Como tarifa zero se tornou consenso entre bancadas na CMFor e pode ser pauta de destaque em 2026
Acesso gratuito ao transporte público tem projeto na Câmara e é apoiado por governistas e membros da oposição.
A abolição do pagamento da tarifa por passageiros no transporte público ganhou fôlego em 2025. O que era uma ideia corrente na agenda pública desde a década de 1990 e se tornou uma das pautas dos protestos realizados em todo o país em 2013, agora ganhou adesão do governo federal e, na capital cearense, começa a tomar forma de uma proposta concreta, apoiada por mais de duas dezenas de parlamentares.
A implementação da tarifa zero universal no sistema coletivo local promete ser um dos destaques do Parlamento alencarino em 2026, caso os arranjos políticos necessários para o andamento da discussão sejam realizados, fazendo com que o propósito histórico de movimentos sociais possa ser colocado em prática perante a lei.
Hoje, em Fortaleza, as passagens são subsidiadas pelo Município, com apoio do Governo do Estado. Os aportes aumentaram desde a pandemia e somente no ano passado a Prefeitura de Fortaleza desembolsou aproximadamente R$ 140 milhões para custear o funcionamento do sistema e tornar a tarifa mais acessível aos usuários.
Estudos publicados por instituições envolvidas na temática da mobilidade indicam meios para a execução e acusam benefícios para a população em função da tarifa zero, especialmente a mais pobre, nos lugares em que ela foi implementada.
Veja também
Tema em evidência na Câmara de Fortaleza
A implementação da tarifa zero em Fortaleza é objeto de um projeto de lei complementar apresentado à Câmara Municipal pela vereadora Adriana Gerônimo (Psol) no dia 10 de dezembro, mas que ainda aguarda leitura no plenário para poder dar início à tramitação
Ela sugere a criação de um fundo municipal para financiar a mobilidade urbana e uma taxa de transporte público a ser arcada por empresas instaladas no município e por outras fontes. A proposição protocolada pela parlamentar teve origem na iniciativa do movimento “Busão 0800”, que milita nesse tema na cidade.
Além de Gerônimo, assinaram a matéria legisladores de situação e oposição: Adriana Almeida (PT), Claudio Lima (Avante), Dr. Vicente (PT), Gabriel Aguiar (Psol), Gardel Rolim (PDT), Germano He-Man (Mobiliza), Jânio Henrique (PDT), Luciano Girão (PDT), Marcel Colares (PDT), Marcelo Mendes (PL), Marcelo Tchela (Avante), Marcos Paulo (PP), Mari Lacerda (PT), Nilo Dantas (PRD), Paulo Martins (PDT), Professor Aguiar Toba (PRD), Professor Enilson (Cidadania), Raimundo Filho (PDT), René Pessoa (União), Tia Francisca (PSD), Tony Brito (PSD) e Wander Alencar (Agir).
A discussão da passagem grátis está no radar do prefeito Evandro Leitão (PT), conforme o próprio tem declarado publicamente, e pode ser uma das prioridades da sua gestão no próximo ano. Na sexta-feira (19), em entrevista ao Bom Dia Ceará, da TV Verdes Mares, o mandatário alegou que pretende implementar o benefício na cidade. “Nós vamos, no próximo ano, sentar e discutir”, declarou.
“Claro, que essa é uma discussão que merece um amplo debate, porque também não podemos ser irresponsáveis para inviabilizar os cofres públicos, o erário. Mas não irei me furtar de sentar, dialogar e conversar para ver se a gente entra no entendimento”, continuou.
Segundo o político, houve um decréscimo de quase metade dos usuários do transporte coletivo depois da pandemia, fazendo com que o número diário de passageiros saísse da casa de 1 milhão para cerca de 550 mil. “Dessas 550 mil, 68% utilizam vale-transporte e 23% com gratuidade. Ou seja, apenas 9% das pessoas efetivamente pagam passagem de ônibus”, salientou ele.
As gratuidades mencionadas cobrem, atualmente, pessoas idosas com mais de 65 anos, pessoas com deficiência, crianças de até sete anos, estudantes (por meio do passe livre estudantil) e, graças a uma lei recente, guardas municipais, servidores da Defesa Civil e agentes de segurança institucionais.
