a pessoa está solteira, mas não tem intenção de estabelecer esse vínculo amoroso, de se estabelecer com alguém, de casar no futuro. Talvez eu dissesse que a diferença esteja nessa intencionalidade de estar só de que forma estar assim”, arrisca a psicóloga.

Legenda: Na agamia, a pessoa pode estar solteira, mas não tem intenção de estabelecer vínculo amoroso, nem casar no futuro
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Por fim, o uso de redes sociais e outras formas de comunicação contemporâneas podem influenciar nas formas de relacionamento? A agamia seria um produto disso?

Maria Camila Moura acha simplista reduzir algo tão complexo à influência das comunidades digitais. Mas valida que as redes sociais reverberam o fenômeno e, por isso, conseguem influenciar novas pessoas a conhecer e a se encontrar em novas formas de ser e de estar no mundo.

“A agamia reflete muito mais a sociedade contemporânea geral. Se a gente pensa nela como um todo, precisamos saber que estamos em uma sociedade neoliberal, em que há a perda da confiança nas instituições. É cada um por si. É uma sociedade extremamente individualista, e isso se reflete nos relacionamentos, em que as pessoas perderam a confiança na instituição família. Mas isso é uma opinião pessoal”.

Em suma, estamos diante de um nível muito menor de tolerância à frustração – se comparado a outros instantes da História do mundo. E sabemos que estabelecer vínculos, formar família e criar filhos vem com série de frustrações e acordos. Em um panorama extremamente individualista e hedonista, estamos dispostos a bancar tudo isso?

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