Com 'lockdown' no Ceará, projetos da Aldir Blanc são parados e artistas temem ficar inadimplentes

Com novo decreto, o prazo para executar os trabalhos em andamento é afetado. Profissionais do setor de cultura e entretenimento explicam que a área nunca retomou integralmente as atividades e alertam: 2021será tão complicado quanto 2020

Escrito por Antonio Laudenir , laudenir.oliveira@svm.com.br
Theatro José de Alencar
Legenda: Como outros equipamentos dedicados à cultura e educação no Ceará, o Theatro José de Alencar segue sem atividades
Foto: Nah Jereissati

A crise sanitária brasileira atinge novo e macabro recorde. 1.910 mortes por Covid-19 foram registradas na última quarta-feira (3). 84 óbitos no Ceará. Diante do avanço da contaminação do vírus, o governador Camilo Santana decretou lockdown até 18 de março na Capital. A suspensão das atividades presenciais impacta o setor de cultura e entretenimento. É um dos braços da economia nacional mais afetada desde o início da pandemia.

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Profissionais da área estão sem trabalho desde março de 2020. A paralisação também afeta as poucas atrações artísticas que estavam agendas em março. Para ter uma compreensão do momento, conversamos com trabalhadoras e trabalhadores com diferentes atuações no meio. Como sobreviver diante de um cenário ainda mais alarmante? 

De acordo com o diretor do TIC- Festival Internacional de Teatro Infantil do CearáEmídio Sanderson, o impacto na classe artística se mantém desde quando as medidas sanitárias começaram em março de 2020. "Independente da rigidez ou flexibilidade dos decretos", responde. 

O produtor afere que a Lei Aldir Blanc trouxe certo alívio. No entanto, o novo fechamento das atividades gera outro prejuízo. "Muitas produções artísticas contempladas por esta lei são desafiadas pelo curto prazo de execução dos projetos e, agora, são assoladas pelo avanço da pandemia e pelo 'lockdown'. Casos os governos não prorroguem este prazo, muitos realizadores culturais ficarão inadimplentes por falta de prazo para executar os objetos dos seus projetos", alerta.

Já a artista e produtora independente da dança, Ana Carla, denuncia que a suspensão das atividades interfere nas raras oportunidades de trabalho no atual contexto."Essa situação nos traz angústia e preocupação, pois não sabemos se os prazos dos editais de artes que estão em andamento vão ser ajustados a esses tempos de impedimentos", detalha. 

O testemunho de Ana Carla é referente a projetos culturais apoiados por editais de auxílio emergencial, como a citada Lei Aldir Blanc. O atraso nos cronogramas de execução atinge pagamentos e agendas particulares dos artistas. "Perde-se também um certo vigor de continuidade de processo criativo, de perspectiva de trabalhos futuros nas áreas de arte e cultura", aponta.

Futuro incerto

"Para a classe artística, está cada vez mais complicado pensar sustentabilidade", divide a atriz Gabi Gomes. Ela é integrante do Cangaias Coletivo Teatral, localizado em Maracanaú. O grupo tem um espaço chamado "Apê Cultural" e a manutenção do lugar está prejudicada.  

"Temos aluguel para pagar, contas de água, luz e internet. O auxílio que recebemos foi para despesas dos quatro últimos meses do ano. Para 2021, não temos previsão alguma de outros recursos e chegamos a nos questionar sobre a continuidade de um espaço cultural independente nesse período. O próprio Cangaias Coletivo Teatral tem algumas ações agendadas para esse mês, mas o restante do ano está muito incerto", divide.

"Continuamos num lugar sem perspectiva", afirma um dos coordenadores do projeto Arte Urgente, Paulo Victor Feitosa. O entrevistado entende como urgente lembrar à sociedade que não houve retomada total do setor artístico. "A fruição cultural dentro da sua potência máxima não aconteceu. O que houve até agora foram estímulos do poder público para que esses artistas, técnicos e produtores tivessem o suporte mínimo", adverte. 