Nos últimos anos, leis que garantem tarifa zero em situações pontuais têm sido aprovadas na CMFor e sancionadas pelo Gabinete do Prefeito. Foram concedidos benefícios em vestibulares do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) e da Universidade Estadual do Ceará (Uece), além dos dias de aplicação de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Desde 2023, por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), o Poder Público é obrigado a garantir acesso ao transporte coletivo gratuito aos brasileiros que vão às urnas durante as eleições.
O escopo da proposta do ‘Busão 0800’
O texto que aguarda tramitação estabelece que o dinheiro do Fundo Municipal de Mobilidade Urbana de Fortaleza, a ser criado, deve ir prioritariamente para subsidiar o serviço de transporte coletivo, para garantir a gratuidade integral. O valor arrecadado seria suficiente para sanar o déficit financeiro alegado pelas empresas que operam o serviço.
O propósito é que o fundo seja alimentado por receitas orçamentárias do município, recursos vindos de uma taxa a ser instituída pela lei protocolada, recursos de transferências estaduais, federais ou cooperação intermunicipal, além de outras fontes não tarifárias.
Ao Diário do Nordeste, no último dia 18, a autora disse que a ideia apresentada nasce de um projeto de lei apresentado em Belo Horizonte (MG), fundamentado em uma lógica que já existe em cidades da França — por meio de um imposto batizado de Versement Mobilité (pagamento de mobilidade, em tradução livre). Ela também é chancelada por uma pesquisa divulgada pela Fundação Rosa Luxemburgo em novembro.
A taxa a ser criada, conforme a proposta, poderá incidir sobre empresas instaladas em Fortaleza com dez ou mais empregados, sendo paga mensalmente. O valor anual deve ser fixado em regulamento, com base no custo anual do sistema e na capacidade contributiva dos contribuintes.
"As empresas, a partir de dez funcionários, que já pagam o valor do vale-transporte para o funcionário, deixam de pagar para o funcionário e vão pagar uma contribuição para um fundo de mobilidade", explicou Adriana Gerônimo, salientando que pessoas jurídicas com até nove colaboradores serão isentas.
De acordo com a parlamentar, o projeto também é benéfico para as empresas, pois, com a instituição da taxa, há uma redução no valor que atualmente é pago por cada trabalhador que seja beneficiário do vale-transporte, mediante o desconto de até 6% do salário-base. E a transparência seria uma das vantagens colaterais dessa nova modelagem.
Considerando os custos atuais do sistema, a quantia mensal por empregado seria de aproximadamente R$ 162 — sendo que, pelo que diz o projeto, até nove funcionários poderiam ser deduzidos do pagamento de cada empresa, como uma forma de alívio para os empresários.
A proposição fala ainda de uma mudança gradual dos tipos de combustíveis utilizados na frota do transporte coletivo, para biocombustíveis, energia elétrica e outras fontes sustentáveis. O projeto menciona que os funcionários que trabalham atualmente em funções de bilhetagem deverão ser realocados em outras atribuições, que o fundo poderá financiar a criação de uma empresa pública de transporte coletivo e que todas as catracas do sistema seriam retiradas.
Da mesma maneira, cria o Conselho Popular Permanente do Transporte Público, com caráter consultivo e deliberativo, reunindo desde funcionários das empresas, representantes do sindicato patronal até membros de entidades estudantis e organizações da sociedade civil.
Outro ponto expresso é que a remuneração do sistema passaria a ser por quilômetro rodado e as empresas passariam a seguir metas de qualidade, acessibilidade, regularidade, frequência e cobertura territorial. Parâmetros mínimos como aumento da frota em horário de pico, ar-condicionado em toda a frota e acessibilidade constam no conteúdo da proposta.
com mais de 100 mil habitantes têm tarifa zero universal no país.
A justificativa do projeto de lei enumera as deficiências do sistema com a cobrança tarifária — como a idade média avançada dos veículos e o não cumprimento dos horários — e alega que o modelo atual sofre de uma “ineficiência”. A responsável por protocolar a proposta revelou que ele foi elaborado após dez meses, com plenárias em bairros e contribuições de diferentes setores ligados à mobilidade urbana.
O desequilíbrio de R$ 7 milhões por mês, informado pelo Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Ceará (Sindiônibus) em setembro, quando as concessionárias suspenderam linhas e reduziram a frota em outras, seria mais um aspecto que testemunha a favor dos argumentos da isenção tarifária, conforme pontua a matéria.
