Crise entre prefeitos e vices da Capital se repete desde 1986

A ruptura entre prefeito e vice-prefeito de Fortaleza tem ocorrido desde o mandato de Maria Luiza Fontenele

Escrito por Redação ,
Legenda: Em entrevista ao Diário do Nordeste em janeiro de 2013, o vice-prefeito Gaudêncio Lucena diz que não entraria em crise com Roberto Cláudio
Foto: Foto: Pompeu Vasconcelos

O rompimento entre o prefeito Roberto Cláudio (PROS) e o vice-prefeito Gaudêncio Lucena (PMDB) - escancarado na última semana, após exoneração de secretários municipais peemedebistas - passa longe de ser um episódio pontual do cenário político da Capital cearense. Desde a redemocratização do País, ainda nos anos 1980, todos os prefeitos e vice-prefeitos de Fortaleza enfrentaram crises no curso da gestão municipal por divergências na administração pública e frustrações na execução do projeto de poder.

A prefeita Maria Luiza Fontenele, empossada em 1986, teve uma relação de desgaste com o vice-prefeito Américo Barreira. À época, ambos eram filiados ao PT e tiveram divergências no modelo de Governo que posteriormente levaram à expulsão da gestora do partido ao qual era filiada. Em abril de 1988, conforme matéria veiculada à época no Diário do Nordeste, a executiva regional da legenda, apoiada pelo vice-prefeito Américo Barreira, pediu o afastamento de Maria Luiza após conflitos em pré-convenções da sigla.

O candidato a prefeito vitorioso nas eleições de 1988 foi Ciro Gomes, que interrompeu o mandato para assumir o cargo de governador do Estado, após vencer o pleito de 1990. O vice-prefeito Juraci Magalhães, que era do PMDB, rompeu com o PSDB de Ciro após decidir apoiar a candidatura ao Governo de Paulo Lustosa, que era filiado ao PFL. Depois de Ciro Gomes ser eleito governador, Juraci comandaria a Prefeitura de Fortaleza até 1992 e trocaria farpas com o ex-aliado nos anos posteriores.

Falta de compromisso

O ex-prefeito Antônio Cambraia, que assumiu entre 1993 e 1996, também encerrou a gestão rompido com o vice Marcelo Teixeira. A situação se repetiria nos dois mandatos de Juraci Magalhães. No primeiro, o peemedebista se desentendeu com Marlon Cambraia. Em seguida, no segundo mandato, a vice Isabel Lopes, que também era secretária de Educação, rompeu com o prefeito, justificando falta de compromisso da administração com a educação. Ela desligou-se da Pasta e do PMDB.

Prefeita de Fortaleza por dois mandatos, Luizianne Lins repetiu o histórico de crises dos ex-gestores. A petista começou a ter conflitos com o vice Carlos Veneranda logo após a posse dos gestores, em 2005. O vice-prefeito da segunda gestão, Tin Gomes, enfrentou divergências com a ex-prefeita, mas a relação entre os dois só encerrou oficialmente em 2010, quando ele foi eleito deputado estadual e renunciou ao cargo de vice-prefeito.

Em janeiro do ano passado, o atual vice-prefeito de Fortaleza, Gaudêncio Lucena, concedeu entrevista ao Diário do Nordeste afirmando que não repetiria o histórico de crises entre prefeitos e vices da Capital. "Eu entrei na política, como vice, para ajudar e não tenho ambição nem direito de querer usurpar um poder que não é meu", declarou Gaudêncio à época.

Expectativas

O cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB), aponta que essa relação conflituosa já ocorreu em outras capitais, mas não com a frequência encontrada em Fortaleza. "Tem uma coligação em que prefeito e vice têm orientações e expectativas diferentes e, quando não há chapa pura, prefeito e vice muitas vezes não estão na mesma linha", ressalta o docente.

Para o especialista, a fragilidade na relação entre os gestores pode gerar dificuldades na própria administração. "A prefeitura está em seu segundo ano de mandato, atrapalha totalmente o secretariado do prefeito, muitos renunciaram e outros ainda vão renunciar, atrapalha a gestão", completa.

No Ceará, os diálogos entre governadores e seus vices também passaram por estremecimentos, mas a incidência de rupturas é consideravelmente menor. O atual vice-governador do Estado, Domingos Filho, trocou o PMDB pelo PROS do governador Cid Gomes com a expectativa de ser o candidato ao Governo apoiado pelo arco de alianças que dão suporte à gestão.

Frustrada

Mesmo com a intenção frustrada e reservas no relacionamento com Cid Gomes, Domingos Filho não rompeu com o gestor e conseguiu garantir uma indicação ao Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará (TCM), após a aposentadoria do conselheiro Artur Silva.

Para o cientista político David Fleischer, o rompimento do vice-governador é mais delicado que o do vice-prefeito porque o primeiro tem mais a perder no caso de afastamento. "O vice-governador tem a prerrogativa de controlar algumas secretarias e uma parte do governo estadual e isso não é desprezível. Já o vice-prefeito não tem o controle de uma máquina muito pequena".

O sociólogo Antônio Flávio Testa, da UnB, destaca que a formação de amplas coligações favorece a crise de interesses entre prefeitos e vice-prefeitos. "O processo é longo e as coisas mudam muito. As alianças se dão por conta das eleições e, quando acabam, as coisas voltam ao normal", responde.

Antônio Flávio Testa diz que o papel do vice é limitado até nas esferas estadual e nacional. "Vice é sempre vice, não manda muito, não. O único que foi forte foi José de Alencar (vice do ex-presidente Lula). Antes, o vice assumia a presidência do Congresso, como no caso de João Goulart. Hoje é só um substituto eventual do titular". Sobre o caso de Fortaleza, acrescenta: "Dificilmente ele (Roberto Cláudio) vai se afastar, o convívio vai ser muito tenso nos próximos dois anos".

Lorena Alves
Repórter