Guia introduz e convoca leitores a desbravar a literatura russa

Longe de didatismos e sem pretensão de ser um manual, “Como ler os russos” apresenta um vasto apanhado de autores, obras e fatos referentes ao tema

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Um dos mais conhecidos escritores russos, Liev Tolstói (1828-1910) ganha espaço nas páginas do livro de Irineu Franco Perpetuo
Foto: Divulgação

Colossal em extensão e amalgamada por influências de culturas tão distintas quanto vorazes, a Rússia penetrou em solo brasileiro há décadas e nele faz morada permanente. É onipresente e perceptível. Seja nas artes cênicas, na dança, nos estudos acadêmicos ou na vastidão de histórias publicadas, a atmosfera do país contorna as barreiras linguísticas e geográficas por meio de uma dicção particular e, não raro, atenta ao ontem e ao hoje.

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Assim, se é possível escrever no Brasil um livro chamado “Como ler os russos”, é porque a questão “Por que ler os russos?” parece respondida de antemão. Com essa sentença, Irineu Franco Perpetuo inicia a peregrinação por uma das literaturas mais consumidas e estimadas por aqui – não à toa, a existência de casas editoriais como Editora 34 e Kalinka, esta voltada exclusivamente para publicações de obras russas em português.

Na obra lançada pela editora Todavia, o crítico e tradutor paulistano apresenta um vasto panorama de autores, obras e fatos referentes ao tema. E faz isso não apenas de modo a enumerá-los, mas, efetivamente, mergulhar em suas ideias, contextos e atuações.

De Alexandre Púchkin (1799-1837) a Anton Tchékhov (1860-1904), passando por Liev Tolstói (1828-1910) e Fiódor Dostoiévski (1821-1881), o livro adota uma narrativa em ordem cronológica, tomando como referência a recepção dos escritores russos no Brasil. Ciente da complexidade do caudaloso assunto, Irineu deixa claro que o guia não possui pretensões acadêmicas ou didáticas, nem vocação para se transformar em manual.

A proposta é auxiliar o leitor brasileiro a se familiarizar com a produção desses que o crítico referencia como “rivais de Deus”. À vista disso, o componente histórico ganha força ao situar os escritores em meio às múltiplas transformações vivenciadas em terreno russo, entremeando-as com o reflexo que essas dinâmicas provocaram na chegada e recepção das obras por nossas paisagens.

Legenda: O crítico e tradutor Irineu Franco Perpetuo é o autor de "Como ler os russos"
Foto: Rodrigo Monteiro/Divulgação

Na Introdução, por exemplo, conhecemos a influência da França para o aparecimento das histórias russas aqui, bem como a respeito da maneira como a literatura e o poder da palavra são encarados na Rússia. Também são sublinhadas as complicações envolvendo a tradução das narrativas do país para o português, sobretudo se tratando de poesia. Camadas que se avolumam e sedimentam discussões acerca dos fascinantes escritos.

Equilíbrio narrativo

Várias vozes se interceptam em “Como ler os russos”. A pergunta que lateja é: como uma literatura alicerçada em premissas tão singulares conseguiu chegar até nós de forma tão marcante, dialogando em amplos aspectos? 

Com Irineu Franco Perpetuo, professores, estudiosos, tradutores e inclusive alguns nomes da nova geração de literatos do país – caso de Tatiana Tolstaya – tentam responder a essa incógnita. Eles constroem um generoso mosaico de olhares de modo a abraçar tanto os já familiarizados com a temática quanto os recém-apresentados a ela. 

Esse equilíbrio é fundamental para que os capítulos tenham a densidade de convocar ao conhecimento de mais premissas, ao mesmo tempo que, já ali, em duas dezenas de páginas cada, apresentem dados capazes de satisfazer a audiência e, assim, transitar livremente por entre as referências

Legenda: Fiódor Dostoiévski (1821-1881) é outro escritor cuja trajetória pessoal e profissional é descortinada na obra
Foto: Divulgação

E elas são muitas. Expoentes incontornáveis do modo de narrar russo, Púchkin, Gógol (1809-1852), Tolstói e Dostoiévski ganham capítulos dedicados a especificar suas produções, sublinhando acontecimentos que definiram as trajetórias pessoais e literárias de cada um. Logo em seguida, a cronologia avança e abarca Ivan Turguêniev (1818-1883), Vladimir Maiakóvski (1893-1930), Andrei Platonóv (1899-1951), Vladímir Nabókov (1899-1977), Boris Pasternak (1890-1960), entre tantos outros – até chegar à Svetlana Aleksiévitch, último nome russo a vencer o Prêmio Nobel de Literatura, em 2015.

Há ainda um capítulo específico que joga luz sobre a produção literária, sobretudo poética,  feita por escritoras russas – caso de Anna Búnina (1774-1829), Karolina Pávlova (1807-1893), Mirra Lókhvitskaia (1869-1905) e Maria Petrovýkh (1908-1979). Ainda sob esse recorte, um apanhado acerca do protagonismo das mulheres no campo das letras na Rússia pós-soviética também pode ser conferido. Nesse tópico, as já citadas Svetlana e Tolstaya dividem espaço com Liudmila Petruchévskaia e outras.

Legenda: A escritora Liudmila Petruchévskaia é citada em uma parte do livro acerca do protagonismo das mulheres na literatura da Rússia pós-soviética
Foto: Divulgação

Costurando essa galeria de nomes, estão acontecimentos que datam da Idade Média à própria constituição do Império Russo, atravessando a Revolução Russa e as políticas de abertura do período pós-soviético. Sob posse desses dados, Irineu Franco Perpetuo localiza os trabalhos e movimentos literários com precisão e reflete, por exemplo, sobre os efeitos da liberdade, censura, estéticas de vanguarda e processos de alfabetização e consumo cultural por parte da população.

Ao término do conteúdo principal, mais de 50 páginas de notas ainda ofertam ao leitor a possibilidade de imergir mais profundamente nessa literatura que avança no século XXI alardeada por grandes vultos e produções. Segue também esfomeada por reinvenções que superem o ônus do fim do centrismo literário na Rússia e a consequente mudança de status dos escritores da nação: de profetas, eles caminham, sem precedentes, a um caminho de reconhecimento apenas mercadológico. 

Nesse sentido, “Como ler os russos” é chama acesa disposta a iluminar os trajetos, para que ecoem a real dimensão e valor de uma literatura ímpar.

Como ler os russos
Irineu Franco Perpetuo

Todavia
2021, 304 páginas
R$ 69,90/ R$ 44,90 (e-book

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