História política do Ceará tem, ao menos, 10 casos emblemáticos de rompimento desde a Era Tasso

Mais recente rompimento aconteceu entre o senador Cid Gomes e o governador Elmano de Freitas

O rompimento entre o senador Cid Gomes (PSB) e o governador Elmano de Freitas (PT) continua a ter desdobramentos, inclusive com a expectativa de ser revertido. Em reunião na última terça-feira (19), Cid disse que ainda "não há decisão" sobre o assunto. 

Contudo, Cid teria telefonado ao longo do final de semana para parlamentares e prefeitos aliados para informar a saída da base do Governo Elmano. "Disse (ao governador) que não se sente mais fazendo parte do grupo porque acha que existe uma concentração de decisão nas mãos das pessoas do PT", disse a deputada estadual Lia Gomes (PDT), irmã do senador. 

A insatisfação do ex-governador sobre a concentração de poderes em lideranças petistas vinha sendo demonstrada há, pelo menos, um ano, mas teve como 'gota d'água' a indicação de Fernando Santana (PT) para a presidência da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece). 

O momento agora, segundo o próprio Cid, é de "ter paciência" para cumprir "os ritos que têm que ser cumpridos". "Decisão é decisão e quando se decide, se comunica. Não há ainda essa comunicação. Acho que qualquer ação na vida deve ser feita de forma sempre ouvindo o coração, colocando a cabeça como o grande regrador da sua fala e das suas decisões", disse.

Enquanto aliados do senador têm preferido o silêncio sobre a situação, lideranças petistas defendem o diálogo com Cid para manutenção da aliança, mas falam que a candidatura de Fernando Santana na Alece é "irreversível". Principal liderança do PT no Ceará, Camilo Santana diz que segue aliado a Cid. ""Cid é um grande amigo, parceiro de projeto e de luta, e é meu candidato ao Senado em 2026", completou.

Esse não é o primeiro rompimento político no Ceará. Desde a era Tasso, diversos 'rachas' entre antigos aliados impactaram o cenário político e eleitoral no Estado, alguns deles envolvendo inclusive os protagonistas da mais recente cisão. 

O Diário do Nordeste relembra os episódios que remontam ao período de redemocratização no Ceará, seguindo até os dias de hoje. 

Tasso Jereissati X Gonzaga Mota

Tasso Jereissati (PSDB) foi lançado candidato, pela primeira vez, pelo então governador Gonzaga Mota, em 1986, pelo PMDB. Na época, Tasso integrava o Centro Industrial do Ceará (CIC), de onde surgiram diversas lideranças políticas do Ceará. As primeiras arestas entre Gonzaga Mota e Tasso surgem ainda durante a campanha eleitoral — muitas envolvendo o Plano Cruzado, lançado por José Sarney, também do PMDB na época. 

Vitorioso, Tasso assume o Governo do Ceará em 1987 e acaba rompendo com o padrinho político, inclusive fazendo críticas à gestão e ao legado de Gonzaga Mota. Mais de uma década depois, em 1998, os dois se enfrentaram na disputa pelo Governo do Ceará, vencida por Tasso — que iniciaria o terceiro e último mandato como governador no ano seguinte. Anos depois, os dois se reaproximam, e Mota acabou se filiando ao PSDB em 2003.  

A aliança entre Tasso Jereissati e Gonzaga Mota, aliás, se inicia com um rompimento político, desta vez entre Mota e os três coroneis — Virgílio Távora, Adauto Bezerra e César Cals. Gonzaga Mota havia sido indicação de Virgílio para o Governo do Ceará no final da ditadura militar. 

Contudo, ele acaba sendo o primeiro governador brasileiro a apoiar as "Diretas Já" e acaba por romper com o trio dos coroneis. Em 1986, os antigos aliados se enfrentam: Adauto Bezerra concorre ao Governo do Ceará na disputa vencida por Tasso Jereissati, apadrinhado por Gonzaga Mota. 

Sérgio Machado X Tasso Jereissati

Também parte do CIC, Sérgio Machado coordenou a campanha de Tasso Jereissati em 1986 e foi secretário no primeiro mandato dele como governador do Ceará, entre 1987 e 1990. Havia expectativa de que Machado fosse o candidato à sucessão de Tasso — na época, a reeleição não era permitida. Contudo, Tasso lança Ciro Gomes, que sai vitorioso na disputa eleitoral. 

