Reforma Tributária 2023: o que está em jogo com o fim dos incentivos fiscais nos estados?
O texto aprovado propõe o fim do mecanismo, mas não terá o efeito de suspensão dos benefícios já concedidos
Adotada para atrair investimentos produtivos, sobretudo, pelas regiões brasileiras menos desenvolvidas, a política de incentivos fiscais acaba com a aprovação da Reforma Tributária. O questionamento que se levanta é como os estados poderão captar recursos privados sem essa carta na manga.
A Reforma foi aprovada na madrugada desta sexta-feira (7), mas ainda seguirá para a votação do Senado Federal. O texto acatado propõe a unificação do ICMS (tributo estadual) e do ISS (municipal) no formato do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), com gestões estadual e municipal compartilhadas.
Dessa forma, os estados não poderão mais isentar de ICMS as empresas interessadas em fazer investimentos em determinada unidade da federação, acabando com os incentivos fiscais a partir desse imposto estadual.
Veja também
O fim da concessão não terá efeito de suspender os benefícios já liberados. Uma lei complementar (n.º 160) estipula o prazo de transição e assegura a manutenção até dezembro de 2032.
Para contornar essa questão, será criado um Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) para compensar eventuais quedas na arrecadação dos estados. O capital será oriundo da União, com aportes previstos de R$ 8 bilhões a partir de 2029, chegando a R$ 40 bilhões em 2033.
O FDR começa em seis anos, sem prazo estipulado para o fim.
O que está em jogo com o fim dos incentivos fiscais para o Ceará?
Há divergências sobre acabar com os incentivos fiscais porque alguns gestores acreditam que, apesar da perda fiscal, a política compensa pelo crescimento industrial, desenvolvimento local, geração de emprego e renda.
Entretanto, também há críticas sobre a efetividade e a transparência do mecanismo, conforme explica o presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), Rodrigo Spada.
“Esses benefícios fiscais não são repassados para a população, mas são incorporados na margem de lucro das empresas. Não é possível, por exemplo, ver a diminuição da tarifa área porque tem o incentivo do querosene da aviação”, exemplifica.
Veja também
Para se ter ideia, recentemente, as empresas aderentes ao centro de conexão (hub) do Ceará, que obtiveram dispensa do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), continuaram com a desoneração mesmo após descumprirem as regras para recebê-la.
A desidratação dos cofres públicos também é um ponto polêmico. Neste ano, o Ceará deve deixar de arrecadar R$ 2,3 bilhões com as renúncias fiscais de ICMS, de acordo com estudo da Febrafite.
Outro exemplo de impacto é a saída de fábricas incentivadas do Estado, deixando milhares de desempregados, como a Guararapes e a Troller.
Como estados mais pobres vão compensar o fim da concessão?
Para Rodrigo Spada, a transição será “suave e dará tempo o suficiente” para os gestores se planejarem. “É fundamental mudar o modelo de oferecer incentivos. Hoje, essa guerra fiscal é fratricida e acaba prejudicando todos os estados”, aponta.
Ou seja, o entendimento é de que há uma disputa acirrada pela atração de investimento, provocando discrepâncias socioeconômicas entre as regiões.
“Todos os estados praticam, e estamos num sistema de autofagia, em que a gente acaba prejudicando os outros, derrubando competitividade e eficiência”, observou.
Rodrigo acrescenta sobre a possibilidade de maior participação das unidades federativas menos desenvolvidas no Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR).
Um critério discutido é Produto Interno Bruto (PIB) invertido para distribuição de recursos do fundo. Assim, os territórios com uma receita menor terão prioridade. Todavia, a forma como as verbas serão distribuídas ainda continua em aberto.
Além do FRD, enumera, tem o “cashback”, cuja ideia é devolver parte do imposto pago para famílias de baixa renda, ajudando a diminuir a “desigualdade em consequência de um sistema tributário de quase 60 anos”.
“Isso vai beneficiar maioria dos estados menos desenvolvidos. É dinheiro na veia dessas economias. Esses três vetores vão levar mais recursos para o Norte e para o Nordeste”, afirmou.
Como o Ceará se prepara para perder essa carta na manga?
A Secretaria da Fazenda do Ceará (Sefaz-CE) destacou que o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda (Comsefaz) propôs ao governo um FDR no valor de R$ 75 bilhões, financiado exclusivamente pela União, com uma distribuição prioritária para o Norte e Nordeste.
“O valor foi apresentado ao relator da Reforma Tributária na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), mas ainda não houve resposta. Com isso, o estado do Ceará receberia um recurso para fazer essa política de desenvolvimento regional, substituindo um incentivo que seria fiscal por um incentivo financeiro”, disse, em nota.
Questionada sobre um plano de ação para a atração de empresas com o fim dos incentivos, a pasta afirmou que o Governo do Ceará estudará as possibilidades que o fundo vai trazer.
“É preciso, antes disso, acompanhar a tramitação para que esse Fundo seja aprovado, analisando, por exemplo, se há pré-requisitos e áreas prioritárias para a aplicação. A partir disso é que será possível estabelecer um plano de ação, de fato”, completou.