Quais propostas os deputados federais do Ceará defendem contra a 'adultização' infantil
Até a tarde de quarta-feira (13), a Câmara Federal contabilizava 46 propostas citando o termo “adultização”
Em meio a uma crise diplomática, a um motim de deputados e à pressão por anistia a investigados por tentativa de golpe, um novo tema atravessou o debate público nacional: a adultização de crianças e adolescentes. Pouco conhecido até então, o termo ganhou força nas redes sociais após denúncia do influenciador e humorista Felipe Bressanim Pereira, o Felca. Em menos de uma semana, virou uma das pautas mais citadas na Câmara dos Deputados, unindo parlamentares de esquerda e direita em um raro momento de convergência. O assunto já rendeu quase 50 projetos de lei na Casa.
O consenso inicial, no entanto, começa a dar lugar a disputas. Deputados de direita tentam incluir na discussão bandeiras caras à agenda conservadora, enquanto a esquerda defende que o enfrentamento à adultização passe pela regulação das redes sociais.
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Até a tarde de quarta-feira (13), a Câmara Federal contabilizava 46 propostas citando o termo “adultização”. Elas vão da responsabilização das plataformas digitais — com a exigência de filtros mais precisos, controle parental, transparência de algoritmos e remoção imediata de conteúdos sensíveis — à proibição da monetização de material infantil sexualizado, criminalização da “adultização” e aumento de penas para exploração sexual de menores. Algumas propostas também preveem punições mais severas para pais, responsáveis ou produtores que explorem a imagem de crianças.
Diante da enxurrada de iniciativas e das divergências sobre o alcance da regulação, o Colégio de Líderes decidiu, na terça-feira (12), criar um grupo de trabalho para elaborar, em até 30 dias, um projeto de lei unificado.
O Diário do Nordeste procurou a bancada cearense e questionou sobre o posicionamento dos parlamentares.
Líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT) afirmou que o debate sobre a adultização é uma oportunidade para unir o país em defesa da infância.
“Defendo que, na Câmara, haja uma forte ação, um esforço inegociável do Parlamento em defesa das crianças e adolescentes brasileiras. É preciso fazer valer também o que é previsto no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), que assegura o direito ao cuidado integral, incluindo saúde, educação, convivência familiar e comunitária, e proteção contra violências e exploração. Essa proteção, no entanto, passa inevitavelmente por uma regulamentação urgente das plataformas que, de maneira irresponsável, dão palco e lucram com essa exploração nefasta”, disse. Ele ainda destacou a decisão do presidente da Casa, Hugo Motta, de pautar projetos sobre o assunto.
Secretário da Primeira Infância, Adolescência e Juventude da Câmara dos Deputados, José Airton Cirilo (PT) afirmou acompanhar com “muita preocupação” não apenas casos de adultização de crianças, mas também outras formas de violência infantil e exploração nas redes.
Segundo ele, uma comissão especial criada por Hugo Motta deve pautar sete projetos de lei que tratam do tema, incluindo propostas sobre pedofilia, segurança no uso das redes e formação das crianças.
“Eu defendo que a gente possa enfrentar esse debate da regulamentação das redes sociais como algo extremamente necessário, prioritário. Hoje, as redes sociais são um lugar sem lei, onde vale tudo e onde se comete diversos crimes. Isso precisa, evidentemente, ser regulamentado para proteger as pessoas e sobretudo as nossas crianças, daí porque eu sou a favor da regulamentação das redes para que a gente possa ter segurança jurídica e defesa dos usuários, não só das crianças, adolescentes e jovens, mas também dos idosos”, completou.
Deputados cearenses apresentam propostas
Dois deputados cearenses apresentaram propostas próprias. Célio Studart (PSD) sugeriu alteração no Código Penal para tipificar o crime de adultização e erotização digital de crianças ou adolescentes. Dayany Bittencourt (União) propôs a chamada Lei Felca, com regras para plataformas digitais, incluindo medidas de privacidade e segurança, verificação de idade, controle parental obrigatório e consentimento eletrônico dos pais para acesso a conteúdos.
O projeto de Dayany também proíbe publicidade direcionada a menores com base em dados pessoais e obriga as plataformas a combater conteúdos ilícitos, como exploração sexual e incitação à automutilação. Além disso, amplia penas para crimes contra crianças e adolescentes, inspirando-se em normas europeias.
Para Studart, é “dever” da Câmara dos Deputados “chegar a uma regulamentação” para garantir a segurança às crianças. “Como as coisas estão hoje, são muitos os casos de abuso de imagem de menores em condutas inadequadas, casos de exposeds, maus-tratos a animais por engajamento, etc”, disse.
Ele destacou como prioritários o próprio projeto, a proposta de Tabata Amaral (PSB-SP), que proíbe a monetização de conteúdos infantis, e iniciativas para regulamentar as redes.