Assim, a tarifa zero seria uma solução para tais problemáticas, já que os empresários não teriam que reduzir a frota ou solicitar aumento da tarifa pública para reduzir custos e compensar as perdas.
O mandato de Adriana Gerônimo planeja, para o próximo ano, linhas de ação para a proposta poder avançar no Legislativo municipal. "A gente quer, em fevereiro, abrir o ano com o movimento 'Busão 0800' aqui na Câmara cobrando a tramitação do projeto. Queremos iniciar o ano de 2026 cobrando o presidente Leo Couto, já que são 23 vereadores que assinaram, inclusive da base, que coloque o projeto para tramitar", salientou a partidária, destacando a constitucionalidade do projeto.
"Se o prefeito quiser conversar, a gente oferece esse projeto como modelo para que ele envie um novo. Acho que o que não pode acontecer é desprezarem totalmente a vontade popular e a vontade de 23 vereadores", adicionou a pessolista durante a conversa.
Ponto (quase) pacífico
A bola da tarifa zero foi levantada por Aglaylson (PT), vice-líder de Evandro, na sessão de 17 de dezembro, repercutindo a sinalização do mandatário em favor do benefício universal aos fortalezenses. O petista defendeu que Fortaleza seja a primeira capital do país a implantar a política.
Para Aglaylson, a medida não seria apenas possível, como necessária. "Hoje, o sistema de transporte, a tendência é que ele se torne mais caro e piore o serviço oferecido para a população. A forma que ele está montado não atende à população", discorreu, frisando que essa discussão é relativa ao direito à cidade.
O vice-líder comentou que Fortaleza já possui um cenário favorável para avançar, já que somente 9% arca com a tarifa “cheia” e essa seria uma decisão política. “Esse é um debate nacional, encampado pelo governo Lula, e nós queremos que Fortaleza esteja na vanguarda”, defendeu em seguida.
A declaração de Aglaylson, feita na tribuna da Câmara Municipal, foi apoiada pelo líder do Governo Municipal, Bruno Mesquita (PSD), seguido por Gabriel Aguiar, Dr. Vicente e Aguiar Toba.
Mesquita, ao Diário do Nordeste, na quinta-feira (18), declarou que não existe dificuldade de diálogo com propostas que estejam na Casa e versem sobre a tarifa zero. "Acho que esse é um projeto que o presidente Lula falou em Brasília e estamos aqui, há muito tempo, debatendo, mas na parte interna", falou.
A tarifa zero, conforme explanou, foi um dos pontos de debate entre o prefeito, vereadores da base e membros do governo quando da crise vivida em Fortaleza durante a suspensão de linhas pelo Sindiônibus. Ele também acredita que o município é um pretenso candidato a se tornar a primera capital a ter isenção integral da tarifa.
"O presidente quer ter uma cidade modelo e, se realmente, ele for implantar no próximo ano, Fortaleza é uma das cidades mais candidatas a ter esse benefício", completou, citando uma "expertise" do Ceará no assunto, graças aos modelos de gratuidade universal em Caucaia e Eusébio.
No mesmo dia, o vice-líder da oposição, Marcelo Mendes, disse considerar "absolutamente louvável" e "revolucionário" o projeto encampado pelo movimento "Busão 0800". "É preciso uma coragem e uma vontade política muito firme do prefeito e das lideranças", assegurou.
"Acho que é plausível, realizável e eficaz, até porque ela retira carga do empresário, que terá um lucro no cálculo final", ponderou, apontando benefícios com a troca do vale-transporte pela taxa de transporte público. Nas palavras de Mendes, se trata de "um jogo de ganha-ganha", ou seja, mutuamente benéfico.
Durante a coletiva de imprensa realizada no encerramento do ano legislativo, o presidente da Câmara de Fortaleza, vereador Leo Couto (PSB), se comprometeu com a ideia. A tramitação, pelo que disse, deve ocorrer após uma fase de estudos. "Vamos fazer as análises e discutir, para a gente poder amadurecer [a ideia] e, aí, sim, colocar para apreciação da Casa", argumentou.
Segundo o chefe do Legislativo, a instituição da tarifa zero "é o desejo de todos os gestores". "Agora, isso tem que ser com muito estudo e muita responsabilidade. Tenho certeza que, se isso for possível, o prefeito Evandro implementará", indicou.