Sérgio Machado acabou eleito deputado federal em 1990 e, em 1994, foi eleito para uma das cadeiras do Ceará no Senado Federal. Ele acaba rompendo com Tasso Jereissati e lança candidatura contra Lúcio Alcântara, na época no PSDB, em 2002. No mesmo ano, também foi candidato o então deputado estadual Wellington Landim — também saído das fileiras do PSDB. 

Tasso Jereissati X Lúcio Alcântara 

Candidato apadrinhado por Tasso Jereissati, Lúcio Alcântara venceu a disputa pelo Governo do Ceará em 2002. Contudo, o apoio recebido nesta eleição não se repetiria quatro anos depois, em 2006.

Naquele ano, Tasso tentou convencer o então governador a não concorrer à reeleição e, em vez disso, tentar vaga no Senado Federal. A ideia era apoiar a candidatura de Cid Gomes, na época no PSB. Contudo, Lúcio Alcântara não aceita e decide tentar o segundo mandato. 

Logo no início do processo eleitoral, Tasso anuncia o rompimento político com Lúcio Alcântara. Sem o apoio aberto de Tasso, Cid Gomes foi eleito governador do Ceará em 2006, ainda no 1º turno. No ano seguinte, Lúcio se desfilia do PSDB e vai para o PR (atual PL). 

Luizianne Lins X Cid Gomes 

Na primeira disputa eleitoral para o Governo do Ceará, em 2006, Cid Gomes é apoiado pela então prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins (PT). A aliança entre os dois duraria seis anos — e exatas três eleições.

Em 2008, Cid Gomes apoiou a reeleição de Luizianne Lins — contra a ex-cunhada de Cid, Patrícia Saboya, apoiada por Ciro Gomes. Dois anos depois, em 2010, a petista participou da campanha que conduziria Cid Gomes para o segundo mandato como governador. 

Contudo, a aliança entre os dois rompe na eleição de 2012 para Prefeitura de Fortaleza. Luizianne Lins escolheu o então secretário de Educação, Elmano de Freitas (PT). Contudo, a escolha não agradou a Cid Gomes, que defendeu outros nomes dentro do PT, como o então deputado estadual Camilo Santana (PT).

A decisão acabou por fazer com que Cid Gomes lançasse a candidatura do então presidente da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), Roberto Cláudio, na época no PSB. Elmano e Roberto Cláudio foram ao 2º turno da eleição, com a vitória do candidato de Cid Gomes para a Prefeitura de Fortaleza. 

Tasso Jereissati X Cid e Ciro Gomes

Aliados por décadas, Tasso Jereissati e Ciro Gomes seguiram caminhos distintos a partir da eleição de 2010, quando o irmão de Ciro, o então governador Cid Gomes, foi candidato à reeleição para o Palácio da Abolição. 

Naquele ano, Tasso também era candidato à reeleição, só que para o Senado Federal. Inicialmente, a chapa de Cid lançaria apenas uma candidatura de senador, a de Eunício Oliveira (MDB), e apoiaria, informalmente, a candidatura de Tasso. 

O problema era que o PT também tinha candidatura para o cargo, José Pimentel (PT). A sigla — aliada de Cid desde os mandatos na Prefeitura de Sobral — pressionava o então governador a apoiar a chapa formada por Pimentel e Eunício. Tasso pressionou Cid por uma decisão até junho de 2010, quando o silêncio do governador fez o PSDB romper. 

Naquele ano, Tasso lançou Marcos Cals para concorrer ao Governo do Ceará. Contudo, o resultado eleitoral foi de derrota para a chapa tucana. Cid Gomes conquista o segundo mandato como governador e Eunício Oliveira e José Pimentel — com apoio de Cid e Ciro, a pedido do então presidente Lula (PT) — ficam com as duas cadeiras do Ceará para o Senado Federal, conferindo a primeira grande derrota eleitoral de Tasso. 

Com isso, o ex-governador tucano rompe tanto com Cid como com Ciro Gomes — de quem era aliado desde a década de 1980 e de quem foi fiador nas candidaturas à Prefeitura de Fortaleza e ao Governo do Ceará. A reaproximação aconteceria apenas uma década depois, quando ambos apoiaram a candidatura de José Sarto (PDT) à Prefeitura de Fortaleza.

Eunício Oliveira X Cid e Ciro Gomes 

Com o fim do segundo mandato de Cid Gomes como governador, a eleição de 2014 teve uma disputa dentro da base aliada do Governo para saber quem seria o candidato à sucessão do Palácio da Abolição. Eunício Oliveira, então senador da República, articulou candidatura e esperava manter a mesma aliança que elegera Cid Gomes, o que acabou não se confirmando. 