“Obviamente, uma regulamentação onde essas big techs criem ferramentas que possam banir de forma instantânea essas condutas que elas mesmas alertam que não permitem, então é contraditório que não possuam meios mais rápidos e ágeis para banir contas que cometem esses crimes”, concluiu.
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Dayany Bittencourt reforçou que, atualmente, o Brasil conta com o Cadastro Nacional de Pedófilos e Predadores Sexuais, mas defende que ele seja mais efetivo.
“O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente também não é cumprido integralmente, por falta de conhecimento e de estrutura. Nesse contexto, apresentei o Projeto 3924/2025, a Lei Felca, que cria regras claras para proteger crianças e adolescentes no ambiente digital, impondo deveres claros às plataformas, e as responsabilizando quando necessário, além de garantir mecanismos reais de proteção nesse universo digital”, disse.
Correligionário da parlamentar, Danilo Forte (União) também defendeu que é preciso definir parâmetros para a comunicação pública. “No mundo civilizado, você não pode expor certos tipos de agressões, certos tipos de mensagens e narrativas que possam distorcer uma construção de uma sociedade saudável, que possam construir rupturas e desarmonia entre famílias e possam gerar, inclusive, violência e agressões entre as pessoas, principalmente tendo como vítima os mais vulneráveis”, afirmou.
Danilo Forte sugeriu uma regulação com previsão de punições para esse tipo de agressão. “No mundo civilizado, já tem essa preocupação. Nós, aqui, no Brasil, precisamos também avançar nessa pauta. Eu fiquei chocado com o nível de agressão e exposição a que crianças e idosos também são expostos, um total desrespeito e agressão, inclusive do ponto de vista até da essência cristã da palavra. O país precisa avançar nessa legislação, nós não podemos nos intimidar diante do debate, temos certeza de que muitas vezes aqueles setores que lucram com essa violência tentam torpedear e tentam inclusive fragilizar a representação popular”, completou.
Ao Diário do Nordeste, André Figueiredo (PDT) disse que a adultização precoce “é um problema real que ameaça o desenvolvimento saudável e a proteção da infância”. Para ele, o Brasil já dispõe de leis, como o ECA e o Código Penal, mas é preciso avançar na aplicação no ambiente digital.
O deputado defende que o debate priorize mecanismos eficazes de verificação de idade, canais de denúncia mais ágeis e maior responsabilidade das redes na remoção de conteúdos inadequados, a exemplo de países como Reino Unido, Austrália e França. “É possível proteger nossas crianças sem abrir mão da liberdade e da inovação na internet”, afirmou.
Cerco contra a pedofilia
Mais cauteloso, Luiz Gastão (PSD) ponderou que a discussão deve considerar também casos de pedofilia fora das redes. “Nós temos que realmente ampliar a pena, dar maior proteção às crianças e buscar dar segurança às crianças. Sobre os projetos apresentados na Câmara, não firmei posição, eles estão em tramitação, vamos ver qual o PSD coloca como prioridade pelo partido”, disse.
Segundo Luiz Gastão, o principal motivo de cautela é a “regulamentação das redes”. “Não tenho dúvida que precisamos discutir, mas serei sempre contra cercear a liberdade, e não é só a exposição nas redes, claro que elas podem multiplicar o alcance, mas também tem manifestações artísticas com exposições com pedofilia”, alegou o deputado.
Segundo ele, a “criminalização não tem que se restringir às redes, tem que atingir todos os locais”.
O que já foi feito contra a adultização infantil no Brasil?
Uma semana após ser publicado, o vídeo intitulado “adultização”, do influenciador Felca, já ultrapassou a marca de 36 milhões de visualizações.
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Na terça-feira (12), o presidente Lula (PT) anunciou que o Governo Federal vai enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei para regulamentar as big techs e redes sociais no Brasil.
“Quem quer que não haja regulação são as pessoas que estão ganhando muito dinheiro com isso, porque tem gente que fala que é empresário, mas ganha dinheiro com a divulgação de quadros de pedofilia com criança, com ódio. Então nós vamos regular”
Em entrevista à BandNews FM, no programa O É da Coisa, Lula explicou que a proposta está em elaboração há dois meses.
Paralelamente, perfis do influenciador Hytalo Santos, principal alvo das denúncias, foram retiradas do ar nas redes sociais.
Também na terça-feira, a Justiça da Paraíba também determinou a suspensão dos perfis do influenciador e proibiu que ele tenha contato com menores de idade.
Hytalo, inclusive, é investigado pelo Ministério Público da Paraíba desde 2024. No Brasil, o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) prevê pena de até dois anos de prisão para adultos que violem a dignidade ou exponham crianças e adolescentes a vexames e constrangimentos.