Sinalizações do governo federal
O benefício da tarifa zero entrou no debate municipal fortalezense em paralelo com o intento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A pedido do chefe do Palácio do Planalto, o Ministério da Fazenda está realizando um estudo para avaliar a possibilidade de implementação da tarifa zero.
A informação foi confirmada em outubro pelo titular da Fazenda, o ministro Fernando Haddad (PT), no programa Bom Dia, Ministro, da EBC. "É um tema já antigo no Brasil. Sabemos que o transporte público no Brasil, sobretudo o urbano, é uma questão importante para o trabalhador”, iniciou.
“Nesse momento, estamos fazendo uma radiografia do setor, a pedido do presidente", prosseguiu o auxiliar do Governo Lula. De acordo com Haddad, há "vários estudos que estão sendo recuperados pela Fazenda, para verificar se existem outras formas mais adequadas de financiar o setor".
O deputado federal José Guimarães (PT), líder do governo na Câmara dos Deputados, indicou, num balanço para jornalistas em Brasília, na quinta-feira (18), que a tarifa zero é uma das prioridades no Congresso Nacional em 2026.
A temática deve ser uma das bandeiras da campanha de Lula à reeleição. Nas palavras de Guimarães, o benefício depende do impacto econômico e dos estudos que estão sendo tocados. “Não é um tema para votar amanhã, mas é um tema relevante”, apontou o parlamentar.
Procurada para que pudesse dar informações complementares, a Coordenadoria de Comunicação da Prefeitura de Fortaleza disse que a gestão aguarda uma posição do governo federal para entender como o ente poderia se somar ao subsídio do transporte coletivo.
A reportagem também acionou o Ministério da Fazenda, responsável pelos estudos encomendados pelo presidente Lula, e a Casa Civil da Presidência da República, braço do Planalto que coordena ações de governo e articula políticas públicas, para que pudessem se manifestar sobre o andamento da proposta. Não houve resposta até a última atualização deste texto.
Proposta é viável em Fortaleza?
Em fevereiro, um estudo divulgado pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) comparou a adoção da tarifa zero em municípios brasileiros e analisou 12 cidades com mais de 100 mil habitantes que conseguiram instituir a política de universalizar o acesso gratuito aos coletivos.
Ao que apontou a NTU, o boom da tarifa zero coincidiu com o crescimento do subsídio público às pessoas que utilizam o transporte público no período posterior à pandemia da Covid-19. Mas o documento reconhece dificuldades enfrentadas pelas grandes cidades e metrópoles para adoção do benefício.
Dados da entidade, mostram que 154 cidades possuem tarifa zero. Destas, em 127 a isenção abrange todo o sistema durante todos os dias da semana, enquanto em 17 o benefício abrange todo o sistema somente em dias específicos. Nas dez demais, a política abrange parcialmente o sistema durante todos os dias. Nove capitais têm tarifa zero, mas com restrições.
Caucaia é registrada como a maior cidade com isenção de tarifa pública para toda a população usuária do transporte coletivo durante todos os dias da semana. Atualmente, o sistema transporta cerca de 2,5 milhões de passageiros mensalmente e tem uma frota total de 70 ônibus, locada de uma empresa privada e distribuída em 32 linhas.
No município da Região Metropolitana de Fortaleza, graças à tarifa zero, implantada em 2021, o houve um crescimento de 25% no faturamento do setor de comércio e serviços, acompanhado por um crescimento proporcional na arrecadação tributária do Município. Os benefícios são semelhantes aos percebidos em outras municipalidades, localizadas em diferentes estados.
Outras três cidades cearenses têm políticas de isenção da passagem no embarque, bancadas diretamente pelos respectivos cofres públicos. Aquiraz e Eusébio seguem modelos que contemplam todo o sistema de transporte. Já Maracanaú tem uma política de tarifa zero que beneficia apenas inscritos em programas sociais, estudantes e outros públicos mais vulneráveis.
Dimas Barreira, presidente do Sindiônibus, afirmou que a tarifa zero é uma pauta “muito interessante”. “Envolve uma discussão nacional que puxa para fortalecer essa capacidade que as prefeituras não têm tido, na sua grande maioria, de tratar. Então puxa os três níveis de governo, tanto federal quanto estadual, para fortalecer”, inferiu.
No entanto, alertou Barreira, “com ou sem tarifa zero, o que deve ser preservado é o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos, porque isso que garante o adequado funcionamento do serviço”.