Cid Gomes indicou Camilo Santana (PT) como candidato ao Governo do Ceará. Sem recuar da candidatura, Eunício Oliveira acabou rompendo politicamente não apenas com Cid, mas também com o irmão Ciro Gomes — de quem se mantém desafeto político até os dias de hoje. 

Camilo e Eunício foram ao 2º turno da disputa, que acabou sendo vencida pelo petista. O distanciamento de Eunício com o grupo liderado por Cid, e que agora incluía Camilo Santana, durou apenas quatro anos. 

Apesar de ter apoiado Capitão Wagner (na época, no PR) na eleição pela Prefeitura de Fortaleza em 2016, contra o então prefeito Roberto Cláudio, Eunício voltaria a ser aliado de Cid e Camilo em 2018, quando o então governador articulou para que o PT não lançasse candidatura ao Senado como forma de fortalecer a tentativa de reeleição de Eunício. Contudo, Eunício acabou perdendo a cadeira de senador naquela eleição. 

Roberto Cláudio X Gaudêncio Lucena

A disputa pelo Governo do Ceará em 2014 não causou apenas o rompimento entre Eunício Oliveira e o grupo liderado por Cid Gomes. A Prefeitura de Fortaleza também sentiu as consequências. 

No primeiro mandato como prefeito, Roberto Cláudio (na época, no Pros) — que apoiava a candidatura de Camilo Santana — rompeu com o então vice-prefeito Gaudêncio Lucena (MDB), correligionário de Eunício. 

O rompimento político causou a demissão de secretários municipais ligados a Gaudêncio e o próprio vice-prefeito pediu afastamento das funções e suspensão do salário para se dedicar à coordenação de campanha de Eunício, que acabaria derrotada. 

Domingos Filho X Camilo Santana, Cid e Ciro Gomes

Em 2016, a Assembleia Legislativa do Ceará teve uma disputa direta pela presidência — o que colocou dois deputados estaduais do mesmo partido concorrendo ao cargo e causou um rompimento na base aliada ao Governo do Ceará ainda na primeira metade do primeiro mandato de Camilo Santana (PT).

Zezinho Albuquerque (PDT) era, oficialmente, o candidato do Governo Camilo Santana — apoiando ainda por Cid e Ciro Gomes —, mas Sérgio Aguiar (PDT) também era candidato a presidente da Assembleia, com apoio de Domingos Filho, na época conselheiro do agora extinto Tribunal de Contas do Município (TCM). 

Domingos Filho era aliado desde a primeira gestão de Cid Gomes como governador do Ceará e chegou a abrir mão da intenção de ser candidato ao cargo em 2014, quando Camilo foi candidato. Na época da disputa na Assembleia, o então deputado estadual Ivo Gomes, irmão de Ciro e Cid, chegou a fazer críticas a Domingos Filho, apesar de não citar nomes. 

"Estou me preparando para deixar a Assembleia Legislativa, depois de 14 anos. Saio no momento em que magistrados pertencentes ao Tribunal de Contas dos Municípios – que tem por obrigação mínima a imparcialidade e a distância da política – interferem acintosamente na sucessão da Presidência da casa da qual ainda sou parte", disse na época.

O rompimento com o grupo de Domingos Filho não durou muito, com o ex-vice-governador apoiando a candidatura à reeleição de Camilo Santana em 2018. Contudo, haveria uma nova cisão na base governista em 2022, com Domingos Filho ficando em lado oposto a de Cid e Camilo, mas do mesmo lado de Ciro Gomes. 

Roberto Cláudio e Ciro Gomes X Camilo Santana

A sucessão de Camilo Santana no Palácio da Abolição provocou cisão na base governista. Então governador, Camilo Santana defendia a candidatura da vice-governadora Izolda Cela — ela assumiu o Governo do Ceará em abril de 2022, quando o petista renunciou para ser candidato ao Senado. 

Izolda estava no PDT, que acabou enfrentando uma disputa interna polarizada por ela e por Roberto Cláudio. O ex-prefeito de Fortaleza acabou saindo vitorioso, com forte apoio de Ciro Gomes, que estava como candidato à presidência da República. Mas a escolha de Roberto Cláudio resultou na decisão do PT de lançar candidatura própria. 