Para o setor audiovisual, segundo o filmmaker Zeca Cruz, a ausência de eventos acarreta falta de trabalhos. Segundo o integrante da Difusor Art Filmes, dois documentários em andamento precisaram parar. Um dos filmes conta com aporte da Aldir Blanc. Outra consequência: projetos engatados para iniciar em março serão adiados. "Não sabemos como isso impactará na questão de pagamentos", situa o realizador.

Enfrentado a pandemia

Zeca Cruz propõe aos órgãos públicos a criação de incentivos. Além de auxílios diretos, uma proposta seria ajuda na aquisição de equipamentos. Gabi Gomes argumenta que 2021 ainda será muito parecido com 2020. "O Governo Federal precisa pensar novas medidas mediante ao cenário de calamidade público. É válido e urgente pensar com carinho em uma continuidade e novas ações da Lei Aldir Blanc", descreve.

Antes dessa pandemia, o setor cultural já estava em crise. Trata-se de uma bola de neve que já tinha forma e que agora ficou gigante", lembra Emídio Sanderson. "Precisamos pensar nos próximos meses; sobretudo, no segundo semestre, quando o setor cultural costuma se aquecer pelo número significativo de eventos e outros projetos culturais que costumam acontecer nesse período e geram muitos empregos diretos e indiretos. Quais serão as fontes de recursos para isso? Não teremos mais lei Aldir Blanc. Será que os governos estão se planejando nesse sentido, num momento onde os recursos são priorizados para a saúde?", questiona o produtor.

Ana Carla compartilha que o "lockdown" é uma ação local de enfrentamento à pandemia necessária. "Temos ciência de que tinha que ser uma ação conjunta de todas as esferas de governo e em várias frentes: isolamento, ampliação de leitos de UTI, vacina, pesquisa científica, etc. (...) Não sabemos como as secretarias de cultura vão fazer seus atendimentos, ou qual o planejamento delas para mais um ano complicado, se elas terão recursos que já são assegurados", diz a dançarina.

Artistas unidos 

A união foi a resposta encontrada para amenizar as dificuldades de quem atua profissionalmente no campo do entretenimento. Gabi Gomes situa a importância de iniciativas como a "Unidos Venceremos - Rede de apoio aos trabalhadores e trabalhadoras da cultura do Ceará"

Durante todo a pandemia foi feita a coleta e doação de cestas básicas para artistas e técnicos mais necessitados."A ação foi importantíssima para cuidar e assegurar necessidades básicas. Tudo com um trabalho de formiguinha", descreve.

Proposta semelhante é a do "Movimento Sons do Bem". Em 2020, ação entregou mais de 4.500 cestas arrecadadas e doadas aos trabalhadores que desde o início da pandemia seguem sem fonte de renda. O projeto conta com um site no qual o público pode ajudar por meio de financiamento coletivo.

Programação virtual

A 7ª Bienal de Dança "De Par Em Par" começa segue em cartaz até 14 de março. Os espetáculos, que seriam apresentados a partir desta sexta-feira (5), foram adiados em cumprimento do novo decreto. Assim, a programação precisou ser organizada para o online. Mais de 250 trabalhos de videodança, oriundos de diversos países, serão transmitidos via YouTube do festival.

Posteriormente, em data a ser confirmada, serão apresentados mais de 20 espetáculos ao vivo, com transmissão em realidade virtual.

Atenta às novas determinações de decreto estadual e ao agravamento da crise sanitária causada pela pandemia do novo coronavírus, a equipe do Cinema do Dragão optou por antecipar o fechamento da sala física. A sala permanecerá fechada pelos próximos 14 dias.

Em nota, os organizadores da sala pedem que o público prestigie os 11 filmes disponíveis na plataforma "Cinema Virtual". Entre as obras está "Um Amor Proibido - Escute o som do seu coração". O filme de Arnold de Parscau estreou nessa quinta-feira no País.