O serviço precisa ter volume adequado de oferta, proporcional à demanda que a gente tem, isso tem sido muito difícil de manter. O serviço precisa ter renovação de frota. Então, para tudo isso, é muito importante o respeito ao equilíbrio econômico e financeiro dos contratos.
O dirigente do sindicato das empresas de transporte destacou “o alcance social do transporte”, que promove uma “cidade mais equitativa”, “com menos acidentes de trânsito” e “menos poluição”. “Tudo isso faz parte dessa discussão”, sustentou.
“O fortalecimento do transporte coletivo, com certeza, seja ou não através de tarifa zero, é uma boa decisão para o funcionamento das cidades. Então, o Sindiônibus está aqui para apoiar qualquer proposta política que for viabilizada”, finalizou.
Uma política nacional é possível?
Divulgado pela Fundação Rosa de Luxemburgo em novembro, um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade de São Paulo (USP) sugeriu um cálculo para o custo nacional da política de tarifa zero.
A pesquisa estimou que a implementação da gratuidade do transporte em todas as 706 cidades com mais de 50 mil habitantes no país chegaria a cerca de R$ 78 bilhões por ano, de modo que atenderia a 124 milhões de pessoas que vivem nesses municípios.
A alternativa mais promissora, recomendou o levantamento, seria a substituição do vale-transporte por uma contribuição a ser dada por todas as pessoas jurídicas do país, fazendo com que não seja preciso destinar mais recursos do governo ou criar novos tributos.
Os estudiosos mostraram que o Brasil vive uma das piores crises no transporte público, com uma redução acentuada no número de passageiros na última década e consequente queda de receitas. De 2013 a 2023, por exemplo, a quantidade de viagens individuais realizadas nas maiores cidades brasileiras diminuiu cerca de 30%. O cenário, na visão dos especialistas, corrobora com a tarifa zero, em função do retorno dos usuários para o modal.
O professor José Ademar Gondim Vasconcelos, do Departamento de Engenharia de Transportes (DET) da Universidade Federal do Ceará (UFC), evidenciou que é importante ter a compreensão de que não se trata de um transporte gratuito propriamente dito.
Muita gente fala em gratuidade, mas ela não existe, porque alguém está pagando. Existe tarifa zero. Por quê? No caso, se a prefeitura assumir que vai pagar, evidentemente vai ter que tirar recurso em algum lugar.
Vasconcelos distinguiu que o transporte é uma "atividade-meio", um serviço de suporte. "Cada pessoa que sai de casa, ela gasta dinheiro, então se você facilita essa saída, a economia, de certa forma, é ativada", explicou.
"A tarifa zero tem outra repercussão que muitas vezes as pessoas não comentam, que é a segurança. O meio de transporte mais seguro que existe, coletivo, ainda é o ônibus", lembrou. Entretanto, ele opinou: "Tem que ter tarifa zero com uma oferta compatível, para que as pessoas deixem de andar de moto".
A ideia é apoiada pela sociedade civil a partir de iniciativas como o Movimento Passe Livre (MPL), que atua nessa frente desde 2005 e a alçou como uma das principais reivindicações das Jornadas de Junho, em 2013. Ela produziu campanhas como a que levou a tarifa zero para votação na Câmara de Belo Horizonte, derrotada em outubro deste ano por 30 votos a 10.
No ano passado, segundo a plataforma "Vota Aí", projeto fundado como uma parceria entre pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), exatos 675 programas de governo de candidatos a prefeituras mencionaram as expressões "tarifa zero" ou "passe livre".
Quando foi prefeita de São Paulo, nos anos 1990, a atual deputada federal Luiza Erundina (Psol), tentou estabelecer a gratuidade universal nos ônibus municipais da capital paulista, buscando transformar o transporte em um serviço público essencial, como é o Sistema Único de Saúde (SUS). Com dificuldades na relação com o Legislativo, a então gestora não obteve êxito no seu objetivo.
A mesma Erundina, em 2023, ingressou com uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) na Câmara dos Deputados, prevendo a criação do Sistema Único de Mobilidade (SUM), que estabelece o transporte público gratuito como um direito social a ser assegurado pelo Estado. O financiamento aconteceria por meio dos orçamentos públicos das três esferas de governo e de uma nova contribuição pelo uso do sistema viário — a ser paga por proprietários de veículos e empregadores.