Elmano de Freitas foi escolhido como candidato e a ampla aliança que deu sustentação ao Governo Camilo Santana acabou dividida entre a candidatura petista e a de Roberto Cláudio. Também houve divisão interna no PDT, com muitos deputados apoiando informalmente a candidatura de Elmano ou não se posicionando sobre a disputa. 

No fim, Elmano de Freitas foi eleito governador ainda no 1º turno da disputa eleitoral e partidos que tinham se afastado do governo voltaram à base aliada ainda no início do mandato dele, como PSB e PSD. 

Cid Gomes X Ciro Gomes 

A disputa eleitoral de 2022 também teve consequência na relação entre Cid e Ciro Gomes, além de envolver os demais irmãos da família, como o prefeito de Sobral, Ivo Gomes (PSB), e a deputada estadual, Lia Gomes (PDT). 

Ainda na campanha de 2022, Ciro tinha chamado de "traição" a decisão do PT de lançar candidatura própria. "Hoje os meus sentimentos pessoais no Ceará são muito sofridos. Saber o que eu fiz por determinadas pessoas, em tudo que eu pude dar, criei a condição para essas pessoas brilharem e hoje sentir o espinho da traição é uma coisa amarga", disse, sem citar nomes. 

Durante as eleições para o Governo do Ceará, Cid Gomes preferiu ficar distante, sem fazer nenhuma participação na campanha. Contudo, o rompimento com o irmão foi inevitável. "Eu jamais desejaria brigar com o Ciro, mas ele brigou comigo", disse Cid em entrevista à Live PontoPoder em outubro do ano passado. "Se eu soubesse que a consequência ia ser essa, eu teria tomado partido", disse.

Poucos meses antes, também em entrevista a Live PontoPoder, Ciro Gomes havia se manifestado sobre a briga com o irmão. "Esta faca ainda está ardendo muito nas minhas costas", disse, pedindo na sequência para "não fazer nenhum comentário sobre este assunto". 

A querela entre os irmãos acabou impactando também no PDT, partido no qual os dois haviam se filiado em 2015. A tentativa de Cid Gomes de comandar a legenda no Ceará e fazê-la integrar a base do Governo Elmano de Freitas — apoiada por parte dos deputados estaduais e federais, além de prefeitos — acabou sendo impedida pelo grupo liderado por Roberto Cláudio e por Ciro Gomes, que desejavam permanecer na oposição. 

O racha interno ocasinou na saída de Cid do PDT junto a mais de 40 prefeitos, além de uma disputa judicial de deputados para serem autorizados a também desembarcar da sigla. Ivo Gomes acompanhou Cid na filiação ao PSB, em 2023, enquanto Lia Gomes aguarda autorização da Justiça Eleitoral para seguir o irmão.  

José Sarto X Elmano de Freitas

O rompimento causado pelas eleições de 2022 também impactou na relação entre o prefeito de Fortaleza, José Sarto (PDT), e o governador Elmano de Freitas (PT) — Sarto apoiou a candidatura de Roberto Cláudio e seguiu no grupo de oposição ao governador após a derrota eleitoral. Nos dois anos de gestão comum, os dois gestores e aliados trocaram acusações a respeito das dificuldades na relação institucional. 

Em 2023, um dos pontos de crítica foi a respeito da requalificação da Ponte dos Ingleses. Já em 2024, houve foco em críticas sobre a segurança pública e a gestão na área de Saúde. Outra reclamação comum é a falta de reuniões entre ambos, que aconteceram poucas vezes ao longo dos dois anos. 

"Um ano e três meses é o bastante. Fortaleza não pode mais esperar. É urgente que se tome uma providência, se deixe de conversar e fazer política barata e miúda", disse Sarto sobre Elmano em abril deste ano. O prefeito também afirmava ser "persona no grata" no Governo do Ceará". 

Em junho, Elmano de Freitas afirmou que Sarto não o procurou para tratar de projetos para Fortaleza. ""Que tenha chegado a mim que ele procurou uma audiência… ‘Ô governador, o prefeito Sarto está querendo falar com o senhor. Governador, o prefeito Sarto está pedindo uma audiência para tratar de um problema grave’. Não tenho (informação). Que tenha chegado a mim, não tenho", disse. 

Em setembro, Sarto rebateu as críticas e disse que "mostrou" que havia pedido as reuniões. "Quando o governador se nega a dar a audiência, ele está negando à população de Fortaleza o diálogo com o prefeito eleito da Cidade, em que pesa não ser do partido dele. Isso, para mim, é uma visão muito medíocre de política", disse em entrevista ao Diário do Nordeste